Cuba faz concessões ao setor privado e ameniza novas regras para pequenos negócios

Regime decidiu revogar limitação de licença comercial a uma por pessoa

Havana | Reuters, Associated Press e AFP

O governo de Cuba anunciou nesta quarta-feira (5) um afrouxamento das novas regulamentações sobre o incipiente setor privado da ilha comunista, apenas dois dias antes de as medidas entrarem em vigor. O recuo atende a críticas de empresários e trabalhadores, preocupados com o impacto econômico das restrições.

O regime anunciou em julho os regulamentos, que introduzem mudanças para um maior controle e organização do trabalho privado, afetam os impostos, a contratação de força de trabalho, limitam o escopo de cada atividade (123 no total) e estabelecem novas contravenções. A ideia era combater o acúmulo de riqueza, a sonegação fiscal, a compra de matérias-primas e produtos de origem ilegal, entre outras irregularidades envolvidas nos pequenos negócios que se multiplicaram no país.

A edição revisada da Política de Trabalho Autônomo ou Independente inclui 20 normas de diferentes instâncias do governo publicadas em 10 de julho na Gazeta Oficial cubana. Ela entra em vigor nesta sexta-feira (7), após "um extenso programa de treinamento para os funcionários envolvidos e intercâmbios com os trabalhadores privados", segundo o jornal oficial Granma.

A ministra do Trabalho, Margarita González Fernández, disse em uma mesa redonda transmitida na noite de quarta-feira que o governo se reuniu com trabalhadores e empresários cubanos e, atendendo a seus pedidos, decidiu suspender parte das restrições.

Entre elas, a regra que permitiria apenas uma licença comercial por pessoa. Assim, quem tem um restaurante não poderia ter um bar ou um salão de beleza. 

"Os cubanos podem ter mais de uma licença, contanto que sejam razoáveis", disse a ministra, que reconheceu o empreendedorismo como um complemento importante ao setor estatal e uma fonte de emprego, impostos e melhorias para a população. 

Nos últimos oito anos, o trabalho autônomo cresceu na ilha. Em 2010, pouco mais de 157 mil cubanos tinham um negócio próprio. Em 2018, esse número saltou para 589 mil, ou 13% do total de empregados, segundo o Granma. 

Outra medida retirada das normas foi a proibição aos restaurantes de ter mais de 50 lugares. Agora, o número de cadeiras passa a ser determinado pelo tamanho do estabelecimento.

O Granma afirma ainda que, a partir desta sexta, novas autorizações serão concedidas em 26 das 27 atividades suspensas na ilha. Permanece a limitação apenas para programador de computador, carreira em que as regulamentações ainda não foram concluídas.

Outra exigência eliminada foi a abertura de uma conta bancária fiscal para quem quiser trabalhar em um negócio próprio. A partir desta conta, o regime calcula a dedução dos impostos.

A ministra das Finanças e dos Preços, Meisi Bolaños, afirmou em televisão nacional que cinco áreas não serão beneficiadas pelo recuo: serviço em restaurantes, cafeterias e bares; recreação; locatário de imóveis; serviços de construção e reforma e serviço de transporte de passageiros na capital. Esses setores empregam ta cerca de 80.000 pessoas, o correspondente a 13% do setor privado cubano.

São "atividades complexas em sua operação, não apenas porque geram alta receita, mas porque também geram gastos", disse Bolaños.

Ainda de acordo com Bolaños, a abertura e a operação dessas contas será gradual. Nelas, o titular movimentará as operações mercantis de seu negócio, podendo ter outras contas bancárias pessoais e independentes.

Essas medidas teriam como objetivo evitar a evasão fiscal e impedir o enriquecimento pessoal, mas também ampliam os requisitos burocráticos. 

Por fim, lista o jornal cubano, o governo permitirá que até 35% do rendimento do negócio não seja depositado na conta bancária fiscal.

“Vejo um raio de luz agora”, disse Camilo Condis, 33, que mora em Havana e tem duas licenças comerciais, uma para alugar um apartamento e outra para trabalhar em um restaurante.

Ele tem planos de novos empreendimentos, como abrir um café. "Agora posso voltar a sonhar e ser criativo, porque agora sei que será legal ter mais de um empreendimento.”

Analistas disseram que as regras limitavam o crescimento do setor em um momento no qual a economia estatal já enfrenta desafios consideráveis, como a redução da ajuda da Venezuela, uma de suas principais aliadas na região, e das exportações, e poderiam inibir investidores estrangeiros.

"Limitam muito a atividade por conta própria, muito, muito (...) É um golpe demolidor para uma enorme quantidade de pessoas", afirmou à AFP o advogado Julio Antonio Fernández.

González defendeu as mudanças como "parte do processo de atualização de nosso modelo econômico [...] e de reconhecer as opiniões dos trabalhadores e da população".

Para o economista cubano Pavel Vidal, da Universidade Javeriana da Colômbia, o presidente Miguel Díaz-Canel segue "uma trilha de transformações graduais". "Mas não vai tocar a coluna vertebral do sistema centralizado e o monopólio da empresa estatal", disse à AFP . 

Entre as medidas mantidas pelo regime, estão a proibição aos autônomos de vender serviços a entidades estrangeiras, cada vez mais numerosas na ilha, e a eliminação da isenção tributária para empresas de até cinco funcionários.

CUBA VOLTA ATRÁS DE REGRAS PARA CONTROLAR EVENTOS CULTURAIS

Também nesta quarta-feira, o regime cubano anunciou que amenizará o impacto de uma nova lei que garante a inspetores do governo o poder para fechar qualquer exibição de arte ou performance vista como uma violação dos valores revolucionários socialistas do país.

A lei, conhecida como Decreto 349, foi publicada em julho passado e permite a "inspetores supervisores" rever quaisquer eventos culturais, de exibições de quadros a concertos, e fechar imediatamente qualquer evento, além de revogar a licença de funcionamento de qualquer restaurante ou bar que sediar uma exibição fora das regras.

A lei causou protestos da comunidade artística cubana e levou os mais renomados nomes do mundo da arte cubano a procurar reuniões com membros do regime. Um pequeno grupo de artistas independentes lançou uma série de protestos de rua que levou à forte repressão policial.

O vice-ministro de Cultura cubano, Fernando Rojas, afirmou à agência de notícias Associated Press que os inspetores poderão fechar apenas exibições com violações extremas, como obscenidade, racismo ou conteúdo sexista. 

Rojas disse ainda que os casos problemáticos serão levados a autoridades superiores no Ministério da Cultura. Os inspetores também ficarão limitados a espaços públicos, não podendo entrar na casa de artistas ou em seus estúdios.

A lei entra em vigor nesta sexta-feira (7), mas os inspetores só agirão a partir da publicação de uma série de regulamentações mais detalhadas, que devem ser finalizadas nas próximas semanas, disse Rojas.

CUBA PERMITIRÁ ACESSO À INTERNET NO CELULAR PELA 1ª VEZ ​

Nesta terça-feira (4), Cuba anunciou que permitirá que seus cidadãos tenham acesso completo à internet nos celulares a partir de quinta (6). É um dos últimos países do mundo a permitir isso.

Mayra Arevich, presidente da companhia telefônica estatal de Cuba, anunciou a mudança na televisão cubana na noite de terça (4). Os cubanos poderão comprar pacotes de internet 3G pela primeira vez.

Até agora, os moradores da ilha tinham acesso via celular apenas a um serviço de e-mail, controlado pelo governo.

O país, comandado por um governo comunista, tem uma das menores taxas de uso da internet, mas as conexões têm aumentado rapidamente desde 2014, quando os presidentes Barack Obama e Raúl Castro retomaram as relações entre os países. 

A expansão tecnológica não foi reduzida mesmo com a chegada de Donald Trump à presidência dos EUA.

Cuba autorizou o uso de internet nas casas em 2017 e abriu centenas de pontos de conexão wifi públicos em parques e praças ao redor do país. 

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