Empresas recriam jogos de tabuleiro e crescem dez vezes em cinco anos

Produtos ganham aplicativos que dão voz a personagens e deixam as partidas mais dinâmicas

Renan Marra
São Paulo

Em plena era do videogame, aumenta o consumo de jogos de tabuleiro. As empresas que produzem esses brinquedos relatam uma expansão de mercado nos últimos cinco anos: o total de editoras pulou de 3 para 30.

O crescimento é justificado pelo desejo crescente de diversão em grupo sem intermediação de máquinas, de reunião de amigos em volta da mesa e de conversas olho no olho à moda antiga.

Mas diferentemente das gerações passadas, os jogos de tabuleiro são sofisticados e dinâmicos. Alguns contam com recursos tecnológicos, como aplicativos que guiam os jogadores, dão voz aos personagens ou possibilitam a realidade aumentada durante as partidas. A promessa ao participante é de maior imersão.

Quando ainda estudante, Yuri Fang, 33, e dois amigos da faculdade foram para a Austrália fazer intercâmbio. Lá perceberam que a cultura dos jogos de tabuleiro era muito mais disseminada. Em 2009, fundaram no Brasil a Galápagos Jogos.

O sócio da Galápagos Jogos Yuri Fang joga o tabuleiro Ticket to Ride
O sócio da Galápagos Jogos Yuri Fang joga o tabuleiro Ticket to Ride - Karime Xavier/Folhapress

O faturamento da empresa saltou de R$ 2 milhões, em 2013, para R$ 16 milhões em 2017 —aumento de 700% em quatro anos. A Galápagos importa e comercializa os chamados tabuleiros modernos. Hoje a marca lança, em média, 50 jogos por ano.

“Por muito tempo a indústria brasileira ficou parada, sem acompanhar as inovações dos jogos que aconteciam lá fora”, afirma Fang.

A mecânica dos novos jogos tem atraído consumidores jovens. Nas edições modernas, são raros os produtos em que um jogador pode ser eliminado durante a partida. Isso diminui a chance de o participante logo se entediar.

Para quem não tem paciência, há opções de jogos com pouca ou nenhuma espera entre os turnos. No 7 Wonders, por exemplo, todos os jogadores escolhem e repassam as cartas aos adversários ao mesmo tempo.

Jogos de franquias, que contam com personagens e o enredo de obras como “Breaking Bad”, “O Poderoso Chefão” e “Star Wars” atraem para as mesas de tabuleiros os cinéfilos e os amantes de séries.

Se por um lado há aumento da demanda pelos jogos, clássicos como gamão, xadrez e dama estão sumindo das prateleiras. Isso acontece porque suas regras são simples e as pessoas podem jogá-los com facilidade online, até pelo celular.

A Conclave Editora foi fundada em 2003 e, no início, dedicava-se a livros de RPG, sigla em inglês para “role-playing game”, em que os jogadores assumem papéis de personagens e criam narrativas.

Dez anos depois, a editora viu potencial de mercado e, aos poucos, ampliou o investimento para os jogos de tabuleiro. Com crescimento médio de 400% ao ano, hoje 90% dos seus produtos são do gênero. O faturamento anual é de R$ 1,8 milhão.

Os jogos digitais não são temidos pelas editoras como ameaça aos produtos físicos. No caso da Conclave, curiosamente, o primeiro tabuleiro lançado foi possível graças a um financiamento coletivo online. Além disso, a internet fortalece o mercado dos jogos físicos porque facilita a comunicação e estimula quem mantém esse hobby.

O empresário Rafael Sales na Encounter Board Game Café, que fica na Vila Madalena (SP) e disponibiliza cerca de 400 jogos
O empresário Rafael Sales na Encounter Board Game Café, que fica na Vila Madalena (SP) e disponibiliza cerca de 400 jogos - Karime Xavier/Folhapress

Outro fator determinante para a expansão das editoras no Brasil é que não compensa financeiramente piratear um jogo de tabuleiro, de acordo com o sócio da Conclave Cristiano Cuty. Segundo ele, a impressão das cartas e das peças deixaria o produto mais caro do que nas lojas.

Apesar de um jogo custar em média R$ 150, Cuty diz que a durabilidade e a possibilidade de revenda ajudam o crescimento do mercado em época de crise econômica.

“Uma ida ao cinema com a família quase atinge esse valor com uma diversão de duas horas”, compara o empresário. Ele informa que, em 2013, três empresas eram concorrentes. Hoje são mais de 30.

O perfil dos jogadores também é outro. Antes predominantemente masculino, hoje eventos de jogos de tabuleiro são divididos entre homens e mulheres. Ainda que o público jovem seja a maioria, o interesse de pessoas acima de 40 anos é crescente, diz Cuty.

A maior parte dos jogos da Devir é fabricada no exterior, segundo Ana Carolina Ito, a gerente de produtos.

Segundo ela, são poucas as empresas no Brasil com tecnologia de ponta. No país, a maioria das gráficas imprime uma folha com as cartas dos jogos que, quando são destacadas, ficam com rebarbas de papel nas bordas.

Na esteira do crescimento dos jogos de tabuleiros, aumentam também os estabelecimentos comerciais que disponibilizam esses produtos, como bares e tabuleirias, de acordo com o gerente do Sebrae-SP Elton Yokomizo.

Inicialmente, o empresário Rafael Sales teve a ideia de importar jogos para vender no Brasil. Ele afirma que, quando viu que o mercado de editoras estava crescendo de forma muito rápida, optou por criar um ambiente onde as pessoas pudessem jogar, comer e beber ao mesmo tempo.

Em 2016 foi aberto o Encounter Board Game Café, na Vila Madalena, bairro boêmio da capital paulista. O estabelecimento tem 400 jogos modernos de tabuleiro disponíveis.

Yokomizo diz, entretanto, que a maior parte do faturamento desses estabelecimentos vem do consumo de comidas e bebidas, e não dos jogos em si. Para garantir esse consumo, o garçom corre todos os ambientes e mesas do lugar tentando incentivar a venda dos produtos.

A tabuleiria Lends Club, criada em 2013, atingiu a meta de 50 jogadores associados em cinco meses. Quem é cadastrado e paga mensalidade tem acesso a 400 jogos e pode ir ao estabelecimento quantas vezes quiser.

Com a demanda crescente, a Lends aumentou a mensalidade de R$ 35 para R$ 44,90 ao mês. Além disso, entrou para o mercado das franquias e hoje está em Porto Alegre e Santa Maria. Outras duas unidades serão inauguradas no ano que vem em Recife e Curitiba. O objetivo, segundo o fundador Wyllian Hossein, é levar a marca à região sudeste do país.

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