Protestos no Irã contra véu islâmico ganham fôlego

Ao menos 29 pessoas foram detidas em fevereiro, a maioria delas mulheres

Diogo Bercito
Madri

Com um pedaço de pano e um graveto, mulheres iranianas têm desafiado o regime que há décadas decide como elas devem se vestir.

Dezenas delas removeram o véu islâmico de seu cabelo e, de pé no meio-fio, agitaram-no na ponta de uma vara. Ao menos 29 pessoas foram detidas em fevereiro, a maior parte delas mulheres, segundo a polícia.

Não é a primeira vez que esse tipo de movimento surge nas ruas de Teerã, mas os protestos têm encorpado e ganhado visibilidade.

A ativista iraniana Masih Alinejad, 42, que hoje vive nos EUA
A ativista iraniana Masih Alinejad, 42, que hoje vive nos EUA - Toby Melville - 8.out.2013/Reuters

Os gestos coincidem com a divulgação de um estudo encomendado pelo governo apontando que 49% dos iranianos são contrários à imposição do hijab, como é chamado esse véu.

"O hijab incomoda as mulheres iranianas há quatro décadas, desde a Revolução de 1979", diz à Folha a ativista Masih  Alinejad, 42, radicada nos Estados Unidos. Não somos as primeiras a fazer esse tipo de campanha, mas espero sermos as últimas.

Alinejad foi a responsável por duas importantes ondas de manifestação contra o véu no Irã e, com seu ativismo on-line, teve um papel decisivo na popularização dos protestos atuais.

Ela fundou em 2014 o projeto My Stealthy Freedom (minha liberdade furtiva), reunindo em um site fotografias de mulheres sem o hijab.

No ano passado, criou o movimento White Wednesdays (quartas-feiras brancas), convocando iranianas para uma vez por semana vestir apenas véus dessa cor --como aqueles colocados recentemente na ponta de gravetos.

Ao anunciar a prisão dos 29 ativistas contra o hijab, a polícia iraniana citou a Quarta-Feira Branca por nome, dizendo que o movimento é uma propaganda fomentada por forças externas.

"Como o governo nos atacou, entendo que nos ouviram. Mas agora todo o Irã pede que as mulheres detidas sejam libertadas. É uma oportunidade para que o presidente iraniano, Hasan Rowhani, demonstre que é de fato moderado", diz.

Apesar de não esperar que o país se transforme imediatamente, eliminando a imposição do véu no dia seguinte, e mesmo com a detenção de diversas das ativistas da Quarta-feira Branca, Alinejad afirma que já venceu essa batalha.

"Há uma luta diária entre o governo e a população, entre dois estilos de vida diferentes. Eles têm o poder e as prisões e nós temos as redes sociais. Não é justo, mas ganhamos ao romper a censura. Agora a nossa população entende que poder tem."

Os protestos contra o véu islâmico coincidem com manifestações mais amplas em dezenas de cidades, em parte motivadas pelas agruras econômicas.

O desemprego entre os jovens ultrapassa os 40% em algumas regiões do país. O governo deteve quase 5.000 manifestantes desde o início do ano, segundo o parlamentar iraniano Alireza Rahimi.

O regime responsabilizou os "inimigos da República Islâmica" pelos protestos, em um recado aos Estados Unidos e à Arábia Saudita.

Dominação

Alinejad não protesta contra o hijab em si, e sim contra sua imposição. A exigência, estendida a estrangeiros visitando o país, é justificada como uma tradição islâmica, mas só começou após 1979. O véu foi proibido em períodos anteriores no Irã.

"É uma questão da dominação dos homens, que são aqueles que escrevem as leis", diz. "Mulheres têm uma posição inferior em diversas outras questões, como em casamentos e divórcios. As iranianas são educadas, moderadas e de mente aberta, e o véu é um abismo entre a população e nosso governo."

Alinejad insiste em que não é uma líder dos protestos e em que o mérito é das mulheres que foram às ruas, correndo o risco de detenção. Mas ela também participou do processo quando ainda vivia no Irã --por reportagens críticas ao regime, diz ter sido detida aos 19 anos enquanto estava grávida. Ela migrou aos EUA em 2009.

"Fiz o melhor que pude para criticar o governo de dentro do país, e não funcionou", afirma Alinejad. "Tive de decidir entre ficar e me censurar e sair e falar alto. Eu abri essa janela nas redes sociais e todo o dia estou ali. Não podem me expulsar."

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