Bolsonaro na ONU: das palmas irônicas de Merkel ao elogio de Trump, as reações ao discurso do presidente brasileiro

Tom de brasileiro foi considerado agressivo e direcionado a seus militantes mais aguerridos

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Mariana Sanches
Nova York | BBC News Brasil

Quatro palmas lentas com sorriso irônico. Essa foi a reação da chanceler alemã, Angela Merkel, ao discurso do presidente Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia Geral da ONU.

Em pouco mais de meia hora, o presidente brasileiro desfez a expectativa de que adotaria um tom conciliador e afirmou que a preocupação da comunidade internacional sobre a Amazônia é motivada por "colonialismo".

Nesse contexto, atacou nominalmente França e Alemanha.

"A Organização das Nações Unidas teve papel fundamental na superação do colonialismo e não pode aceitar que essa mentalidade regresse a estas salas e corredores, sob qualquer pretexto. Não podemos esquecer que o mundo necessita ser alimentado. A França e a Alemanha, por exemplo, usam mais de 50% de seus territórios para a agricultura, já o Brasil usa apenas 8% de terras para a produção de alimentos", afirmou.

Bolsonaro disse ainda que lideranças indígenas que denunciam o desmatamento da floresta, como o cacique caiapó Raoni Metuktire, "são usados como peça de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia".

'Bem comum'

A resposta do presidente francês Emmanuel Macron, com quem Bolsonaro protagonizou intensa discussão no final de agosto sobre as queimadas na floresta, veio do lado de fora da sala de Conferência das Nações Unidas.

Embora tenha dito que não ouviu o discurso de Bolsonaro, Macron comentou as afirmações do brasileiro.

"Queremos ajudar as pessoas da Amazônia. Temos muitas pessoas envolvidas no futuro da Amazônia e acho que o que queremos fazer é ajudar as pessoas que vivem lá, com completo respeito pela soberania, ajudando o povo. Não é questão de lobby ou interesse, os lobbies são para destruir a floresta para seus próprios interesses. O que nós queremos fazer é ajudar pessoas para elas mesmas e para o futuro da Amazônia, porque é um bem comum."

Na sequência, Macron conversou por cerca de cinco minutos com o governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), no que a delegação francesa qualificou como um "encontro bilateral".

Macron não teve nenhuma agenda com Bolsonaro ou mesmo com o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo.

Na conversa com Góes, o presidente francês se disse disposto a conversar e trabalhar diretamente com os governos estaduais, sem necessariamente passar pelo Planalto.

"O que nós vamos sempre deixar claro para o presidente Bolsonaro é que é preciso baixar o tom das palavras. É impossível avançar na solução dos problemas sem manter as relações diplomáticas", afirmou Góes, visivelmente contrariado com o discurso do presidente.

De acordo com Góes, ele e outros governadores do Consórcio da Amazônia Legal, que compreende os Estados com área florestal amazônica, fizeram recomendações e pedidos diretos ao presidente em relação ao discurso. Não foram contemplados no resultado final da fala.

Os governadores estudam, agora, manter conversas diretamente com autoridades alemãs e norueguesas para tentar reestabelecer os depósitos de quase R$ 300 milhões dos dois países para o fundo Amazônia, cortados em julho depois de questionamentos da gestão Bolsonaro sobre a destinação dos recursos.

A avaliação de políticos e de quadros do governo é que, diante de 192 líderes mundiais, Bolsonaro optou por falar para o seu eleitorado cativo.

Ao mencionar temas como o Foro de São Paulo, os médicos cubanos do programa Mais Médicos e dizer que o Brasil quase virou um país socialista, o presidente teria confundido o plenário da ONU com o da Câmara dos Deputados, no qual passou sete legislaturas.

"O que é importante ficar claro é que nem o Brasil pode ficar de costas para esse debate nem o mundo pode ficar debatendo de costas para quem vive na Amazônia. É uma obrigação dos governos estarem nesse diálogo", lamentou Goes.

Reações positivas

Se causaram frustração nas delegações europeias, as palavras de Bolsonaro foram recebidas com entusiasmo pelo presidente americano, Donald Trump, que o sucedeu no púlpito da Assembleia Geral.

"Grande discurso, grande discurso, grande discurso", disse Trump, apertando as mãos do brasileiro e dando-lhe tapas nos ombros.

O registro foi feito pela própria equipe de Bolsonaro, que a postou nas redes sociais do presidente com um agradecimento pela "consideração".

Trump foi diretamente citado por Bolsonaro durante seu discurso. O brasileiro agradeceu explicitamente o apoio americano no G7 para impedir que o tópico Amazônia fosse incluído no relatório final da reunião dos sete países mais poderosos do mundo há cerca de um mês, como desejava a França.

Nas palavras de Bolsonaro, Trump "bem sintetizou o espírito que deve reinar entre os países da ONU: respeito à liberdade e à soberania de cada um de nós".

Havia a expectativa de que o brasileiro mantivesse ao menos uma reunião bilateral com Trump, mas até agora não há previsão para o encontro.

O brasileiro confirmou que irá à recepção oferecida por Trump aos líderes da Assembleia Geral em um hotel em Nova York, no início da noite desta terça.

Será o último compromisso da agenda de Bolsonaro antes de retornar ao Brasil.

No discurso, além do afago aos Estados Unidos, com o qual Bolsonaro diz ter firmado "parceria abrangente e ousada em todas as áreas", ele mencionou como aliados internacionais Chile, Israel e Argentina.

Ao contrário de governos anteriores, a atual gestão não privilegia os contatos com a maioria dos países em desenvolvimento ou a chamada "cooperação Sul-Sul".

Bolsonaro usou ainda o discurso para reafirmar seu compromisso com o combate à corrupção: "Seguiremos contribuindo, dentro e fora das Nações Unidas, para a construção de um mundo onde não haja impunidade, esconderijo ou abrigo para criminosos e corruptos".

Sua postura foi aprovada pela delegação da Nigéria que assistia ao discurso. Segundo eles, Bolsonaro é "um homem forte", que lembra o presidente nigeriano Muhammadu Buhari, um militar com discurso feroz contra a corrupção.

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