Descrição de chapéu The New York Times

Com navios e mísseis, China desafia Marinha dos EUA no Pacífico

Modernização militar tem objetivo de controlar águas ao redor de Taiwan e no mar do sul da China

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Steven Lee Myers
The New York Times

Em abril, no 69º aniversário da fundação da Marinha chinesa, o primeiro porta-aviões construído no país saiu de seu cais na cidade portuária de Dalian, no mar de Bohai, amarrado a rebocadores para testar sua navegabilidade.

O primeiro porta-aviões construído no país saiu de seu cais na cidade portuária de Dalian, no mar de Bohai, no dia 26 de agosto de 2018
O primeiro porta-aviões construído no país saiu de seu cais na cidade portuária de Dalian, no mar de Bohai, no dia 26 de agosto de 2018 - Reuters

"O primeiro porta-aviões construído na China moveu-se só um pouco, e os EUA, o Japão e a Índia estremeceram", grasnou um site de notícias militares, referindo-se aos três países que a China considera seus principais rivais.

Há não muito tempo atrás, essas bravatas teriam sido descartadas como de um militar de segunda linha. Não mais.

Um programa de modernização enfocado nas forças navais e de mísseis modificou o equilíbrio de poder no Pacífico de maneiras que os EUA e seus aliados apenas começam a digerir.

Enquanto a China está atrasada em poder de fogo em escala global, hoje pode desafiar a supremacia militar dos EUA nos lugares que mais importam para ela: as águas ao redor de Taiwan e no disputado mar do Sul da China.

Isso significa que uma parte crescente do oceano Pacífico --onde os EUA operaram invictos desde as batalhas navais da Segunda Guerra Mundial-- é novamente território contestado, com navios e aviões de guerra chineses regularmente cruzando com os dos EUA e seus aliados.

Para prevalecer nessas águas, segundo autoridades e analistas que verificam o desenvolvimento militar da China, o país não precisa de uma força capaz de derrotar os EUA diretamente, mas apenas de uma que torne uma intervenção na região cara demais para Washington cogitar. Muitos analistas dizem que Pequim já atingiu esse objetivo.

Para tanto, desenvolveu capacidades "antiacesso" que usam radares, satélites e mísseis para neutralizar a vantagem decisiva que possuíam os poderosos grupos de ataque com porta-aviões americanos. Também está rapidamente expandindo suas forças navais com o objetivo de mobilizar uma Marinha em "águas azuis" que lhe permitiria defender seus crescentes interesses além de suas águas costeiras.

"A China hoje é capaz de controlar o mar do Sul da China em todos os cenários, a não ser a guerra com os EUA", disse o novo chefe do Comando Indo-Pacífico dos EUA, almirante Philip Davidson, em comentários por escrito apresentados durante seu processo de confirmação no Senado em março.

Ele descreveu a China como um "competidor equivalente", que ganha dos EUA não equiparando suas forças arma a arma, mas construindo "capacidades assimétricas" críticas, incluindo com mísseis antinavios e em guerra de submarinos. "Não há garantia de que os EUA venceriam um futuro conflito com a China", concluiu ele.

No ano passado, a Marinha chinesa tornou-se a maior do mundo, com mais navios de guerra e submarinos que os EUA, e continua construindo novos navios em um ritmo surpreendente. Embora a frota americana continue superior em qualidade, seu alcance é muito menor.

"A tarefa de construir uma Marinha poderosa nunca foi tão urgente quanto hoje", declarou o presidente Xi Jinping em abril, quando presidiu um cortejo naval perto da ilha de Hainan que abriu exercícios envolvendo 48 navios e submarinos. O Ministério Nacional da Defesa disse que eles são os maiores desde que a República Popular da China foi fundada, em 1949.

Apenas três anos atrás, Xi esteve com o presidente Barack Obama no Jardim das Rosas e prometeu não militarizar as ilhas artificiais que o país construiu ao sul do arquipélago das Spratlys. Autoridades chinesas desde então admitiram que utilizaram mísseis lá, mas que eles são necessários por causa de "incursões" americanas em águas chinesas.

Quando o secretário da Defesa, Jim Mattis, visitou Pequim em junho, Xi o advertiu claramente de que a China não cederá "um centímetro" do território que reivindica como seu.

A expansão naval da China começou em 2000, mas se acelerou acentuadamente depois que Xi assumiu o comando em 2013. Ele modificou drasticamente o enfoque militar para a força naval, assim como aérea e de foguetes estratégicos, enquanto expurgou comandantes acusados de corrupção e reduziu as forças terrestres tradicionais.

O Exército Popular de Libertação --os alicerces do poder comunista desde a Revolução-- na verdade encolheu para liberar recursos para uma força de combate mais moderna. Desde 2015, o Exército cortou 300 mil soldados e oficiais alistados, reduzindo os militares a um total de 2 milhões, comparados com 1,4 milhão nos EUA.

Embora cada ramo das forças armadas da China esteja atrasado em poder de fogo e experiência em relação aos EUA, a China fez ganhos significativos em armas assimétricas para enfrentar as vantagens americanas. Um enfoque foi no que os planejadores militares americanos chamam de A2/AD, de "anti-access/area denial" [antiacesso, negação de área], ou o que os chineses chamam de "contraintervenção".

Uma peça central dessa estratégia é um arsenal de mísseis balísticos de alta velocidade destinados a atacar navios em movimento. As últimas versões, o DF-21D e, desde 2016, o DF-26, são popularmente conhecidos como "matadores de porta-aviões", já que podem ameaçar até os mais poderosos navios da frota americana muito antes que se aproximem da China.

A Marinha americana nunca enfrentou tal ameaça, advertiu o Escritório de Pesquisas do Congresso em um relatório em maio, acrescentando que alguns analistas consideram os mísseis capazes de "mudar o jogo".

Lyle Morris, um analista da Rand Corp., disse que a mobilização pela China de mísseis nas disputadas ilhas Parcel e Spratly "modificará de maneira drástica como os militares americanos operam" em toda a Ásia e no Pacífico.

A melhor resposta dos EUA, acrescentou ele, seria "encontrar métodos novos e inovadores" de mobilizar navios além de seu alcance. Diante do maior alcance dos mísseis balísticos, porém, isso não era possível "na maioria das contingências" que a Marinha dos EUA provavelmente enfrentaria na Ásia.

Os militares chineses, tradicionalmente enfocados em repelir uma invasão por terra, visam cada vez mais projetar poder nas "águas azuis" do mundo para proteger os crescentes interesses econômicos e diplomáticos da China, do Pacífico ao Atlântico.

Os porta-aviões chamam mais atenção, mas a expansão naval chinesa é muito mais ampla. A Marinha chinesa --oficialmente a Marinha do Exército Popular de Libertação-- construiu mais de cem navios de guerra e submarinos nos últimos dez anos, o que supera as frotas navais inteiras de muitos países, com exceção de poucos.

As raízes do enfoque da China para o poderio marítimo e a "negação de área" pode ser atribuído ao que muitos chineses consideraram uma humilhação em 1995 e 1996, quando Taiwan organizou suas primeiras eleições democráticas. A China disparou mísseis perto da ilha, levando o presidente Bill Clinton a despachar dois porta-aviões à região.

O reforço naval da China desde então foi notável. Em 1995 o país tinha apenas três submarinos. Hoje são quase 60, e Pequim pretende expandir para quase 80, segundo um relatório do mês passado do Serviço de Pesquisas do Congresso dos EUA.

"Eles logo poderão, por exemplo, enviar uma esquadra de navios a algum lugar, como a África, e ter toda a capacidade de fazer uma invasão por terra para proteger ativos chineses", disse Vassily Kashin, um especialista do Instituto de Estudos do Extremo Oriente na Academia de Ciências da Rússia, em Moscou.

A necessidade foi percebida em 2015, quando navios de guerra chineses evacuaram 629 chineses e 279 estrangeiros do Iêmen quando a guerra civil no país assolou Áden, uma cidade portuária no sul.

Uma das fragatas que participaram do resgate, a Linyi, foi mostrada em um filme patriótico de grande sucesso, "Operação Mar Vermelho".

"Os chineses estarão mais presentes", acrescentou Kashin, "e todo mundo tem de se acostumar com isso."

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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