Descrição de chapéu The New York Times

Senador republicano John McCain torna-se o maior crítico de Trump

MICHAEL R. GORDON
DO "NEW YORK TIMES", EM WASHINGTON

Não é de hoje que o senador John McCain tem fama de ser politicamente independente. Mas, com a ascensão de um presidente que prometeu estraçalhar a velha ordem, McCain emergiu como defensor aberto de posições republicanas tradicionais em política internacional e um dos críticos republicanos mais contundentes do novo comandante em chefe.

Reeleito recentemente para um novo mandato de seis anos e ansioso por fazer uso do megafone que acompanha a presidência da poderosa Comissão das Forças Armadas, McCain vem fazendo críticas repetidas às medidas de segurança nacional anunciadas pela Casa Branca em suas primeiras semanas no poder.

Em Munique, na sexta-feira (17), numa participação que ganhou destaque numa conferência sobre segurança, McCain fez uma crítica mordaz da visão da "América em Primeiro Lugar" do presidente Donald Trump, falando diante de uma plateia receptiva de especialistas e funcionários aliados preocupados com o distanciamento dos EUA da Otan, que tem sete décadas.

"Que ninguém se engane, meus amigos, estes são tempos perigosos", disse McCain. "Mas vocês não devem descontar a América, e não devemos descontar uns aos outros."

McCain tampouco hesitou em desmentir a insistência de Trump de que sua Casa Branca está operando como "uma máquina bem regulada".

"Sob muitos aspectos, esta administração se encontra em desordem. Ela tem muito trabalho a fazer", ele disse.

Um dia depois, em entrevista ao programa "Meet the Press", McCain contestou a afirmação de Trump de que a mídia jornalística é "a inimiga do povo americano".

"A primeira coisa que os ditadores fazem é calar a imprensa", ele disse, acrescentando, que embora não estivesse chamando o presidente de ditador, "precisamos aprender com as lições da história".

Para um senador que é a favor do livre comércio, defende a Otan, mantém uma postura de profunda desconfiança das intenções da Rússia e é a favor de uma política externa assertiva, que inclui a guerra no Iraque, as divergências com Trump são profundas.

"Os princípios defendidos por McCain subsidiam a política externa americana há décadas", disse Richard Fontaine, ex-assessor de política externa de McCain e atual presidente do centro de pesquisas políticas Center for a New American Security. "É o contexto político em Washington que mudou."

Mas parece também haver um elemento pessoal, especialmente da parte de Trump. As tensões vêm da época das primárias republicanas, quando Trump reagiu com escárnio à observação de McCain de que a política imigratória do candidato atraiu "pessoas malucas".

"Gosto de pessoas que não foram capturadas", disse Trump, falando de McCain, 80 anos, que ficou mais de cinco anos detido como prisioneiro de guerra no Vietnã, período no qual foi torturado.

CORDA BAMBA

Depois de Trump ter sido escolhido o candidato presidencial republicano, McCain percorreu uma corda bamba enquanto fazia campanha para se reeleger senador. Ele não assistiu à Convenção Nacional do Partido Republicano, mas disse que apoiaria o candidato escolhido por seu partido.

Mas ele retirou seu apoio a Trump em outubro, depois de ser divulgada [uma gravação]":http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2016/10/1820974-trump-diz-que-pode-fazer-qualquer-coisa-a-mulheres-em-gravacao-de-2005.shtml em que o candidato presidencial fez comentários obscenos sobre mulheres.

Imediatamente após a eleição de Trump, McCain se absteve de criticar e pareceu decidido a dar tempo para a nova administração tomar forma. "Não vou falar sobre Donald Trump", ele disse a um grupo de repórteres em novembro.

Mas, após semanas nas quais a Casa Branca chocou e espantou o público, e às vezes boa parte do governo, com decretos diversos e transmitiu mensagens ambíguas sobre questões importantes de política externa, McCain deixou de se conter.

Dizendo que a Rússia interferiu na eleição presidencial, o senador pediu a formação de uma comissão seleta do Senado para investigar os ataques cibernéticos do Kremlin. Ele criticou Trump fortemente por um comentário em que o presidente pareceu equacionar as ações do presidente russo, Vladimir Putin, às dos Estados Unidos.

"Essa equivalência moral contradiz tudo o que os Estados Unidos jamais defenderam e representaram nos séculos 20 e 21", disse McCain no "Meet the Press".

Ao lado do senador republicano Lindsey Graham, da Carolina do Sul, McCain criticou o decreto proibindo a entrada no país de pessoas de sete países de maioria muçulmana, dizendo que seria uma ferida que os EUA infligiriam a si mesmos, que afastaria seus parceiros muçulmanos na luta contra extremistas.

Depois de virem à tona relatos de que Trump tivera um telefonema acalorado com o primeiro-ministro da Austrália, McCain telefonou a Joe Hockey, o embaixador australiano em Washington, e então divulgou comunicado dizendo que tinha ressaltado para o embaixador "o apoio inabalável à aliança entre EUA e Austrália".

A decisão de Trump de tirar o país da Parceria Transpacífico (TPP), um acordo comercial enorme, "cria uma abertura para a China", disse McCain. E ele aconselhou a Casa Branca a não pensar em usar a tortura como técnica de interrogatório, observando que uma legislação que ele apresentou em 2015 tornou essa técnica ilegal.

Embora seja defensor firme de dois generais aposentados do Corpo de Fuzileiros Navais que estão na administração Trump —Jim Mattis, o secretário da Defesa, e John F. Kelly, o secretário de Segurança Doméstica, McCain foi o único republicano a votar contra Mick Mulvaney, escolhido por Trump para ser o diretor do Orçamento.

No Senado, McCain reclamou que Mulvaney defendeu cortes nos gastos militares que enfraqueceram gravemente as Forças Armadas. McCain também já reclamou com veemência do papel exercido por Stephen K. Bannon, o estrategista político chefe do presidente, no Conselho de Segurança Nacional.

Todas essas críticas intransigentes não deixaram de suscitar alguma reação. Este mês, Trump desancou McCain por este ter criticado uma missão de alto risco das forças de Operações Especiais no Iêmen, na qual foi morto um membro dos Seals da Marinha. "Ele (McCain) está perdendo há tanto tempo que não sabe mais como ganhar", disse Trump no Twitter.

O senador republicano Rand Paul, do Kentucky, disse no domingo que McCain tem uma "disputa pessoal" com Trump e criticou o que descreveu como a ansiedade do senador em recorrer à força militar.

"Eu diria que John McCain errou em relação a praticamente tudo nas últimas quatro décadas", disse Paul no programa "This Week", da ABC News. "Temos muita sorte por McCain não estar no comando, senão acho que estaríamos em guerra perpétua."

A julgar pelo primeiro mês da administração Trump, pode haver um conflito perpétuo —entre o senador e o presidente.

Tradução de CLARA ALLAIN

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