Militares fiéis ao presidente de El Salvador ocupam Congresso do país

Presidente salvadorenho dá ultimato para aprovação de empréstimo e incita apoiadores a insurreição

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San Salvador (El Salvador)

Militares e policiais fiéis ao presidente salvadorenho, o centro-direitista Nayib Bukele, 38, ocuparam na noite deste domingo (9) o Congresso para pressionar os deputados a aprovarem um empréstimo de US$ 109 milhões (cerca de R$ 470 milhões) que o mandatário pleiteia para seu programa de combate ao crime.

Com o salão tomado pelos militares armados, Bukele deu um ultimato: uma semana para aprovar o empréstimo.

“Se esses sem-vergonhas não aprovarem o plano de controle territorial (de segurança), voltaremos a convocar uma sessão para o domingo. Esses sem-vergonhas não querem trabalhar para o povo. Vamos dar a eles uma semana. Se não aprovarem, não vou impedir vocês ou o artigo 87 da Constituição”, afirmou.

Esse artigo reconhece “o direito do povo à insurreição, para o único objetivo de restabelecer a ordem constitucional alterada pela transgressão das normas relativas à forma de governo ou ao sistema político estabelecido”.

Na interpretação de Bukele, o Congresso tem se recusado a cumprir seus deveres constitucionais, e isso permitiria à população se insurgir caso o Legislativo não aprove o empréstimo.

Quando membros da polícia e das Forças Armadas entraram no Salão Azul do Congresso, neste domingo, alguns dos poucos legisladores presentes se retiraram e afirmaram que havia um rompimento da ordem constitucional e da democracia.

Por meio do conselho de ministros, Bukele havia convocado na quinta-feira (6) uma sessão extraordinária do Congresso para este domingo (9), com o objetivo de aprovar imediatamente o empréstimo do Banco Centroamericano de Integração Econômica para combate às gangues. O presidente afirmou que a convocação estava amparada na Constituição.

Embora as taxas de homicídios tenham caído significativamente em El Salvador, gangues ainda controlam uma grande área no país centro-americano.

Os deputados argumentaram que não havia uma explicação detalhada de como o dinheiro seria usado e não havia justificativa para uma convocação extraordinária, que só se aplicaria em caso de emergência nacional.

Dos 84 deputados da Assembleia, só 20 compareceram à sessão extraordinária. O presidente do Congresso, Mario Ponce, não foi à sessão, e Bukele tomou seu assento.

“Vamos dar início a esta sessão plenária extraordinária tal como determina o artigo 167 da Constituição”, disse Bukele.

“Os deputados que não estão aqui estão em desacato constitucional”, disse o presidente. “Agora está muito claro quem tem o controle da situação. Vamos pôr nas mãos de Deus a decisão que vamos tomar agora”, e começou a rezar.

Segundo a imprensa local, Bukele então se dirigiu a uma multidão de cerca de 5.000 apoiadores que o esperava em uma das saídas do Legislativo e a convocou novamente a uma insurreição para pressionar o Parlamento.

“Deus nos dê sabedoria para saber que passos vamos tomar, e depois a decisão será de vocês”, disse, segundo relatos da imprensa local. Ele afirmou que havia acabado de conversar com Deus, que lhe havia dito para esperar.

“Se quiséssemos apertar o botão, era só apertarmos. Mas, mas, mas, mas perguntei a Deus e Ele me disse: paciência, paciência, paciência.”

Ex-prefeito da capital, ​San Salvador, Bukele foi eleito em 2019 com um discurso de ruptura com o tradicional bipartidarismo do país e uma campanha baseada em redes sociais. Ele não participou de nenhum debate com os demais candidatos. Uma de suas promessas era o combate à criminalidade, além da defesa da moralidade na administração pública.

Oposição e entidades condenam atitude do presidente

Opositores de Bukele e entidades de direitos humanos condenaram a pressão sobre os deputados.

Os partidos de oposição de esquerda, a Frente Farabundo Martí de Liberación Nacional (FMLN), e de direita, Aliança Republicana Nacionalista (Arena), recusaram-se a participar da sessão.

A Arena pediu uma intervenção da comunidade internacional “para evitar o rompimento da ordem constitucional em El Salvador e para que atue para evitar o processo de autogolpe em curso”. Dos 84 deputados, apenas 11 são governistas. A Arena tem a maior bancada (37), seguida da FMLN (23).

Órgãos de direitos humanos questionaram a convocação em regime de urgência, afirmando se tratar de uma quebra do princípio de separação de Poderes.

O Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos divulgou nota pedindo “diálogo e respeito total às instituições democráticas”. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Cidh) pediu respeito à “separação de Poderes e à Constituição”. E a Fundação Salvadorenha para o Desenvolvimento Econômico e Social pediu” a retirada das Forças Armadas” de dentro do Legislativo.

Segundo a imprensa local, vários deputados da oposição afirmaram que policiais foram até suas casas para levá-los até a Assembleia para participar da sessão extraordinária. Muitos afirmaram estar sitiados em casa e denunciaram um autogolpe.

“Denunciamos à comunidade internacional que nossos legisladores e suas famílias estão sendo perseguidos por autoridades policiais e de inteligência do Estado, por ordens superiores”, disse o partido Arena em sua conta numa rede social. A polícia negou a acusação.

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