Financiado pelo BNDES, porto de Mariel sofre com burocracia cubana

Dificuldades impostas pelo regime e incerteza fiscal afastam empresas brasileiras da região

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Funcionários aparecem à esquerda de um caminhão caçamba parado ao lado de um galpão em construção; à direita, aparecem outros galpões inacabados
Obras na Zona Especial de Desenvolvimento de Mariel; apesar de incentivos fiscais cubanos, região não atrai empresas brasileiras - Isabel Fleck/Folhapress
Isabel Fleck
Mariel

Um imenso canteiro de obras circunda hoje o porto de Mariel, inaugurado em janeiro de 2014 em Cuba, com a presença da então presidente Dilma Rousseff.

Quatro anos depois de oficialmente criada, a Zona Especial de Desenvolvimento de Mariel, a 45 km de Havana, caminha visivelmente a passos lentos e, apesar dos incentivos fiscais, não se tornou efetivamente atrativa para empresas brasileiras diante de toda a burocracia que envolve qualquer investimento estrangeiro em Cuba.

Nos governos Lula e Dilma, o Brasil financiou, por meio do BNDES, a ampliação e modernização do porto pela Odebrecht, no valor de US$ 682 milhões (R$ 2,3 bilhões no câmbio atual). Na época, o governo defendeu que o investimento abriria oportunidades para empresas brasileiras.

No entanto, até agora só duas empresas brasileiras —e que já tinham operação na ilha há mais de dez anos— apostaram e tiveram projetos aprovados na zona de desenvolvimento: a Souza Cruz, presente no país desde 1995, e a empresa de logística Fidas Brasil —braço da Fidas Enterprises, com sede no Panamá e que está em Cuba há 17 anos.

No fim de 2017, 75 empresas brasileiras participaram da Feira Internacional de Havana. Algumas chegaram a prospectar o investimento em Mariel, mas descartaram diante das atuais condições impostas pelo governo cubano.

Mariel já é mais atrativa que o restante do país, com isenção de impostos nos primeiros dez anos, por exemplo.

No entanto, para quem não está acostumado com o modelo cubano, o ainda reticente tratamento que o regime dá aos investimentos estrangeiros é um obstáculo.

A burocracia e as incertezas financeira e monetária afastam interessados, segundo um empresário ouvido pela reportagem que pediu para não ser identificado. Outro entrave é a contratação obrigatoriamente indireta, por meio do Estado cubano, de mão de obra local.

É preciso ainda passar por um processo de escolha rigoroso pelo regime, que já começa na emissão do visto de prospecção de negócios, ainda no Brasil. Depois, há reuniões com os conglomerados estatais responsáveis pelo setor específico em Cuba —grande parte deles operada por militares.

Só então pode-se entrar na lista de fornecedores do governo, que escolherá, no momento em que surgir a demanda por determinado negócio, qual empresa poderá avançar. Não há nada parecido com um processo de licitação.

Na escolha pelo governo cubano, entram critérios subjetivos como afinidade política com o país de origem da empresa, mas também a preferência dada a credores do regime.

Segundo dados do governo, até agora 34 projetos de 15 países, além de Cuba, foram aprovados na zona de Mariel —com maior presença da Espanha, que tem oito. O investimento total seria de US$ 1,2 bilhão.


Expansão cubana

US$ 1,2 bilhão teria sido investido na zona de desenvolvimento até agora, segundo o governo

Principais setores com investimentos Logística e transporte, indústria e construção

O que não é taxado Repatriação de capitais, uso da força de trabalho, contribuição ao desenvolvimento local, importações para o processo de investimento

Imposto sobre lucros Isenção nos primeiros dez anos; depois é elevado para 12% Imposto sobre vendas e serviço é isento no 1º ano; depois passa para 1%


A Souza Cruz é uma das que têm investimento com capital misto, por meio da joint venture Brascuba, com a cubana Tabacuba. A Brascuba construirá na zona de Mariel uma fábrica, na qual pretende dobrar, em dez anos, a produção da atual unidade em Havana, de 4,5 bilhões de cigarros por ano —sendo 4 bilhões para o mercado cubano.

O investimento é de US$ 116 milhões, sendo metade da Souza Cruz. A construção deve começar em maio e a expectativa é que a fábrica fique pronta no ano que vem.

O projeto da Fidas Brasil, que é 100% capital estrangeiro, está menos avançado, porque as mudanças feitas pelo governo de Donald Trump em 2017 atrapalharam as negociações para o financiamento.

A estimativa é de um investimento de US$ 8 milhões e contratação de 60 funcionários locais.

Algumas empresas, no entanto, resolveram não investir, como a de fios cirúrgicos Bioline, presente no mercado cubano há alguns anos.

Seus representantes dizem não ter interesse em investir na zona do porto de Mariel porque, além de seu produto não se enquadrar no modal marítimo, há outros obstáculos na ilha.

"Não é possível realização da produção em solo cubano pela necessidade de supervisão e mão de obra qualificada", disse a empresa, em nota.

A Odebrecht, que em 2014 estudava instalar uma fábrica de transformação de plástico na zona de desenvolvimento, informou à reportagem "não possuir nenhum projeto em Cuba atualmente".

Região recebe mais estrangeiros, mas comunicação é barreira

Quatro anos após a inauguração do porto, o número de estrangeiros na região cresceu, mas a comunicação deles com o cubano continua tarefa complicada.

"À noite fica cheio de chinês aqui na praça com os celulares, tentando conectar", conta Lissandra Gonzalez, 27, atendente de um bar em frente à praça principal de Mariel.

Como nas outras cidades cubanas, a maior parte das praças têm wifi público, que funciona com senhas de cartões comprados ao equivalente a US$ 1 a hora.

Apesar de achar graça da convivência com os estrangeiros, Gonzalez é uma das que comemoram o movimento que veio com o porto. "Está gerando emprego e também circulando mais dinheiro na cidade."

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