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Fundo faz negociações com informações prévias de reportagens investigativas que patrocina

Alvo de reportagem da Hunterbrook, que levantou US$ 100 bilhões, questiona ética de assumir posição de venda a descoberto em empresa investigada

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Kate Duguid Joshua Franklin
Nova York | Financial Times

Um fundo de hedge dos Estados Unidos, Hunterbrook Capital, levantou US$ 100 milhões (cerca de R$ 500 milhões) para fazer negociações com base em informações exclusivas obtidas por repórteres que o próprio fundo patrocina.

As informações são apuradas pela Redação da empresa jornalística do fundo, a Hunterbrook Media, com a premissa de que serão baseadas apenas em informações publicamente disponíveis. Foram recrutados vários veteranos do setor jornalístico, incluindo consultores como o ex-editor do Wall Street Journal Matt Murray, o fundador do ProPublica Paul Steiger e Bethany McLean, repórter que revelou preocupações sobre a contabilidade da empresa Enron.

Há três repórteres em tempo integral e um grupo de freelancers no exterior que escreveram para veículos de notícias tradicionais, como o Financial Times e a Reuters, em lugares como Brasil, Mongólia e Namíbia.

O modelo de negócios foi apresentado como um experimento inovador no financiamento de reportagens investigativas, enquanto empresas de mídia sofrem com novas rodadas de demissões.

Operador na Bolsa de Nova York - Getty Images via AFP

A Hunterbrook Media se concentrará em reportagens investigativas financiadas não com publicidade ou assinaturas, mas com taxas do fundo de hedge long short —que busca lucrar tanto com a valorização quanto com a desvalorização dos ativos.

As empresas compartilham um grupo de executivos, incluindo dois cofundadores —o CEO Nathaniel Horwitz e o publisher Sam Koppelman—, a diretora jurídica Fitzann Reid e a chefe de operações Emily Pate.

Horwitz e Koppelman, que estão na casa dos 20 anos e se conheceram em Harvard, têm pouca experiência em jornalismo ou em negociação de ações.

Horwitz era um investidor em biotecnologia e Koppelman é um autor que trabalhou em redação de discursos e comunicações na empresa Fenway Strategies.

No entanto, ambos têm conexões familiares com o negócio de mídia —Horwitz é filho do jornalista vencedor do Prêmio Pulitzer Tony Horwitz e da romancista Geraldine Brooks, também vencedora do Pulitzer, enquanto Koppelman é filho do cocriador de "Billions", Brian Koppelman, e da romancista Amy Koppelman.

A estratégia da Hunterbrook está repleta de riscos de compliance, e especialistas em jornalismo alertaram para possíveis conflitos de interesse.

Negociar com informações não públicas, que jornalistas regularmente descobrem, poderia constituir fraude de valores mobiliários.

Para evitar isso, o grupo encarregou sua diretora jurídica, a ex-funcionária da Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC, na sigla em inglês), Fitzann Reid, de decidir se uma reportagem do lado jornalístico da Hunterbrook poderia ser compartilhado com seu fundo de hedge.

Horwitz não divulgou as identidades dos sócios que forneceram os US$ 100 milhões de financiamento, mas disse que a maioria veio de investidores institucionais, além de alguns family offices e algumas pessoas físicas.

O FT informou em outubro que os investidores iniciais da Hunterbrook incluíam Emerson Collective, de Laurene Powell Jobs, o cofundador da General Catalyst, David Fialkow, o cofundador da Avenue Capital, Marc Lasry e Outside the Box Investments, onde Murray também é um consultor.

Administrar a Redação este ano custará cerca de US$ 5 milhões (cerca de R$ 25 milhões), disseram Koppelman e Horwitz, e os US$ 10 milhões (R$ 50 milhões) em financiamento inicial arrecadados no ano passado apoiariam as operações até o final do próximo ano.

O braço do fundo de hedge cobrará dos investidores uma taxa de gestão tradicional de 2% e uma taxa de desempenho de 20% e, na prática, pagará à Hunterbrook Media por sua apuração, financiando o empreendimento.

O plano é que a Hunterbrook Media seja isolada da Hunterbrook Capital, diferenciando-a de outras empresas de investimento, como Hindenburg Research e Muddy Waters, que também investigam e assumem posições financeiras em empresas.

A Hunterbrook Media também planeja publicar artigos sobre empresas nas quais não assume posição financeira, mas não está claro se publicaria reportagens que poderiam prejudicar as posições de negociação ativas do fundo.

A Hunterbrook Media foi lançada na terça-feira (2) com uma reportagem que afirmava que a United Wholesale Mortgage, o maior credor de hipotecas dos EUA, estava incentivando injustamente corretores independentes a direcionar quase todos os seus negócios para ela.

A matéria dizia que a Hunterbrook Capital havia assumido uma posição de venda a descoberto na UWM antes da publicação e uma posição de compra a descoberto na Rocket Mortgage, principal concorrente da UWM.

As ações da UWM encerraram o dia com queda de 8,5%, mas a Rocket Mortgage também caiu, fechando quase 5% mais baixa.

A matéria da Hunterbrook também observou que sua "afiliada sem fins lucrativos" havia se associado ao escritório de advocacia Boies Schiller Flexner para explorar uma ação coletiva contra a UWM em nome dos compradores de imóveis.

Uma ação coletiva proposta contra a UWM, sua empresa controladora e seu CEO Mat Ishbia foi protocolada mais tarde na terça-feira.

O artigo foi "um excelente exemplo do tipo de reportagem que nos propusemos a fazer", disse Horwitz. "Está na intersecção de reportagens que afetam muitas pessoas, com informações que as pessoas deveriam saber, e um modelo de negócios que pode financiar mais esse tipo de trabalho."

Um porta-voz da UWM disse, no entanto, que a reportagem estava "repleta de imprecisões" e chamou o uso de jornalistas para ajudar a vender ações de "antiético".

"A Hunterbrook não é uma organização de notícias. É um fundo de hedge sensacionalizando informações públicas para manipular o mercado de ações para enriquecer a si mesmos e a seus investidores", disse o porta-voz da UWM.

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