Descrição de chapéu The New York Times

Novo juiz deve levar presidente da Suprema Corte dos EUA a ser voto decisivo

John Roberts, presidente da Suprema Corte, passa a ser centro ideológico da corte

John Roberts, presidente da Suprema Corte dos EUA (esq.), com os juízes Stephen Breyer, Elena Kagan e Neil Gorsuch
John Roberts, presidente da Suprema Corte dos EUA (esq.), com os juízes Stephen Breyer, Elena Kagan e Neil Gorsuch - Win McNamee - 30.jan.18/Getty Images/AFP
Adam Liptak
Washington | The New York Times

A maioria das nomeações para a Suprema Corte sob certo aspecto não traz grandes consequências. Um conservador substitui um conservador, um liberal toma o lugar de um liberal, e a direção fundamental do Supremo permanece a mesma.

Não é esse o caso com a indicação do juiz Brett Kavanaugh, cujas audiências de confirmação no Senado começarão na terça-feira. Kavanaugh é consideravelmente mais conservador que o juiz cujo lugar provavelmente vai assumir, Anthony Kennedy.

Mas há uma razão mais sutil e importante por que a escolha de Kavanaugh pelo presidente Donald Trump pode remodelar a Suprema Corte. Sua confirmação, se ocorrer, resultará em algo muito mais raro: a substituição do juiz que dá o voto decisivo (“swing vote”) e que pode pender para um lado ou para outro, levando o juiz John Roberts, presidente da Suprema Corte –e muito mais consistentemente conservador que Anthony Kennedy— ao centro ideológico da Corte.

Mais de 80 anos se passaram desde que um presidente do Supremo foi também o juiz de voto decisivo. Juristas dizem que, se Roberts assumir essa posição, ele vai liderar uma maioria conservadora sólida de cinco juízes que provavelmente vai restringir o acesso ao aborto, limitar as decisões pautadas por considerações de raça em áreas como o ingresso em universidades, manter as restrições ao voto, ampliar o direito ao uso de armas, derrubar a regulamentação das finanças de campanhas eleitorais e dar à religião um papel maior na vida pública.

“John Roberts será o juiz de voto decisivo menos maleável desde a 2ª Guerra Mundial”, disse Justin Driver, professor de direito na Universidade de Chicago.

Será uma quebra enorme com o papel exercido no tribunal durante anos por Kennedy, conservador moderado nomeado pelo presidente Ronald Reagan. Kennedy em alguns casos tomou o partido da ala liberal da Suprema Corte, formada por quatro membros, em questões como o aborto, ação afirmativa, direitos dos gays e pena de morte.

Kennedy e Roberts se posicionaram em lados opostos em 51 decisões fortemente divididas do Supremo nas quais Kennedy se aliou aos liberais, segundo dados colhidos por Lee Epstein e Andrew D. Martin, da Universidade Washington em St. Louis, e Kevin Quinn, da Universidade do Michigan. Todos esses precedentes estão em risco, disse Epstein.

Apenas uma das cinco audiências anteriores de confirmação de um juiz indicado para a Suprema Corte foi de um juiz que acabaria por alterar o equilíbrio ideológico do Supremo. Isso foi 12 anos atrás e levou diretamente à decisão do processo Citizens United sobre o financiamento de campanhas eleitorais.

Naquela modificação da composição da corte, o juiz Samuel Alito tomou o lugar da mais moderada juíza Sandra Day O’Connor. Com isso, Anthony Kennedy passou a ser o único juiz a ocupar o centro ideológico da corte.

Alito se uniu ao parecer majoritário de Kennedy em 2010 na decisão da Suprema Corte no processo Citizens United, que, por cinco votos contra quatro, derrubou parte de um parecer de 2003 de O’Connor. Alito também se alinhou com o parecer majoritário de Kennedy em 2007 em outra decisão tomada por cinco votos contra quatro, aquela que manteve a lei federal que proíbe o aborto que constitui um nascimento parcial [ou seja, quando o feto já poderia viver fora do útero]. Sete anos antes a Suprema Corte havia derrubado uma lei semelhante no Nebraska, com O’Connor na maioria.

Mas as divergências entre O’Connor e Kennedy são pequenas, comparadas às que distinguem Kennedy de Roberts. Eles estiveram em lados opostos em processos de grande destaque envolvendo mudança climática, os direitos dos detentos na prisão de Guantánamo, a aplicabilidade da pena de morte por crime de estupro de criança, a superlotação de presídios, a pena de prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional para infratores menores de idade, e os direitos dos gays.

“É provável que a saída do juiz Kennedy leve a uma mudança muito mais drástica na Suprema Corte do que a que se seguiu à saída da juíza O’Connor”, opinou Irv Gornstein, diretor executivo do Instituto da Suprema Corte na Universidade Georgetown.

Dados de ciência política relativos aos padrões de voto dos juízes confirmam essa análise. “O fato de a posição de centro da Suprema Corte passar de Kennedy para Roberts provavelmente será muito mais importante que a mudança de O’Connor para Kennedy em 2006”, disse Epstein. “O’Connor e Kennedy eram muito mais próximos, ideologicamente falando, do que são Roberts e Kennedy.”

Contrastando com isso, outras nomeações feitas para o Supremo desde 2005 não alteraram a direção fundamental da corte. A substituição do presidente da Suprema Corte William Rehnquist por John Roberts e a substituição do juiz Antonin Scalia por Neil Gorsuch colocaram conservadores nos postos antes ocupados por conservadores. Quando a juíza Sonia Sotomayor tomou o lugar de David H. Souter e a juiz Elena Kagan substituiu John Paul Stevens, foram liberais que tomaram o lugar de liberais.

John Roberts, 63 anos, representará uma mudança nítida como o juiz de voto decisivo, mas isso não significa que a Suprema Corte dará um salto repentino à direita. Roberts geralmente tende a se mover em passos incrementais e se preocupa com a legitimidade e o prestígio da Suprema Corte. Em sua própria audiência de confirmação, em 2005, ele disse: “Quando se passa por cima de um precedente, isso abala o sistema de justiça”.

Isso não o impediu de somar seu voto a uma decisão, em junho, que rejeitou um precedente de 40 anos, em uma decisão que prejudicou fortemente os sindicatos de funcionários públicos. Em geral, contudo, um Supremo em que o presidente da corte é seu centro ideológico provavelmente se deslocará para a direita de maneira constante e gradativa.

Os republicanos confiam em suas chances de confirmar Kavanaugh rapidamente. Erwin Chemerinsky, diretor da escola de direito da Universidade da Califórnia em Berkeley, disse que há uma boa maneira de determinar o rumo que a Suprema Corte vai seguir se isso acontecer.

Ele explicou: “A chave está nas muitas áreas em que Anthony Kennedy tomou o lado dos liberais em decisões tomadas por cinco votos contra quatro: aborto, ação afirmativa, direitos de gays e lésbicas, punições criminais e permitir prova de discriminação baseada em impacto díspar. Em todas essas áreas de direito, a substituição de Kennedy por Kavanaugh provavelmente vai assinalar uma mudança importante.”

Em 2016, no processo Whole Woman’s Health v. Hellerstedt, Kennedy tomou o partido dos quatro juízes liberais da corte para derrubar partes de uma lei do Texas que teria reduzido drasticamente o número de clínicas de aborto no Estado, deixando algumas delas apenas nas maiores áreas metropolitanas.

No mesmo ano ele redigiu o parecer majoritário do processo Fisher v. University of Texas, defendendo um programa de admissões na maior universidade do Estado que leva considerações raciais em conta.

As duas decisões quase certamente teriam sido diferentes se Gorsuch, o primeiro juiz do Supremo nomeado por Trump, e Kavanaugh já estivessem no Supremo.

“A jurisprudência da corte em questões de ação afirmativa e aborto já foi dada como letra morta muitas vezes”, disse Driver. “Mas, se a indicação de Kavanaugh for confirmada, é virtualmente garantido que ela será extinta mais cedo, e não mais tarde.”

Tradução de Clara Allain

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