Trump pressiona Congresso para aprovar ajuda militar à Arábia Saudita

Movimentação ocorre enquanto o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman visita a Casa Branca

Eric Schmitt Thomas Gibbons Neff
Washington | Washington Post

O governo Trump está tentando urgentemente evitar um esforço bipartidário no Congresso para sustar a ajuda militar dos EUA à campanha letal de bombardeios no Iêmen liderada pela Arábia Saudita, no momento em que o jovem e influente príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, chega a Washington para se reunir com o presidente Donald Trump.

Ao mesmo tempo em que o Departamento de Estado estuda a aprovação de mais de US$ 1 bilhão em novas armas para os sauditas, parlamentares tentam fazer aprovar uma resolução que, para eles, impediria Washington de dar um “cheque em branco” aos sauditas no conflito.

A ONU diz que 10 mil civis já foram mortos e 40 mil feridos nos combates, exacerbando uma das piores crises humanitárias do mundo.

Altos funcionários do Pentágono e do Departamento de Estado correram ao Capitólio na semana passada para, em um briefing classificado a portas fechadas, avisar aos senadores que a aprovação de uma medida que está sendo avaliada no Senado pode prejudicar gravemente as relações dos EUA com a Arábia Saudita.

O príncipe herdeiro tem reuniões previstas com o presidente e outros representantes governamentais nesta terça-feira (20), e a medida pode ser levada a voto esta semana.

Desde 2015 os EUA vêm provendo a campanha aérea liderada pelos sauditas no Iêmen de reabastecimento aéreo de combustível, avaliações de inteligência e outros conselhos militares.

“Novas restrições a esse apoio militar limitado dos EUA podem levar ao aumento das baixas civis, prejudicar a cooperação com nossos aliados na área do contraterrorismo e reduzir nossa influência junto aos sauditas”, escreveu o secretário da Defesa, Jim Mattis em carta enviada na semana passada ao líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, do Kentucky.

O Pentágono insiste que toda a ajuda militar que está dando é assistência que não é de combate, como aconselhar a força aérea saudita na adoção de práticas de bombardeio que fazem menos mortos civis.

Ao mesmo tempo, porém, a Raytheon, fabricante de equipamentos militares, está tentando persuadir parlamentares e o Departamento de Estado a lhe deixar vender 60 mil munições com mira de precisão à Arábia Saudita e aos Emirados Árabes Unidos, que também participa da campanha aérea, em negócios no valor de bilhões de dólares.

“O governo americano diz que não participa das hostilidades a não ser que haja tropas americanas em campo que estejam sendo atacadas pelo inimigo”, disse o senador republicano Mike Lee, do Utah, um dos proponentes da resolução.

“Sugerir que as forças americanas não estejam participando das hostilidades no Iêmen é algo que desafia a imaginação e perverte a língua inglesa para além do ponto de ruptura.”

A senadora democrata Elizabeth Warren, do Massachussetts, disse que a resolução vai permitir a continuidade de operações de contraterrorismo apoiadas pelos EUA contra a Al Qaeda em outras partes do Iêmen, mas “vai assegurar que os EUA não entreguem aos sauditas um cheque em branco para bombardear o Iêmen e agravar a crise humanitária”.

Na semana passada, numa audiência do Comitê do Senado para as Forças Armadas em que o clima foi tenso em alguns momentos, alguns senadores acusaram o Pentágono de cumplicidade com a campanha de bombardeio errante.

“Estamos dando condições aos sauditas de levarem adiante sua batalha no Iêmen”, disse a senadora Mazie K. Hirono, democrata do Havaí.

“Não somos participantes neste conflito”, respondeu o general Joseph L. Votel, chefe do Comando Central do Pentágono, que supervisiona as operações no Oriente Médio.

“Nós os estamos ajudando”, retrucou Hirono. “Estamos habilitando os sauditas.”

Assessores americanos não aprovam direta ou indiretamente a escolha dos alvos ou a execução dos bombardeios, dizem funcionários do Pentágono.

O que fazem é dar assessoria com procedimentos de seleção de alvos e facilitar a verificação de uma lista de edifícios que não devem ser atacados, como mesquitas e mercados públicos. Mais recentemente, ajudaram os sauditas a melhorar a eficácia de seus sistemas Patriot de defesa antimísseis, disseram os funcionários.

“Podemos ajudá-los. Podemos lhes aconselhar. Podemos compartilhar lições que aprendemos, mostrando como eles podem aplicar suas capacidades com mais eficácia”, disse Votel.

Mas o general reconheceu que as forças americanas não acompanham o destino para onde vai um jato saudita reabastecido pelos EUA, que alvos ele ataca ou quais são os resultados de sua missão.

O Iêmen, um dos países mais pobres do mundo árabe, é sacudido por um conflito civil desde que os houthis, rebeldes xiitas do norte do país alinhados com o Irã, invadiram a capital, Sanaa, em 2014 e depuseram o governo do presidente Abed Rabbo Mansour Hadi, o principal parceiro de contraterrorismo dos EUA.

Em março de 2015 a Arábia Saudita e uma coalizão de países árabes iniciaram uma campanha militar que visa afastar os houthis e restaurar o governo iemenita.

A campanha não conseguiu seu intento até agora, e, em vez disso, provocou a mais grave crise humanitária do mundo, com a pior epidemia de cólera da história contemporânea e desnutrição infantil em grande escala.

No ano passado a Arábia Saudita anunciou que estava iniciando um programa de treinamento com as forças americanas que levará vários anos e custará US$750 milhões, além de tomar várias outras medidas para ajudar a prevenir a morte acidental de civis na campanha de bombardeios contra os rebeldes houthis. Foi um reconhecimento tático das fraquezas das forças armadas sauditas.

Organizações de defesa dos direitos humanos dizem que a Arábia Saudita não cumpriu suas promessas.

“A Arábia Saudita prometeu tornar sua campanha no Iêmen menos mortal e destrutiva”, disse Scott Paul, especialista no Iêmen na Oxfam América. “Mas temos visto evidências incontestáveis de que a situação continua a se deteriorar. Civis inocentes continuam a ser vitimados e mortos nesta crise.”

Um relatório apresentado ao Conselho de Segurança da ONU em janeiro descreveu as “medidas de precaução” da coalizão como sendo “em grande medida inadequadas e ineficazes”. Segundo o documento, “o uso de armas de precisão de mira é um indicativo forte de que os alvos pretendidos foram os atingidos pelos ataques aéreos”.

Com a Arábia Saudita enviando até 200 missões por dia ao Iêmen, o reino quer comprar mais dessas armas de precisão. O executivo-chefe da Raytheon, Thomas A. Kennedy, se reuniu com funcionários do Departamento de Estado este mês para promover a proposta venda de munições à Arábia Saudita e aos EAU.

“Valorizamos a parceria que mantemos com o reino da Arábia Saudita há 50 anos e queremos continuar a atender às suas necessidades de segurança”, disse um porta-voz da Raytheon, Michael Doble.

Segundo William Hartung, diretor do Projeto de Armas e Segurança do think tank Center for International Policy, a compra seria “substancial pelos padrões do comércio de munições EUA-saudita –certamente uma das maiores ou a maior aquisição de sistemas do tipo que provavelmente estará incluído”.

Em 2017 os Estados Unidos venderam aproximadamente US$ 610 milhões em armas e munições à Arábia Saudita e US$48 milhões em armas de fogo aos EAU. Mas nos últimos 12 meses, a maior parte das aquisições dos dois países foi de equipamentos maiores, como sistemas de defesa antimísseis.

Durante sua viagem à Arábia Saudita no ano passado, a primeira viagem ao exterior de sua Presidência, Donald Trump ofereceu aos sauditas um pacote de armas de US$ 110 bilhões. Uma parte desse pacote, no valor aproximado de US$ 23,7 bilhões, já havia sido autorizada sob o governo Obama.

Organizações de defesa dos direitos humanos vinculam armas de fabricação americana ao conflito no Iêmen, há muito tempo. Um relatório de maio passado da Human Rights Watch disse que munições fabricadas pela Raytheon foram usadas em pelo menos quatro ataques aéreos contra vítimas inocentes lançados pela coalizão liderada pelos sauditas.

Segundo o relatório, 31 civis foram mortos e 42 ficaram feridos em um desses ataques. A Human Rights Watch recuperou uma parte de uma das bombas usadas no ataque, com marcas de produção da Raytheon e data de manufatura de outubro de 2015.

Tradução CLARA ALLAIN

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