Nobel da Paz vai para luta contra uso de violência sexual como arma de guerra

O médico congolês Denis Mukwege e a vítima yazidi Nadia Murad são os laureados deste ano

 
Montagem mostra a yazidi iraquiana Nadia Murad e o médico congolês Denis Mukwege, vencedores do Nobel da Paz em 2018 - Lucas Jackson/Vincent Kessler/Reuters
São Paulo e Oslo | Reuters e Associated Press

O prêmio Nobel da Paz de 2018 foi concedido nesta sexta-feira (5) ao médico congolês Denis Mukwege, 63, e à ativista yazidi Nadia Murad, 25, por seus esforços contra o uso de violência sexual como arma de guerra. 

Ao anunciar a premiação, o comitê do Nobel afirmou que o ginecologista Mukwege, da República Democrática do Congo, tem sido “o símbolo principal e mais unificador tanto nacional quanto internacionalmente da luta para pôr fim ao uso de violência sexual em guerras e conflitos armados". 

Nadia Murad, membro da minoria religiosa yazidi no Iraque, foi capturada pela facção terrorista Estado Islâmico em 2014, estuprada repetidamente e sujeitada a outros abusos. Segundo o comitê, ela demonstrou "coragem incalculável ao recontar seu próprio sofrimento".

"Denis Mukwege é o agente que devotou sua vida a defender essas vítimas. Nadia Murad é a testemunha que nos conta dos abusos cometidos contra ela e outros", afirmou Berit Reiss-Andersen, presidente do Comitê do Nobel.

O médico Denis Mukwege e a yazidi Nadia Murad, em ilustração divulgada pelo Comitê do Nobel
O médico Denis Mukwege e a yazidi Nadia Murad, em ilustração divulgada pelo Comitê do Nobel - Niklas Elmehed/Nobel Media

"Ambos colocaram sua própria segurança em risco ao combater de forma corajosa crimes de guerra e assegurar justiça para as vítimas", acrescentou. "Um mundo mais pacífico só pode ser alcançado se as mulheres, sua segurança e os direitos fundamentais são reconhecidos e preservados em tempos de guerra."

A ONU celebrou o "anúncio fantástico, que ajudará a fazer avançar o combate contra a violência sexual como arma de guerra nos conflitos".

"É uma causa muito importante para as Nações Unidas", afirmou a porta-voz da ONU em Genebra, Alessandra Vellucci.

A premiação ocorre após um ano em que o abuso de mulheres esteve no centro do debate internacional.

Questionada sobre o movimento #metoo inspirou a premiação deste ano, Reiss-Andersen afirmou: "Me Too e crimes de guerra não são exatamente a mesma coisa. Mas eles têm em comum o fato de verem o sofrimento das mulheres, o abuso a mulheres, e é importante que mulheres deixem para trás o conceito de vergonha e falem."

Mukewege e Murad ainda não haviam sido informados quando a premiação foi anunciada. "Se vocês estão assistindo a isso, meus parabéns", disse  Reiss-Andersen.

Mais tarde, Mukewege disse que estava em cirurgia quando soube do prêmio, que dedicou a todas as mulheres afetadas pelo estupro e pela violência sexual.

"Essa violência cometida contra seus corpos acontece não apenas em nosso país, a República Democrática do Congo, mas em muitos outros países", afirmou em coletiva no hospital Panzi.

Murad disse estar honrada com o prêmio, que dedicou "a todos os yazidis, iraquianos, curdos e todas as minorias e todos os sobrevivente de violência sexual ao redor do mundo". ​

Mukwege lidera o hospital Panzi, na cidade de Bukavu, na República Democrática do Congo. Aberta em 1999, a clínica atende milhares de mulheres todos os anos, muitas das quais necessitam de cirurgia após a violência sofrida.

Homens armados tentaram matá-lo em 2012, fazendo com que deixasse temporariamente o país.

Aos 25 anos, Murad é a segunda laureada mais jovem na história do Nobel da Paz. A mais nova continua sendo a paquistanesa Malala Yousafzai, 21, que tinha 17 ao ser laureada em 2014.

Murad foi capturada pelo EI ao lado das irmãs no vilarejo de Kocho, na província iraquiana de Sinjar, no norte do Iraque. Perdeu seis irmãos e a mãe quando os terroristas mataram todos os homens e todas as mulheres consideradas velhas demais para serem sexualmente exploradas. Murad conseguiu escapar após três meses.

Em​ 2016, Murad obteve o prêmio de direitos humanos concedido pela União Europeia, o  Sakharov, ao lado também yazidi  Lamiya  Aji  Bashar. No mesmo ano, ela obteve o prêmio de direitos Václav Havel, concedido pelo Conselho Europeu. 

Aos 23 anos, ela foi indicada como a primeira Embaixadora da ONU para a Dignidade dos Sobreviventes de Tráfico Humano. 

Em 2017, Murad publicou o livro de memórias "The Last Girl" (a última menina). "A certo ponto, havia estupro e nada mais. Isso se tornava seu dia normal", escreveu. 

Estima-se que 3.000 mulheres e meninas yazidi tenham sido vítimas de violência sexual e outros abusos pelo Estado Islâmico.

O prêmio em 2018 é de 9 milhões de coroas suecas, o equivalente a US$ 1,01 milhão ou R$ 3,9 milhões. No ano passado, o premiado foi a Campanha Internacional para Abolir as Armas Nucleares. 

A honraria será entregue em Oslo em 10 de dezembro, aniversário da morte do industrial sueco Alfred Nobel, que criou a premiação em seu testamento, em 1895. 

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