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É cedo para matar a democracia no Zimbábue

O que vai definir o teor de recuperação democrática será o resultado do pleito e a reação a ele

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Soldado bate em homem em rua de Harare, capital do Zimbábue - Zinyange Auntony/AFP
São Paulo

O Daily Maverick, um dos principais jornais do Zimbábue, precipitou-se na avaliação da histórica eleição no país: na segunda-feira da votação (30 de julho) festejou o fato de que “a eleição deste ano é única no sentido de que, ao contrário de eleições anteriores, que foram estropeadas por violentos e sangrentos choques, o período antes de que os eleitores fossem às urnas foi bastante pacífico".

É verdade, mas dois dias depois da votação, os sangrentos e violentos choques reapareceram, como se fosse uma maldição africana a de não conseguir estabilidade política mesmo depois de apear do poder um ditador que o ocupava havia 38 anos (Robert Mugabe).

Mas convém dar um desconto antes de decretar que democracia e Zimbábue são incompatíveis entre si.

Primeiro, é óbvio que velhos hábitos demoram para morrer. O simples fato do ditador ter sido afastado há oito meses não significa que toda a estrutura que o sustentou tenha ruído junto com ele. Ao contrário: Emmerson Mnangagwa, atual presidente e candidato à reeleição pelo Zanu-PF, o partido de Mugabe, foi um dos principais auxiliares do ditador, inclusive na repressão.

Além dele —ou por trás dele — , os militares que dominaram o Zimbábue durante quase 40 anos continuam presentes, encarnados, por exemplo, no general Constantino Chiwenga, que ganhou a vice-presidência pelo papel no golpe que destronou Mugabe.

Quer dizer, então, que o esquema de poder repetiu as fraudes que caracterizaram o período Mugabe? Não necessariamente. Talvez nem fosse preciso porque o campo de jogo não foi devidamente nivelado, inclinando-se a favor do governo. Foi o que testemunhou para The Guardian Elmar Brok, chefe dos monitores da União Europeia, admitidos pela primeira vez como observadores depois de 16 anos.

Mesmo com essa ressalva, Brok diz que houve “uma abertura de espaço político". Copo meio cheio, meio vazio.

Mas seria incorreto culpar o governo e apenas o governo pelos incidentes desta quarta-feira (1): Nelson Chamisa, principal candidato opositor e cujos apoiadores saíram às ruas para gritar fraude, já havia ameaçado boicotar o voto, alegando incontáveis irregularidades no processo eleitoral. Desistiu depois, com o argumento propagandístico de que “o vencedor não boicota eleições".

Já estava dizendo, portanto, que não aceitaria outro resultado que não a sua vitória. Seus seguidores nem esperaram a divulgação da principal votação (para presidente). O anúncio de que o partido governista venceu a eleição parlamentar foi suficiente para desatar protestos, que, como de hábito, atraem a repressão e as mortes.

O que vai definir o teor de recuperação democrática do Zimbábue é, pois, o resultado do pleito presidencial e a reação a ele. Como diz Karen Bass, congressista americana e integrante da missão de observadores enviada conjuntamente por republicanos e democratas, “ainda é muito cedo para fazer uma avaliação da natureza destas eleições".

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