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Pedro Fernando Nery faz livro de viagem por mapa da desigualdade no Brasil

Abordagem do economista, que visita oito regiões, funciona tão bem que surpreende ninguém ter pensado nela antes

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Pedro H. G. Ferreira de Souza

Sociólogo e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), é autor de 'Uma História de Desigualdade', vencedor como livro do ano no prêmio Jabuti

Extremos

  • Preço R$ 119,90 (368 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autoria Pedro Fernando Nery

As gigantescas desigualdades brasileiras se expressam ao mesmo tempo como experiência cotidiana inapelável e como abstrações meio fantasmagóricas, uma torrente de números e gráficos nem sempre compreensíveis para o grande público.

"Extremos", ótimo primeiro livro solo do economista Pedro Fernando Nery, é antes de tudo um esforço de conectar o dia a dia ao mundo das planilhas sob a forma de um livro de viagem que investe no "turismo de estatísticas", para usar a própria definição do autor.

Economista Pedro Fernando Nery, autor de 'Extremos'. - Folhapress

Cada um dos oito destinos selecionados —começando na nobre região de Pinheiros, em São Paulo, e terminando em Severiano Melo, no Rio Grande do Norte— serve como ponto de partida para o diagnóstico sobre as desigualdades no Brasil e sobretudo para a discussão de um cardápio extenso de reformas.

A abordagem funciona tão bem que é surpreendente que ninguém tenha pensado nela antes. Mérito de Nery, que consegue traduzir o debate acadêmico em linguagem clara e direta —e aqui cabe dizer, em nome da transparência, que o autor cita de forma elogiosa trabalhos deste resenhista e seus coautores, entre muitos outros.

Para além disso, o que torna "Extremos" cativante é que o livro trata seus personagens com um carinho incomum. Os problemas e privilégios de cada localidade servem como mote para introduzir as grandes questões, mas nenhum personagem é reduzido apenas ao papel de símbolo de algo maior.

Os momentos em que as expectativas do autor são quebradas —como no caso da moradora de Ipixuna, no Amazonas, feliz por morar na cidade— dão um colorido especial ao livro, que poderia inclusive ter dedicado mais espaço a esses encontros locais, aprofundando mais o vínculo entre a vida dos brasileiros de carne e osso e os grandes desafios nacionais.

"Extremos" é orientado para a ação. A maior parte do livro se dedica à apresentação de uma agenda reformista ao mesmo tempo radical e gradualista, perspectiva certamente influenciada pela atuação do autor como assessor legislativo no Senado Federal.

Há um otimismo palpável, baseado na convicção de que é possível mudar o Brasil com políticas públicas melhores —a tecnocracia a serviço da redução das desigualdades.

Como não há uma única solução mágica que possa resolver nossos problemas, o autor se lança em uma cruzada por múltiplas áreas, contemplando reformas tributária, administrativa, previdenciária, trabalhista, educacional, urbana e assim por diante.

A visão de mundo comum por trás dessas múltiplas propostas é um liberalismo à americana, nos moldes do mainstream do Partido Democrata. Como essa posição não tem força partidária nem peso eleitoral no Brasil, "Extremos" inevitavelmente oscila entre tentar persuadir a direita civilizada a abraçar uma agenda redistributiva e convencer a esquerda tradicional a abandonar de vez o legado do varguismo.

Os capítulos que defendem o aumento da tributação progressiva sobre a renda e o patrimônio e a consolidação da expansão das transferências assistenciais —inclusive com a criação de um Benefício Universal Infantil— estão entre os pontos altos do livro.

São temas espinhosos, cercados de preconceitos, que Nery traduz em linguagem acessível sem perder profundidade, tornando o debate com a direita particularmente persuasivo.

No outro lado do espectro ideológico, a visita a Nova Petrópolis, no Rio Grande do Sul —cidade onde a Previdência Social tem o maior peso—, rende uma discussão excelente sobre nosso sistema previdenciário que precisa ser levada a sério com urgência por parte da esquerda.

Outros trechos, no entanto, têm menos sucesso. Por exemplo, causa surpresa o foco dominante na verticalização e adensamento das cidades como resposta à crise urbana, enquanto o investimento em saneamento básico e infraestrutura são mencionados apenas de soslaio e os problemas com o transporte público mal aparecem no livro.

Incomoda um pouco também a tendência do autor a recorrer ao debate acadêmico como forma de pairar acima da política.

Essas ressalvas são pequenas diante do que o livro tem a oferecer. "Extremos" dificilmente vai conjurar um repentino apoio popular para a mítica terceira via, mas é leitura recomendada para todos que se preocupam com nossas desigualdades.

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