Descrição de chapéu Sabesp

'Não queremos sair da Sabesp, queremos ficar', diz secretária do governo de SP

Estado quer diminuir sua participação sem abandonar a companhia, segundo Natália Resende, que comanda a pasta responsável pela privatização

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São Paulo

O governo de São Paulo descartou a possibilidade de sair totalmente do controle da Sabesp e ficar responsável apenas pela parte regulatória. Para seguir acompanhando a empresa de perto, a opção escolhida para dar sequência à privatização foi o modelo de follow-on, em que há uma oferta adicional de ações e, consequentemente, a diluição da participação acionária do estado.

Segundo Natália Resende, secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do estado de São Paulo, durante a fase de estudos preliminares, a gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) abandonou dois modelos que se baseavam na venda total ou parcial da companhia de saneamento.

"Nós não queremos sair. Nós queremos ficar. Queremos ficar com um pouco menos [de participação acionária], e vamos ver a porcentagem agora", diz a secretária, que comanda a pasta responsável por tocar o processo de desestatização.

Natália Resende, secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do estado de São Paulo
Natália Resende, 35, secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do estado de São Paulo - Divulgação

Em entrevista à Folha na sede da secretaria, em São Paulo, Resende afirmou que, após a definição do modelo, o governo entra agora numa fase de estudo sobre questões econômicas, modelo regulatório e conversa mais aprofundada com os municípios.

Atualmente, o governo de São Paulo tem 50,3% da Sabesp. O restante das ações é negociado nas Bolsa de São Paulo e na Bolsa de Nova York.

A privatização é considerada a joia da coroa da gestão de Tarcísio, que prevê antecipar em quatro anos a universalização das metas de saneamento, previstas no marco do setor.

"Sabemos que o saneamento é superimportante. Então queremos ficar [na empresa] e temos esse desafio de fazer as metas, indicadores, colocar tudo de uma forma muito clara para a sociedade."

Após a definição do modelo de desestatização, quais os próximos passos?
Nosso cronograma é dividido em três fases. Concluímos a primeira seguindo estritamente o cronograma que estabelecemos junto com o IFC, que é um braço do Banco Mundial. Essa primeira fase foi sobre o que o estado pretende com a desestatização, quais são os benefícios. Estamos falando em levar o saneamento para pessoas que hoje não têm, pessoas que não têm atendimento dentro do contrato da Sabesp.

Para isso, precisamos de mais investimentos, aliado a uma redução tarifária. Essa é uma premissa que estabelecemos desde o início.

Entendemos, a partir do modelo resultado dessa fase 0 —como estamos chamando—, que conseguimos fazer isso. Trazer mais investimentos, antecipar a universalização de 2033 para 2029. Queremos antecipar as metas, além da preocupação com redução tarifária.

O modelo [de desestatização definido] vem muito para conseguirmos colocar esses benefícios de uma forma concreta e clara para a sociedade.

Agora, na fase 1, estamos fazendo valuation [avaliação econômica], due dilligence [diligência prévia]. Estamos estudando a questão contábil, modelo regulatório, o detalhamento desse modelo de operação que apresentamos, [fazendo uma] conversa mais estruturada com os municípios…

Isso vai até o início do ano que vem. Depois vem uma fase de roadshow, de audiência pública. Até meados [de 2024], pretendemos fazer isso tudo e a operação.

Existe uma vontade de concluir tudo isso antes das eleições municipais? Esse timing político é uma preocupação?
O cronograma que estabelecemos daria antes das eleições municipais, sim. Fizemos todos os marcos para conseguir realizar essa operação de uma forma mais segura e robusta possível. Não queremos fazer nada açodado.

Mas existe a percepção de que uma mudança nas prefeituras pode atrasar ou até mesmo inviabilizar [a privatização da Sabesp]?
Temos trabalhado com esse cronograma de acabar antes das eleições. Até por essas conversas que estamos tendo com os municípios. O que estamos olhando, no limite, é o usuário. Como conseguir prestar melhor o serviço. Logicamente isso independe do prefeito em si, mas há toda uma conversa, um diálogo que vai avançando. Quando muda o player, você tem que conversar novamente. Por isso, entendemos que esse cronograma é crível, é razoável até as eleições do ano que vem.

Nessas conversas com as prefeituras, qual tem sido a temperatura? A maioria apoia ou é contra a desestatização?
Nós sentimos que, quando falamos dos benefícios, os prefeitos, deputados, vereadores entendem e gostam bastante. O plano atual da Sabesp é de R$ 56 bilhões [em investimentos] até 2033. Agora, estamos falando em fazer R$ 66 bilhões até 2029, incluindo mais 1 milhão de pessoas que estão em área rural, área irregular consolidada, comunidades tradicionais —que hoje não estão [dentro da área de atendimento da Sabesp]. Essa inclusão é muito importante.

Dentro desse R$ 66 bilhões está a despoluição do Tietê. Também queremos, a partir de novas tecnologias e inovações, contribuir para acelerar a despoluição do Tietê e colocar mais resiliência hídrica, resiliência climática, para as infraestruturas.

Quando falamos isso, os prefeitos entendem que realmente são benefícios. Estamos olhando todo o mundo, município, estado, Assembleia [Legislativa], Câmara [dos Vereadores] e o usuário, no final das contas. Lembrando que, no modelo que estamos fazendo, o estado permanece, não vai sair completamente. O que vamos estudar ao longo deste ano é exatamente a porcentagem de participação.

Esse valor de R$ 66 bilhões foi trazido pelo estudo do IFC? O que significa esse valor?
Foi feito um estudo bem minucioso do plano atual da Sabesp. Até 2033, ela tem R$ 56 bilhões [em investimentos para atingir a universalização do saneamento].

Por exemplo, Salesópolis, município que está bem na nascente, tem 4.300 domicílios que são atendidos pela Sabesp, e 3.900 que são considerados área rural, e não estão no contrato. Fomos olhando todas as localidades para ver o que precisava trazer de investimento para fazer essas inclusões. Isso tudo agregando deu o valor de R$ 66 bilhões até 2029 com a premissa da [redução de] tarifa.

De onde virá o mecanismo para permitir a redução de tarifa?
Num modelo de follow-on com a busca por investidores compromissados com resultado, estamos falando de expandir a empresa, pulverizar, no sentido de vender mais ações, com a possibilidade de vender as ações do próprio estado.

Quando fazemos isso, há a possibilidade de trazer mais investimentos e usar uma parte desse recurso para reduzir a tarifa.

Na capitalização entrariam recursos da venda de ações, que seriam usados para reduzir a tarifa. É isso?
Isso. Uma parte para investimentos e outra para redução tarifária.

Mas isso permitirá uma redução de tarifa temporária, não? Ou também para um prazo extenso?
O que estamos estudando agora nesse modelo regulatório da fase 1 é ter [uma redução tarifária] de partida e ao longo prazo. Estamos estudando benchmarking internacional, todos os casos... O pessoal fala muito: "Ah, mas teve problema de reestatização". Se olharmos, é porque muitos não consideraram indexadores [de tarifa].

Em Buenos Aires, a tarifa era vinculada ao dólar. Não vamos fazer isso. Vamos vincular a um indexador. Isso, a longo prazo, é muito bom. Estamos olhando tudo, todos os casos que deram errado, quais são os problemas. E mais: dentro da especificidade do estado de São Paulo, porque o saneamento é específico.

Existe perspectiva de quanto deve reduzir?
É nessa fase 1 que vamos [ter um cálculo]. É um balanço entre a redução e o investimento. Agora vamos fazer esse detalhamento com o cálculo da redução.

Considerando esses locais que fizeram reestatização das companhias [de saneamento]. A privatização da Sabesp não seria andar na contramão?
Não, é muito diferente. Primeiro, esse processo é bom porque conseguimos mais investimento, num prazo até 2029, para antecipar a universalização e colocar mais beneficiados com a redução da tarifa. Esse é o ponto.

Se olharmos Paris [que passou por reestatização], houve um processo que começou sem licitação. Obviamente, vamos fazer tudo de uma forma com governança, com licitação. Lá, eles fizeram um fatiamento do ativo por localidade geográfica e por serviço. Isso reduz a escala. Nós não vamos fatiar.

Paris também teve um problema de a tarifa não olhar necessariamente a inflação. Tem esse problema de indexador. Nós vamos atacar isso.

Na Inglaterra, que tem essa discussão [de reestatizar o saneamento], vemos que eles não tiveram uma preocupação muito grande, até pelo modelo regulatório, com metas. Não fixaram indicadores, nós vamos fazer isso.

Berlim, por exemplo, tinha uma forma de remuneração fixa, isso não dá incentivo para a concessionária. Nós temos formas de incentivo, com penalidades, metas, indicadores. Vamos estabelecer em contrato.

Além da questão da tarifa, outra preocupação é que após a desestatização os recursos não cheguem a áreas pouco rentáveis. Como isso está sendo enfrentado?
Colocando metas, indicadores, governança. Na fase 1, nós já identificamos isso, até pelos casos que eu comentei. Nesse modelo regulatório, [vamos incluir] metas, indicadores, penalidades, gradação. Além disso, o estado permanece para acompanhar o crescimento da empresa e o cumprimento das metas.

Onde a Sabesp é ineficiente hoje e que precisaria de uma desestatização para ser mais eficiente?
A Sabesp é uma empresa de referência, nós sabemos. É uma das maiores da América Latina e do mundo, com um corpo técnico muito qualificado, mas ela pode ser melhor. Sabemos das amarras que existem quando o controle acionário é feito por parte do estado. É natural.

A empresa privada tem menos amarras. Daí a importância que eu comentei das metas, indicadores e de o estado permanecer para garantir a transparência para o usuário.

Há um potencial de ganho de eficiência natural. O que nós queremos da Sabesp é que ela seja ainda melhor, ainda mais referência. Além disso, existe a oportunidade de mais investimentos. Conseguir antecipar [as metas] até 2029 com a redução tarifária.

Quais são essas amarras naturais no caso da Sabesp?
Ela tem de seguir a Lei das Estatais. Tem toda uma burocracia legal que falamos, dos trâmites licitatórios, da prestação de serviços, tem uma lógica de legislação estatal. Quando há uma maioria privada, temos celeridade, um potencial ganho de eficiência.

A Sabesp já tem um corpo técnico muito qualificado, o pessoal é muito bom. A parte de gestão, em virtude disso, pode melhorar. Sempre pode melhorar.

Às vezes ficamos pensando muito no ativo e esquecemos o serviço. Como prestar melhor esse serviço? É com uma empresa que tem 50,3% de estado ou com uma parcela menor só que com essas vantagens todas? É um apelo social muito forte.

A Sabesp é uma empresa que dá lucro, que já está na Bolsa e que tem mecanismos para trabalhar com PPPs e captar financiamento no mercado. Por que a desestatização é melhor?
Porque hoje eu tenho a oportunidade de incluir mais 1 milhão de pessoas que não são atendidas na Sabesp até 2029: população em área rural, área irregular consolidada, comunidades tradicionais. Isso não está incluído na área da Sabesp hoje.

Tenho a oportunidade de fazer isso, possibilitar a universalização até 2029, e ainda ter essa redução tarifária.

Na apresentação do modelo de desestatização, o governador Tarcísio de Freitas disse que estavam em estudo outros três formatos. Por que eles não foram escolhidos?
Detalhamos todos os cenários, prós e contras, riscos... Um primeiro modelo era bem próximo do feito com a Eletrobras. Um follow-on não tão preocupado com essa questão de acionistas de referência.

Esse modelo que anunciamos é muito isso: o estado fica e queremos parceiros de longo prazo, parceiros compromissados com o estado e com o usuário.

Os outros dois [modelos estudados] tinham muito a ver com a venda da Sabesp. Um era a venda parcial, outro era a venda total. Ou seja, era o estado sair, e nós não queremos sair. Nós queremos ficar. Queremos ficar com um pouco menos, e vamos ver a porcentagem agora.

Queremos acompanhar. Sabemos que o saneamento é superimportante. Então queremos ficar e temos esse desafio de fazer as metas, indicadores, colocar tudo de uma forma muito clara para a sociedade.

Esses modelos que descartamos era o estado saindo totalmente. Vender e ficar só com a regulação. Isso nós não queremos.

A experiência da Eletrobras, com a contestação do modelo de desestatização pelo governo Lula, foi uma preocupação? O governo de SP quis evitar esse risco?
Nós sempre olhamos todos os casos, sejam internacionais, seja nacionais. Colocamos prós, contras, riscos, mitigações. Logicamente, nós olhamos a questão da Eletrobras.

O modelo que escolhemos é o modelo Sabesp. O modelo do saneamento do estado de São Paulo. Olhamos todos os pontos e escolhemos o que achamos ser o melhor considerando mais investimento, mais gente na área de cobertura e a redução tarifária.

Já existem interessados em ser acionistas de referência?
Muita gente nos procura, muitos investidores. Já conversamos com vários e vamos fazer processos de roadshow também. Já fizemos alguns, o governador foi para Nova York, por exemplo, e a vai intensificar mais, porque é a busca por parceiros.

A privatização não é necessariamente popular. Há inclusive uma pesquisa do Datafolha mostrando que a maioria em SP é contra. Existe a previsão de que haja algum desafio de aprovação na Assembleia Legislativa?
Eu não vejo uma barreira, seja com parlamentares, seja com a sociedade. Quando as pessoas entendem, elas falam: "Nossa legal, não sabia". Acho que nosso desafio é muito de mostrar tecnicamente. Quando fazemos isso, a resistência diminui muito.

Precisamos passar um PL [projeto de lei] na Assembleia. Já temos conversado com alguns deputados e pretendemos fazer isso ao longo deste semestre. Não acho que vai ter uma resistência de forma a prejudicar o projeto. Acho que vai ter muito diálogo.


RAIO-X

Natália Resende, 35

Procuradora federal, é formada em engenharia civil, direito e ciências contábeis. Antes de assumir a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Governo de São Paulo, atuou no Ministério da Infraestrutura, no Programa de Parcerias de Investimentos, na Procuradoria do Ibama e no Ministério da Integração

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste texto era encimada pelo chapéu Eletrobras em vez de Sabesp

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