Candidatos à presidência do Paraguai são unânimes contra aborto e união gay

Rivais nas eleições deste domingo (22), conservadores e liberais se opõem a reconhecer direitos

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Sergio López, da ONG SomosGay, em Assunção, no Paraguai
Sergio López, da ONG SomosGay, em Assunção, no Paraguai - Cesar Olmedo/Folhapress
Assunção

Em fevereiro, pela primeira vez um filme paraguaio ganhou o Urso de Prata do Festival de Berlim. “As Herdeiras”, de Marcelo Martinessi, foi premiado nas categorias novas narrativas e melhor atriz, para Ana Brun, 68.

O ineditismo não foi o único impacto da conquista. A relação de 30 anos de Chela, personagem de Brun, e Chiquita (Margarita Irún) levantou um tabu no país às vésperas das eleições presidenciais.

O choque se viu em 22 de março, na homenagem no Senado aos premiados, em que a maioria dos 45 membros deixou o plenário para não formar quórum.

 

A senadora Zulma Gómez, do Partido Liberal, saiu da sessão dizendo em guarani: “Só falta agora que os viados venham se casar aqui”.

O Paraguai é o único país do Mercosul a proibir a união homossexual em qualquer hipótese. Na América do Sul, está ao lado de Bolívia, Peru e Venezuela —só são superados pela Guiana, onde a homossexualidade é crime.

No caso do aborto, só permite em caso de risco de morte da mãe, excluindo situações aprovadas no Brasil, como estupro e má formação do feto. Se seguidas as declarações dos presidenciáveis, isso não deve mudar até pelo menos 2023.

Manifestantes protestam contra a homofobia e a favor do casamento gay na Praça de Armas, em Assunção
Manifestantes protestam contra a homofobia e a favor do casamento gay na Praça de Armas, em Assunção - Norberto Duarte - 18.mai.2015/AFP

Mario Abdo Benítez, do governista Partido Colorado, encampou o discurso contrário desde o início. Já o liberal Efraín Alegre se declarou contra o aborto, mas mudou em relação ao casamento homossexual durante a campanha.

Em seu programa, chegou a cogitar a aprovação de direitos para uniões do mesmo sexo, mas chega às urnas a favor da proibição, contrariando seu parceiro de coalizão, a esquerdista Frente Guasú.

Como nem os nanicos assumiram a defesa das causas, tanto feministas como pessoas LGBT ficaram em dúvida sobre quem escolher —o voto é obrigatório no Paraguai.

Sergio López, da ONG SomosGay, vê a mudança de Alegre como eleitoreira. Para ele, a sociedade está mais favorável às reivindicações LGBTs do que parece nas campanhas.

“Entendemos esses discursos nas eleições como uma discussão forçada. É provocado por uma minoria muito ruidosa, com muito financiamento, mas que já não opaca uma maioria que tem mente mais aberta.”

López, que se casou na Argentina, não consegue regularizar a união. “Somos cidadãos que temos as mesmas obrigações que os outros, mas não temos as mesmas garantias.”

Pesquisadora do Centro de Documentação e Estudos, dedicado à mulher, Clyde Soto considera que, apesar da pressão, os conservadores já não conseguem evitar a discussão do aborto. “É um tema de urgência. Todos os dias há estupros. Há uma forte pressão para solucioná-lo.”

Constituição limita ‘casal’ à união de  homem e mulher

A lei é o principal amparo dos grupos contrários ao aborto e ao casamento gay. Diferentemente da brasileira, a Constituição paraguaia delimita casal como aquele formado por homem e mulher, e estabelece a proteção da vida desde a concepção.

A advogada de direito penal familiar Dannia Ríos, que lida com casos de abuso infantil, diz que há alternativas ao aborto no caso de estupro de uma vulnerável.

“Devemos intensificar a pena aos estupradores, mas não condenar à morte sem sentença. O que se deve fazer é acompanhar a vítima e oferecer a alternativa de dar a criança em adoção.”

Foi o caso de uma menina de 11 anos de Assunção estuprada pelo padrasto em 2014 e que teve o filho. O caso levou a críticas de organizações como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch.

Sobre o casamento homossexual, ela alega temer o ensino às crianças. “Se a união de pessoas do mesmo sexo fosse legalizada, seria o mesmo que considerar como algo correto, como algo bom, que deva ser ensinado às crianças. É a isso que nos opomos.”

Ríos é uma entre dezenas de pessoas que tentam se eleger ao Congresso com o lema de defesa da família e da vida.

Quase um mês após o evento no Senado, Martinessi disse à Folha achar positivo que seu filme tenha levantado a exposição do tema em uma sociedade que nunca debate.

“Tomara que isso sirva para aumentar a reflexão sobre uma classe política muito voltada ao passado e em um país perdido.”

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