Parisienses e turistas lotam margens do Sena para ver Notre-Dame após incêndio

Clássico de Victor Hugo ambientado na catedral desaparece das livrarias

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Paris

No dia seguinte ao incêndio que destruiu parte da catedral de Notre-Dame, um dos cartões-postais de Paris e o monumento mais visitado da Europa, os professores aposentados Patrick e Chantal Binet, ambos de 68 anos, resolveram levar o trio de netos para ver o prédio abatido pelas chamas.

“É algo impensável. A igreja é uma referência histórica, está incrustada na paisagem”, dizia ela, antes de relacionar o passeio à transmissão de uma memória afetiva. “Viemos aqui para que as crianças [Paul, 9, Simon, 7, Juliette, 4] no futuro se lembrem que estivemos juntos neste dia. Elas verão esta catedral reconstruída.”

“Não dava para ficar em casa, só vendo pela televisão. Estamos vivendo algo único, dramático. Queríamos nos integrar a essa emoção coletiva”, completava Patrick.

Transeuntes batem foto da Notre-Dame, um dia após incêndio, em Paris - François Guillot/AFP

A tal emoção coletiva se esparramava pelas margens do Sena, no perímetro em torno da catedral, apinhando a beira-rio como se de um dia ensolarado de verão se tratasse –o sol nunca saiu.

A multidão parecia dar de ombros ao bloqueio, pela polícia, das pontes que dão acesso à ilha onde fica o edifício e à confusão causada pelo engarrafamento de viaturas, carros de bombeiros e furgões de emissoras de TV na via que tangencia o Sena pela margem esquerda.

Para além de celulares e câmeras apontados para a igreja, fosse em direção à fachada principal (a olho nu totalmente preservada), fosse para a lateral sul chamuscada (em cima da qual se viam andaimes retorcidos), o luto grupal repercutia no comércio da região, onde fica o distrito ultraturístico do Quartier Latin.

Em uma grande livraria do bulevar Saint Michel, evaporaram-se em menos de 24 horas todos os exemplares de “Notre-Dame de Paris”, o clássico de Victor Hugo (1802-85) protagonizado pelo corcunda que mora nas alturas da catedral.

Em uma das banquinhas da beira-rio que vendem gravuras, pinturas e suvenires estampados com reproduções dos pontos turísticos da capital francesa, a igreja ultrapassou a torre Eiffel na liderança dos logradouros mais buscados pela clientela.

Era ali que Christian, 72, e Marie-Claire Paris, 75, hesitavam sobre o número de quadrinhos com a imagem da igreja que levariam para si e para parentes. Acabaram saindo com dois.

“Notre-Dame é um símbolo importante, ainda mais em um momento em que quase não há mais espiritualidade. Temos de lembrar que os princípios defendidos pela República laica, seu slogan de liberdade, igualdade e fraternidade, vêm de Cristo”, observava ele. “Viemos ver como ela ficou. [A situação pós-incêndio] É menos ruim do que eu imaginava.”

O casal tem um carvalho no jardim de casa, nos arredores da capital francesa, e pensou em doá-lo ao esforço de reconstrução do edifício –um dos segmentos mais atingidos, e possivelmente aquele em que as chamas se originaram, é a “floresta”, onde ficavam 1.300 vigas de carvalho que sustentavam o telhado de chumbo.

No braço do Sena que passa aos pés da igreja, os indefectíveis barcos de turismo não passaram nesta terça. O mesmo pudor não tiveram os ônibus panorâmicos, no alto dos quais visitantes se encarapitavam para enquadrar o desalento da muralha de pedra, vidro e história.

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