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Liderança da FAO é passo importante para China expandir atuação na ONU

Qu Dongyu substitui o brasileiro José Graziano na entidade que combate a fome no mundo

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Adriana Abdenur
Rio de Janeiro

O novo diretor da FAO, o chinês Qu Dongyu, enfrentará um desafio de proporções planetárias: como tornar mais saudáveis e sustentáveis os sistemas de produção, distribuição e consumo de alimentos?

Com o acirramento do protecionismo e da guerra comercial entre a China e os Estados Unidos, Qu assume o cargo em um momento de encruzilhada para a alimentação mundial, no qual a China desempenha um papel de protagonismo. 

As prioridades apontadas por Qu serão determinantes para a capacidade do órgão em atingir objetivos tais como a eliminação da fome até 2030. No entanto, ele assume o posto em um momento em que o multilateralismo tradicional sofre frequentes ataques; políticos nacionalistas defendem a narrativa de soberania; e cortes orçamentários atingem todo o sistema ONU.

Apesar de o mandato ser institucional, a visão que cada diretor-geral traz à agência é moldada pela formação e pelas experiências do indivíduo que ocupa o cargo. Portanto, a chefia traz uma importância simbólica e estratégica para o seu país de origem. Não é à toa que, até recentemente, o governo brasileiro se esforçava para emplacar mais brasileiros em posições de liderança dentro do sistema ONU, incluindo o próprio José Graziano, que se candidatou à liderança da FAO em 2011 e venceu. 

Qu Dongyu, que será o novo diretor-geral da FAO, em Roma - Vincenzo Pinto - 23.jun.2019/AFP

Graziano levou para a organização a sua experiência à frente do programa Fome Zero. Manteve, durante seus dois mandatos, uma ênfase forte sobre o papel dos programas sociais, tais como o Bolsa Família, no combate à fome e à desnutrição, e no acesso à alimentação de qualidade. Também trouxe inovações de sustentabilidade, combatendo os impactos climáticos da produção agrícola.

Para a China, ter Qu na liderança da FAO é um passo importante na sua estratégia mais ampla de expandir a atuação chinesa junto à ONU.  

Embora a República Popular da China ocupe um assento permanente no Conselho de Segurança desde 1971, quando substituiu Taiwan, até recentemente seu papel dentro do sistema era um tanto tímido. O país costumava exercer o poder de veto no Conselho ou se manifestar de forma mais vocal no resto do sistema apenas quando a liderança do Partido Comunista Chinês sentia que interesses nacionais eram ameaçados diretamente, e em certas temáticas na agenda dos direitos humanos.

Essa postura vem mudando consideravelmente, à medida que a China se consolida como potência econômica com alcance global. Hoje, os chineses não se contentam em participar das discussões e iniciativas do multilateralismo: ambicionam, cada vez mais, liderar tais iniciativas, ocupando o espaço deixado pelos Estados Unidos, que se retraem da cooperação internacional.

Para a China, questões de segurança alimentar se tornaram um fator de sobrevivência — não apenas da população, cuja alimentação ainda depende da importação de commodities, mas também no plano político. Por isso, Pequim investe pesadamente na modernização da agricultura chinesa, ao mesmo tempo que incentiva investimentos ao redor do mundo, inclusive na América Latina e no Caribe. 

Resta ver como a visão chinesa, e sua ênfase sobre produção e comércio, irá influenciar a direção da FAO no seu objetivo de erradicar a fome em apenas uma década, promovendo também a saúde e a sustentabilidade.

Adriana Abdenur é socióloga e compõe o Comitê de Políticas de Desenvolvimento das Nações Unidas.

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