Descrição de chapéu The New York Times

Antes símbolos de pobreza, fazendas na África são transformadas por 'millennials'

Jovens com formação superior usam ciência e aplicativos para aumentar colheitas

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Sarah Maslin Nir
Agotime Beh (Gana) | The New York Times

Depois de se formar na universidade, Vozbeth Kofi Azumah hesitou em contar às pessoas —até mesmo à sua mãe— como pretendia ganhar a vida.

"Sou um agricultor", disse ele, passando com sua motocicleta entre os campos recém-arados numa tarde recente. "Aqui isso é uma vergonha."

Em algumas partes do mundo, os agricultores são vistos com respeito, e cultivar a terra é uma profissão honrosa. Mas em uma região onde a maior parte da agricultura ainda é de subsistência —contando com foice, enxada e esperança de chuva—, cultivar a terra é sinônimo de pobreza.

Azumah está entre o número crescente de jovens africanos com formação superior que combatem esse estigma e buscam profissionalizar a agricultura. Eles estão aplicando abordagens científicas e aplicativos de processamento de dados não só para aumentar as colheitas, mas para mostrar que a atividade pode ser lucrativa.

Eles se chamam de "agripresários".

Vozbeth Kofi Azumah, que cria caracois e ratos gigantes em sua fazenda, em Ghana - Nana Kofi Acquah/The New York Times

É um grande desafio.

Redes de distribuição subdesenvolvidas, más estradas e suprimento de água escasso são obstáculos difíceis até para o agricultor mais competente, e muitos desses candidatos a fazendeiros têm pouco treinamento ou experiência.

No entanto, esses empresários agrícolas esperam ao mesmo tempo ganhar dinheiro e enfrentar a matemática confusa de um continente que contém cerca de 65% das terras aráveis não cultivadas do mundo, mas que importa mais de US$ 35 bilhões em alimentos por ano, segundo um relatório do Banco Africano de Desenvolvimento.

Em Gana, país da África ocidental, eles foram incentivados pelo governo, que iniciou um programa ambicioso para aumentar a capacidade agrícola e incentivar os jovens a voltar ao campo. Como em grande parte do resto do continente, os agricultores de Gana estão envelhecendo, enquanto os jovens inundam as cidades em busca de trabalho em meio a um elevado índice de desemprego.

Alguns jovens agricultores enrolaram as mangas e desprezaram a convenção, deixando para trás empregos confortáveis. Eles tendem a ser pessoas que têm meios para alugar ou comprar grandes áreas de terra e suportar um prejuízo. Muitas vezes têm pouco mais treinamento sobre criação de galinhas e cultivo do solo do que o encontrado em vídeos no YouTube. Mas estimulando seu trabalho há a sensação de que está em jogo o futuro econômico da África.

"Temos de tornar a agricultura 'sexy'", disse Emmanuel Ansah-Amprofi, enquanto trabalhadores em sua fazenda em Gomoas Mpota, na região central, plantavam mudas de mandioca em fileiras precisas.

Alguns anos atrás, Ansah-Amprofi trabalhava em direito migratório, quando descobriu em um mercado local que a cebola que comprava era importada da Holanda.

Trabalhadores plantam mandioca na fazenda de Emmanuel Ansah-Amprofi, ex-advogado de imigração que decidiu ajudar Gana a cultivar sua própria comida - Nana Kofi Acquah/The New York Times

"Fiquei realmente bravo com nosso país", disse Ansah-Amprofi, 39. "Como podemos importar tantos legumes e ter tantos jovens nas ruas? Como podemos ter toda essa terra boa, bom clima, muitas reservas de água, e ainda importarmos cebolas? Fui direto para casa e googlei: 'É difícil cultivar a terra?'"

Dois anos depois, em 2016, ele começou uma fazenda plantando frutas e legumes variados, e também ajudou a fundar a Trotro Tractor, um app que permite a agricultores que antes aravam manualmente alugar tratores compartilhados.

Para Azumah, 27, o futuro são os ratos gigantes. E caramujos gigantes.

Ambos são alimentos muito apreciados em Gana, e geralmente colhidos na natureza. Azumah, que tem diploma em ciências sociais, avistou uma oportunidade perdida: a criação em cativeiro. Quando ele contou à sua mãe, Martha Amuzu, ela chorou.

"Chorei sim", disse Amuzu, em sua casa de fazenda na região de Volta, a cerca de quatro horas de Accra, a capital. "Minha expectativa era que ele fosse aperfeiçoar sua educação, trabalhar em um escritório usando terno e gravata."

Diante de sua porta, o filho transformou o que era um pequeno terreno de subsistência no "Mestres do Caramujo da África Ocidental", seu criadouro de caramujos.

Ele começou com 500 caramujos do tamanho de um punho, tirados do chão da floresta em Gana na temporada de chuvas, quando são abundantes. Em uma tarde recente, Azumah passeava entre os barracões recém-construídos, testando a umidade e a alcalinidade do solo. Em outra construção, ele colocou folhas nas gaiolas de roedores gigantes chamados de corta-gramas ou ratos-da-cana (Thryonomys swinderianus).

Quando sua mãe viu seus métodos modernos, foi conquistada. "Há outros trabalhando em empregos de colarinho-branco que mal são pagos", disse ela.

Azumah produz hoje oficinas online para interessar outras pessoas a criar caramujos. "Para mim, o diploma universitário diz que você aprendeu a pensar fora da caixa, a encontrar soluções" para problemas como a pobreza e a insegurança alimentar, disse ele.

Embora cerca de 60% da população africana tenha menos de 24 anos, a idade média dos agricultores é 60, segundo a Organização para Alimentação e Agricultura da ONU. Sem intervenção, dizem especialistas, a África corre o risco de não ter ninguém para substituir seus agricultores quando morrerem.

Ao mesmo tempo, o baixo uso de fertilizantes e a dependência de coisas como irrigação com água da chuva deixaram a África com colheitas que são apenas 20% a 30% do que poderia ser produzido, segundo pesquisas.

Fazenda em Aburi Agyanua, Gana
Fazenda em Aburi Agyanua, Gana - Nana Kofi Acquah/The New York Times

Apesar de haver grandes fazendas bem-sucedidas no continente, a maioria dos agricultores da África subsaariana são pequenos proprietários que cultivam um acre (4.000 m2) ou menos. Muitos mal conseguem alimentar suas famílias, quanto menos envolver-se em empreendimentos.

Desde que o presidente Nana Akufo-Addo assumiu o cargo, em 2017, Gana fez do aumento da produtividade agrícola uma iniciativa chave.

Augustine Collins Ntim, vice-ministro de governo local e desenvolvimento rural, disse que ficou chocado ao descobrir em suas viagens aos Estados Unidos e à Europa que alguns agricultores eram abastados.

"Você volta aqui para Gana e nossos agricultores vivem na pobreza abjeta", disse ele. "A diferença era compromisso político e liderança."

Mais de 2.700 funcionários agrícolas foram mobilizados pelo país, cada um com uma moto dada pelo governo, para ensinar aos agricultores as melhores práticas, como quais colheitas são mais adaptadas à mudança climática.

Mesmo com o apoio do governo, a agricultura ainda encerra um estigma que leva os professores a dizer aos estudantes que se não estudarem bem acabarão plantando mandioca.

Mas as celebridades responderam ao chamado: uma canção pop mostra cantores dirigindo tratores e exortando as crianças a começar a plantar, e há vários reality shows sobre a atividade agrícola.

"Temos de mostrar às pessoas que a agricultura é chique", disse Emmanuella Pi-Bansah, estudante de graduação encarregada de tirar a casca de escargôs na Mestres do Caramujo.

De abotoaduras e gravata, sentado em sua mansão em Accra, Richard Nunekpeku, 34, quer projetar o que sua nova raça de agripresário pode alcançar. Cinco anos atrás, ele deixou um emprego bem pago de gerente de marketing internacional na Samsung para criar aves, plantar cereais e legumes por meio de uma cooperativa, a Anyako Farms.

Não foi fácil. Em seu primeiro ano, ele investiu quase US$ 80 mil plantando milhete —mas, sem irrigação, um período de seca arrasou a plantação. A colheita só rendeu US$ 8.000.

Aproveitando seu passado corporativo, Nunekpeku recomeçou, contratando pesquisadores em solos e fertilizantes e investindo em irrigação de alta tecnologia. Neste ano sua fazenda deverá cobrir os custos pela primeira vez, disse ele.

Um avanço na tecnologia para aumentar a produtividade está ajudando a tornar a agricultura mais moderna e lucrativa. O número de start ups de tecnologia agrícola na África cresceu exponencialmente de 2016 para 2018, segundo uma reportagem do site de notícias de tecnologia Disrupt Africa.

Para alguns jovens agricultores, não basta atrair sua geração para o setor. Nana Adjoa A. Sifa, 31, que é formada em psicologia, quer mudar totalmente o modo de plantar.

Após anos trabalhando para envolver jovens e mulheres na agricultura, ela se tornou agricultora. Não usa pesticidas em sua fazenda, a Guzakuza —planta no mesmo lote legumes que se beneficiam mutuamente.

"Quero transformar a mentalidade, e a África", disse Sifa, segurando um broto de cenoura orgânica. "Se falharmos, quer dizer que a indústria falhou. Significa que falhamos com muitos jovens."

Richard Nunekpeku, que deixou um emprego de alto salário na Samsung para se dedicar à atividade agrícola - Nana Kofi Acquah/The New York Times

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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