Eles planejaram uma vida juntos em Singapura. A pandemia os separou

Cônjuges estão isolados em continentes diferentes enquanto coronavírus cresce no país asiático

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São Paulo

Quando planejaram a mudança para Singapura, os brasileiros Fábio Oliveira e Bárbara Simões queriam ficar juntos sem que a distância os afastasse outra vez.

Namorados desde o ensino médio, o casal já havia passado dois longos períodos separados.

Primeiro quando ele ganhou uma bolsa de estudos durante a faculdade de engenharia para fazer um curso de um ano na Filadélfia. Depois, quando voltou a morar nos Estados Unidos, também durante um ano, mas daquela vez a trabalho.

“O combinado era de que, na próxima mudança, ela viria junto. Os sacrifícios da distância tinham acabado”, diz Fábio, 29.

O casal projetou a mudança com vários meses de antecedência. A confirmação de que o plano se realizaria —uma carta-convite da multinacional de produtos de higiene pessoal na qual o engenheiro trabalha— chegou no dia 25 de dezembro do ano passado, "como um presente de Natal".

O casal Fábio Oliveira e Bárbara Simões em Santa Rita do Sapucaí, em Minas Gerais
O casal Fábio Oliveira e Bárbara Simões em Santa Rita do Sapucaí, em Minas Gerais - Acervo pessoal

Começaram então os preparativos para se mudar de São José dos Campos, incluindo um casamento às pressas no final de janeiro para que Bárbara pudesse obter o visto de residência e dividir o plano de saúde com o marido.

Mas o surgimento da pandemia de coronavírus fechou as fronteiras e jogou areia em seus planos de vida conjunta na Ásia, deixando-os isolados em continentes separados por tempo indeterminado.

Fábio aterrissou em Singapura em 27 de fevereiro e começou a trabalhar logo em seguida. Naquele mês, a cidade-estado era considerada um exemplo de sucesso no combate ao coronavírus, com amplo programa de testes, checagem da temperatura de viajantes em aeroportos e mecanismos para rastrear quem teve contato com infectados.

A primeira onda de infecções parecia sob controle, e os 5,6 milhões de habitantes locais foram inicialmente poupados de medidas mais duras de isolamento social.

Pelo combinado, Bárbara chegaria um mês mais tarde, para uma visita de reconhecimento que duraria poucos dias.

Ela então voltaria ao Brasil, pediria demissão de seu emprego como professora de direito em uma universidade em São José dos Campos e retornaria a Singapura de forma definitiva em maio ou junho, com a ideia de recomeçar a carreira ao lado do marido.

A primeira passagem estava marcada para 21 de março, justamente quando residentes do país asiático, temendo o fechamento de fronteiras, retornavam para casa vindos do exterior —trazendo com eles centenas de novos casos de coronavírus.

A partir daquele momento, Singapura adotou medidas drásticas para conter a expansão da Covid-19.

Quem retornava do exterior deveria ficar em quarentena obrigatória de duas semanas, a entrada de visitantes temporários foi barrada e, no início de abril, o governo decretou um lockdown tão estrito quanto o de países da Europa —chamado de “circuit breaker” localmente, vai pelo menos até o dia 1º de junho.

Em paralelo, surtos de coronavírus começaram a aparecer em dormitórios que abrigam milhares de migrantes de países do sul da Ásia —como Índia e Bangladesh—, que trabalham na construção civil.

Apesar de já ter a documentação legal, Bárbara não foi. Segundo Fábio, ela teria que ficar dentro de casa por 14 dias após sua chegada, além de atender telefonemas do Ministério da Saúde local sempre que ligassem, para comprovar que estava bem e que não tinha saído.

“Isso fez com que a gente desistisse. Primeiro porque eu não tinha um endereço fixo ainda, teria que me mudar do hotel para um apartamento neste período e não sabia as implicações disso na condição da ordem de ficar em casa dela”, conta Fábio.

"E o governo estava cada vez mais estrito, deportando estrangeiros por qualquer deslize nesse processo."

Para evitar a solidão, Bárbara, 27, se mudou do apartamento onde morava com Fábio havia dois anos para a casa dos pais no sul de Minas Gerais.

Com o início da quarentena no Brasil, em meados de março, a universidade onde ela leciona adotou o sistema de ensino a distância, o que lhe permite continuar trabalhando.

Ela relata sentir uma “angústia muito grande” pelo marido, que está sozinho em um país desconhecido, sem ter muito o que fazer fora do horário de trabalho, e por estarem separados logo após o casamento. “Mas com as saudades já estou um pouco acostumada.”

O casal Fábio Oliveira e Bárbara Simões no Parque do Ibirapuera, em São Paulo
O casal Fábio Oliveira e Bárbara Simões no parque Ibirapuera, em São Paulo - acervo pessoal

Enquanto isso, a mais de 15 mil km, Fábio trabalha entre 10 e 11 horas por dia em esquema de home office e fala com a mulher e os amigos no início da manhã e no final da noite, devido à diferença de 11 horas no fuso horário de Singapura para o Brasil.

“Provavelmente vou completar 105 dias sem sair de casa”, projeta, levando em conta o prazo para a quarentena local acabar.

“Eu sabia que ia encontrar dificuldades na mudança para a Ásia, como costumes diferentes de alimentação e de relacionamento entre pessoas, mas não contava com o fato de eu estar sozinho durante todo esse tempo. O mais proximo de um contato humano que eu tenho é via Skype e WhatsApp.”

O casal agora está num limbo, sem previsão de quando vai se encontrar novamente. Além da dificuldade de conseguir voos do Brasil para lá, a situação do coronavírus em Singapura piorou neste último mês.

Com quase 15 mil casos confirmados de Covid-19, a cidade-estado é hoje o quinto local asiático em número de registros da doença, atrás de China, Índia, Japão e Paquistão.

A imensa maioria das infecções ocorreu entre trabalhadores estrangeiros alojados em dormitórios. Eles passaram a ser transferidos para centros de isolamento mesmo que apresentem apenas sintomas leves.

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