Ruídos fiscal e monetário levaram BC a interromper queda de juros, diz Campos Neto

Sobre críticas de Lula, presidente do BC fala em 'sair da arena política' e 'avançar com trabalho técnico'

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Brasília

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou nesta terça-feira (2) que "muitos ruídos" relativos às expectativas sobre a trajetória fiscal e monetária do país levaram o Copom (Comitê de Política Monetária) a interromper o ciclo de queda de juros.

"Isso [pausa] tem muito mais a ver com os ruídos que foram criados do que com os fundamentos. Os ruídos estão relacionados a dois canais: um é a expectativa sobre o caminho da política fiscal e o outro é a expectativa sobre o futuro da política monetária", disse Campos Neto em fórum do BCE (Banco Central Europeu), em Portugal.

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Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em evento em São Paulo - Rubens Cavallari - 22.abr.2024/Folhapress

Campos Neto participou do painel ao lado de Christine Lagarde, presidente do BCE, e de Jerome Powell, presidente do FED (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos).

Segundo o presidente do BC, os dois ruídos (fiscal e monetário) ao mesmo tempo criaram "incerteza o suficiente" para que fosse preciso pausar os cortes da taxa básica, a Selic. Em junho, o Copom interrompeu o ciclo de queda de juros e manteve a Selic em 10,5% ao ano, em decisão unânime.

"[Precisávamos] ver como podemos corrigir esse canal e como podemos comunicar melhor para que possamos eliminar esses ruídos", acrescentou.

Nesta terça, Lula voltou a atacar o chefe da autoridade monetária em entrevista à rádio Sociedade da Bahia. "Não dá para ter alguém dirigindo o Banco Central com viés político, definitivamente eu acho que ele tem viés político. Eu não posso fazer nada, tenho que esperar ele terminar o mandato", afirmou.

As recorrentes falas do presidente criticando atuação do BC e colocando em xeque a necessidade de cortar gastos contribuíram para azedar o humor no mercado financeiro e ampliar as desconfianças em relação ao compromisso do governo com o ajuste nas contas públicas.

As declarações impulsionaram uma forte depreciação do câmbio nos últimos dias. O dólar engatou uma sequência de alta e fechou segunda (1º) cotado a R$ 5,65 –maior patamar desde janeiro de 2022.

Para Campos Neto, há uma "grande desconexão" entre as expectativas do mercado financeiro e os dados atuais relativos ao fiscal e à inflação. "O que aconteceu no Brasil é que as expectativas começaram a se desancorar [se afastar da meta] mesmo que os dados atuais estejam vindo como esperado", disse.

Conforme o último boletim Focus, analistas passaram a prever que a inflação terminará em 4% neste ano. Foi a oitava semana seguida de alta. No início de maio, a previsão era de 3,72%.

Para 2025, também houve aumento na estimativa de inflação, a 3,87%. Para os dois anos seguintes, a projeção segue, respectivamente, em 3,6% e 3,5%. A meta perseguida pelo BC é de 3%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.

Em Portugal, o chefe da autarquia disse ver aumento no prêmio de risco (percepção do risco de investir no Brasil) nas últimas semanas mediante à incerteza do mercado quanto à atuação do BC sob novo comando no ano que vem. Ele também disse acreditar que a tendência é esse prêmio de risco diminuir com o tempo e enfatizou que a transição na diretoria do BC é gradual.

Questionado sobre as recorrentes críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Campos Neto afirmou que o presidente do BC "tem que sair da arena política" e "avançar com o trabalho técnico".

"Toda essa narrativa de que o Banco Central tem sido político, [nós] temos que nos afastar disso e explicar o que estamos fazendo. Acho que o que estamos fazendo tem sido muito técnico", disse.

Ao ser conduzido a debater o tema, Powell disse não ter conselhos para Campos Neto quanto às críticas, mas comentou sobre a "grande responsabilidade" e os "grandes poderes" que eles possuem e a importância de acertarem nesse processo.

"Nos disseram para ficar longe da política e apenas fazer nosso trabalho. É isso que fazemos. Não tentamos nos envolver em questões que não são nossas questões. Estamos focados em nossos objetivos e em alcançá-los", afirmou.

"Se fizermos isso e fizermos bem, nos Estados Unidos, há um amplo apoio a um Fed independente em ambos os partidos políticos, em ambos os lados do Capitólio", acrescentou. "Não acho que isso seja realmente uma questão, desde que sejamos vistos como fazendo nosso trabalho e permanecendo focados em nossa tarefa o tempo todo."

Lagarde pediu a palavra após a declaração do presidente do Fed e terminou sua fala olhando diretamente para Campos Neto.

"Existem países onde os presidentes fazem exatamente o que o presidente Powell disse e ainda assim são culpados, criticados. Para alguns, é preciso coragem para fazer o trabalho, além de ser um bom, um excelente especialista técnico."

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