Descrição de chapéu Governo Trump

Universidades e empresas tentam proteger imigrantes nos EUA 

Governo Trump mudou benefício para estrangeiros que chegaram criança ao país

Maria Sacchetti
Maywood (EUA) | Washington Post

Rosa Aramburo chegou ao último ano do curso de medicina com notas altíssimas e ótimas avaliações de seus professores. Seus orientadores previram que ela não teria dificuldade em conseguir uma vaga em um programa cobiçado de residência médica.

Então o presidente Donald Trump anunciou o fim do programa governamental instituído na era de Obama que deu autorizações de trabalho a Aramburo e a quase 700 mil outros imigrantes não documentados criados nos Estados Unidos.

“Não se surpreenda se você não for chamada para nenhuma entrevista”, um orientador lhe disse.

Ela recebeu dez convites, depois de candidatar-se a 65 vagas.

A estudante de medicina Rosa Aramburo (dir.), durante seu plantão em um hospital em Chicago
A estudante de medicina Rosa Aramburo (dir.), durante seu plantão em um hospital em Chicago - The Washington Post/Alyssa Schukar

Mas quando Aramburo se preparava para definir suas três primeiras opções, na semana passada, o Congresso rejeitou projetos de lei que teriam autorizado a permanência dela e outros “dreamers" (sonhadores em português, imigrantes sem documentos levados aos EUA quando crianças) nos Estados Unidos, colocando em dúvida uma trajetória profissional que um ano atrás parecia estar tão definida.

Empregadores e universidades que nos últimos seis anos abraçaram os beneficiados pelo Daca estão procurando urgentemente uma maneira de preservar o programa.

Estão fazendo lobby junto ao Congresso, que está profundamente dividido, pagando as taxas de renovação de autorização de seus funcionários e alunos e procurando outras opções legais –possivelmente um visto ou residência de trabalho, por meio de cônjuges ou familiares que sejam cidadãos americanos. Algumas empresas cogitam em mandar funcionários para fora do país.

Eles aguardam o resultado de uma contestação judicial da decisão tomada pela administração Trump de encerrar o programa Daca. A ação judicial proporcionou uma trégua temporária aos jovens beneficiados pelo Daca e lhes permitiu renovar suas autorizações de trabalho, por enquanto. A Suprema Corte pode decidir ainda nesta sexta-feira (23) se vai intervir no caso.

Em todo o país, mais de 160 beneficiados pelo Daca lecionam em escolas em áreas de baixa renda. Trinta e nove trabalham para a Microsoft, 250 para a Apple e 84 para a Starbucks. Para seus empregadores, os jovens imigrantes são profissionais qualificados que falam várias línguas e em muitos casos são altamente motivados e têm alta performance. Pesquisas de opinião indicam que o público americano é fortemente a favor de sua permanência no país.

Em parte com base nesses dados, muitos beneficiados pelo Daca dizem que acreditam que os EUA vão continuar a protegê-los, apesar de um alto funcionário da Casa Branca ter indicado que Trump e legisladores republicanos chaves querem tratar de outros assuntos.

Especialistas em recursos humanos avisam que os empregadores podem ser multados ou detidos se mantiverem funcionários em suas folhas de pagamento depois do fim da vigência de suas autorizações de trabalho.

E, embora a Casa Branca tenha dito que os imigrantes jovens que perdem as proteções do Daca não se tornarão alvos imediatos de deportação, a ICE (a agência de imigração) diz que qualquer pessoa que esteja no país ilegalmente pode ser detida e possivelmente deportada.

“Recebi e-mails dizendo ‘adoramos trabalhar com você’”, comentou Aramburo, 28 anos, numa manhã recente quando visitava pacientes numa UTI de neurologia. “Mas fico pensando: ‘E se eu não conseguir terminar meu curso?’.”

Quase cem beneficiados pelo Daca são estudantes de medicina em universidades como Harvard, Georgetown e a escola Stritch de medicina da Universidade Loyola de Chicago, que em maio deste ano vai diplomar seus cinco primeiros “sonhadores”, incluindo Rosa Aramburo.

A universidade Loyola, que é católica, mudou sua política de admissões para receber estudantes beneficiados pelo Daca assim que o presidente Obama –frustrado pelo fato de o Congresso não ter aprovado uma lei de imigração— anunciou em 2012 que daria autorizações de trabalho a imigrantes jovens. Trump e outros da linha dura em relação à imigração criticaram o programa, dizendo que era um excesso executivo.

Trinta e dois alunos com Daca estão matriculados na escola Stritch, o maior número de qualquer escola de medicina no país. A maioria é natural do México, mas há também estudantes levados aos EUA de 18 outros países, incluindo Paquistão, Índia e Coreia do Sul.

A escola ajudou os estudantes a obter mais de US$ 200 mil (R$ 649 mil) cada um em empréstimos para custear a universidade. Para poder emprestar o dinheiro sem juros, alguns concordaram em trabalhar em regiões pobres e rurais onde há uma carência aguda de médicos.

Mark Kuczewski, professor de ética médica na universidade Loyola, disse que a escola lançou o esforço depois de tomar conhecimento do caso de Rosa Aramburo, oradora de sua turma no ensino secundário, diplomada em biologia e espanhol na faculdade e que ansiava estudar medicina, mas só conseguia encontrar trabalho como babá, por ser não ter documento.

O aluno de medicina Cesar Montelongo, que era beneficiado pelo Daca
O aluno de medicina Cesar Montelongo, que era beneficiado pelo Daca - The Washington Post/Alyssa Schukar

Para ele, não tem cabimento o Congresso cogitar destruir as chances de Aramburo e outros beneficiados pelo Daca na Loyola de se tornarem médicos e trabalharem legalmente nos Estados Unidos.

“Será possível que algo tão irracional assim aconteça na América?”, afirmou.

A ONG Teach for America disse que seus advogados examinaram as leis de imigração detalhadamente para procurar maneiras de patrocinar funcionários que perderem suas proteções do Daca. Mas o processo muitas vezes requer que os funcionários deixem o país e retornem legalmente, um risco que muitos professores jovens não querem correr. A organização também se ofereceu a colocar professores perto de suas famílias nos Estados Unidos.

“Eles estão estressados, desesperados”, disse Viridiana Carrizales, diretora gerente da Teach for America encarregada de dar apoio a membros “sonhadores”. “Não sabem se terão um emprego nos próximos meses.”

Um representante de uma grande empresa de tecnologia, exigindo anonimato para falar devido ao caráter sensível das negociações políticas, disse que a companhia perguntou a seus funcionários beneficiados pelo Daca se gostariam de ser transferidos para outro país onde seu status empregatício não estará em risco.

“A proposta foi mal recebida”, ele disse. “A resposta quase unânime dos funcionários foi ‘não, obrigado’. Eles cogitaram desistir.”

A Sociedade de Gestão de Recursos Humanos disse que as empresas podem defender seus funcionários e fazer lobby no Congresso em nome de beneficiados pelo Daca. Mas a entidade, que reúne 240 organizações, também está pedindo aos empregadores que estudem o que pode acontecer se as autorizações de trabalho de seus funcionários não forem renovadas.

“Em última análise, se as pessoas não têm documentos que permitam que trabalhem nos EUA, terão que ser tiradas da folha de pagamento”, disse Justin Storch, da Sociedade.

No campus da universidade Loyola em Chicago, estudantes de medicina com autorizações da Daca disseram que estão levando seus estudos adiante e renovando suas autorizações de trabalho, ao mesmo tempo em que acompanham o que é feito em Washington.

O estudante de medicina de terceiro ano Cesar Montelongo, 28 anos, que assistiu ao discurso do Estado da União no mês passado, passou parte de um dia recente examinando bactérias sobre placas de Petri em um laboratório da faculdade. Sua família fugiu de uma cidade mexicana violenta quando ele tinha 10 anos.

Montelongo pretende se diplomar em medicina e fazer doutorado em microbiologia, o que pode lhe abrir muitos empregos em outros países. Mas disse que prefere os Estados Unidos, um dos “muito poucos lugares neste planeta em que realmente é possível realizar esse tipo de sonho”.

A pouca distância dele, Alejandra Duran, 27 anos, aluno do segundo ano de medicina e que veio do México aos 14 anos, traduzia para pacientes numa clínica local para pessoas com pouco ou nenhum convênio médico.

Com a ajuda de professores na Geórgia, ela se formou no ensino secundário com louvor. Ela quer retornar ao Estado como médica e ajudar a reduzir o índice de mulheres que morrem no parto.

“Muitas coisas foram ditas sobre como somos ilegais e nocivos”, disse Duran. “Não é a história completa. Não somos todos trabalhadores agrícolas ou domésticas. Somos os médicos que atendem os americanos. Somos seus enfermeiros, seus professores, seus paramédicos.”

No Centro Médico da universidade Loyola, Aramburo estudou dados de computador e examinou pacientes com derrames cerebrais, lesões na espinha e cranianas. Alguns dos pacientes talvez nunca recuperem a consciência, mas Aramburo sempre conversa com eles, na esperança de que possam despertar.

“O meu sonho é fazer uma diferença na vida das pessoas”, ela disse. “Espero que eu possa realizar meu sonho.”

Na UTI de neurologia, ela e dois outros médicos estavam com uma vítima de acidente vascular cerebral que falava apenas espanhol. A paciente tinha dificuldade em entender o que os médicos estavam dizendo.

Aramburo se adiantou. “Você teve um pequeno acidente vascular cerebral”, ela explicou em espanhol. “Poderia ter sido bem pior. Vamos tentar descobrir qual foi a causa.”

Tradução de Clara Allain

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