Descrição de chapéu The Washington Post

Gravação revela que Reagan chamou de macacos delegação da Tanzânia na ONU em 1971

Ao telefone com Richard Nixon, republicano reagiu ao apoio à soberania da China sobre Taiwan

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Morgan Krakow Tim Elfrink
The Washington Post

​Era outubro de 1971, e a ONU havia acabado de votar o reconhecimento da República Popular da China.

Ronald Reagan, então governador da Califórnia, ficou enfurecido porque as delegações africanas não se alinharam à posição dos Estados Unidos —a de que a ONU deveria reconhecer Taiwan como um Estado independente— e quis falar ao telefone com o então presidente Richard Nixon. 

Ele aparentemente ficou enojado ao ver membros da delegação tanzaniana celebrando a decisão da ONU de apoiar a soberania da China sobre Taiwan.

O ex-presidente Ronald Reagan discursa durante inauguração da biblioteca que leva seu nome na Califórnia
O ex-presidente Ronald Reagan discursa durante inauguração da biblioteca que leva seu nome na Califórnia - J.DVID.AKE - 4.nov.91/AFP

"Ver aqueles, aqueles macacos dos países africanos —malditos sejam, eles se sentem desconfortáveis usando sapatos", disse Reagan. Nixon respondeu com uma grande risada.

"É, e eles então... É o rabo sacudindo o cachorro, não? O rabo sacudindo o cachorro", respondeu Nixon.

A conversa entre Reagan, que viria a se tornar o 40º presidente dos Estados Unidos, e Nixon foi publicada pela revista The Atlantic.

Tim Naftali, professor de história na Universidade de Nova York e ex-diretor da Biblioteca Presidencial Nixon, trabalhou para obter a liberação da gravação e escreveu o artigo subsequente sobre ela para a revista.

Os Arquivos Nacionais americanos retiveram os comentários racistas ao divulgar a gravação pela primeira vez, em 2000, o que Naftali diz ter sido feito para proteger a privacidade de Reagan.

Mas depois da morte do republicano, em 2004, e em meio a um processo continuado de revisão pelos Arquivos Nacionais, Naftali conseguiu a liberação da conversa completa.

"Foi pior do que eu esperava", disse o historiador ao Washington Post, em referência ao teor da gravação. 

"A combinação do insulto racial de Reagan e [o fato] de Nixon repeti-lo não só uma mas duas vezes em conversas posteriores. Foi um momento revelador não só quanto ao que Ronald Reagan pensava sobre os africanos em 1971, e possivelmente mais tarde, mas também um lembrete da maneira pela qual Nixon mantinha posições racistas, mas não se considerava racista."

Depois da conversa com Reagan, Nixon ligou para seu secretário de Estado William Rogers e empregou a mesma linguagem que Reagan havia usado para descrever sua frustração sobre a decisão da ONU.

"Como você pode imaginar, há um forte sentimento de que não deveríamos, como [Reagan] disse, ele viu esses, como ele disse, ele viu esses... Uh, esses canibais na televisão ontem à noite, e comentou: 'Jesus, eles nem usam sapatos, e os Estados Unidos vão ter de submeter seu destino a isso', e assim por diante", disse o então presidente na conversa gravada.

Em uma segunda conversa com Rogers no mesmo dia, Nixon falou sobre a repulsa de Reagan outra vez.

Foi gravado dizendo que "Reagan quase vomitou" e que o governador da Califórnia tinha dito que "esse bando de sujeitos que ainda nem usam sapatos está chutando a cara dos Estados Unidos", caracterizando os sentimentos de Reagan sobre o acontecido, de acordo com Naftali.

Mas Nixon também estava insatisfeito com o acontecido naquele outubro. Mesmo antes da conversa telefônica com Reagan, ele já tinha solicitado o cancelamento de todos os seus futuros encontros com líderes africanos cujos votos tivessem sido contrários à posição americana, de acordo com a Naftali.

Na época, o Departamento de Estado de Nixon disse que manobras francesas e britânicas tinham causado o cancelamento das reuniões.

"Não me apresente o problema de que é difícil cancelar porque já aceitamos", Nixon foi gravado dizendo a Alexander Haig, assessor assistente de segurança nacional. "Cancele e pronto; diga que não vou estar na cidade."

Os biógrafos de Reagan e os historiadores continuam a enfrentar dificuldades para conciliar a gravação recentemente divulgada e o histórico pessoal do presidente.

Como apontou Naftali para The Atlantic, as posições racistas de Nixon são bem documentadas, mas os diários pessoais de Reagan estão livres desse tipo de retórica. 

Algumas das políticas mais divisivas de Reagan —como o apoio ao apartheid na África do Sul e a invenção do clichê "rainha da previdência social"— podem ser encaradas de outra maneira agora.

"Deixo aos estudiosos de Reagan lidar com isso e [como] conectar os comentários sobre as rainhas da previdência e o que isso pode ou não pode dizer sobre a postura geral dele quanto a questões raciais", afirmou Naftali.

Um desses estudiosos descreveu a nova gravação como "chocante".

"Fiquei pasmo. Isso é espantoso", disse Bob Spitz, autor de "Reagan: An American Journey" (Reagan: uma jornada americana).

Spitz obteve acesso aos arquivos pessoais do presidente para seu livro, e disse não ter encontrado qualquer sinal neles de que o presidente mantinha posições como as que comunicou Nixon.

"Em toda a minha cuidadosa pesquisa em seus documentos privados, jamais encontrei um exemplo de racismo de Reagan", disse.

"Geralmente, quando uma pessoa diz que ela nada tem de racista, encaro a afirmação com ceticismo, mas nesse caso, depois de todo o meu trabalho, me apanhei balançando a cabeça. Foi um choque."

Naftali disse que espera que sua pesquisa encoraje outros pesquisadores a avaliar os amplos registros disponíveis sobre todos os presidentes.

A gravação de Reagan também deve causar mais debate sobre as visões presidenciais quanto a questões raciais, e seu impacto sobre a política concreta.

"Compreender de que maneira nossos presidentes pensam sobre raça não é um esforço para destruir sua reputação, e sim uma forma de entender o que propele suas decisões", disse.

"Não é um jogo partidário, e sim entender como essas pessoas dotadas do poder que lhes conferimos como resultado de uma eleição o usaram. Se as mentes deles estão envenenadas pelo preconceito, precisamos saber."

Tradução de Paulo Migliacci

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