Manifestante morre na segunda noite de protesto e conflito com a polícia na Belarus

Bielorrussos rejeitam resultado oficial da eleição, que deu 80,08% dos votos a líder autocrata Aleksandr Lukachenko

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Bruxelas

Ao menos um manifestante morreu em contronto com policiais na noite desta segunda (10) em Minsk, capital da Belarus. Bielorrussos protestam contra o resultado da eleição para presidente, que, segundo o resultado oficial, deu ao atual líder autocrata Aleksandr Lukachenko 80,23% dos votos.

De acordo com o Ministério do Interior, por volta das 23h (horário local, 17h no Brasil), o manifestante teria tentado "lançar contra a polícia um artefato explosivo não identificado" que explodiu, provocando a morte.

Vídeos nas redes sociais mostravam conflitos com forças policiais em várias cidades, com uso de gás, granadas de dissuasão e manifestantes feridos. Em Minsk, o canal de TV Euronews afirmou que milhares de manifestantes se espalharam em "dezenas ou até centenas" de protestos pela cidade.

Motoristas bloquearam ruas para impedir a passagem da polícia, e vídeos mostravam agentes de segurança tentando passar com suas viaturas pela calçada.

Segundo a correspondente local Anelise Borges, os manifestantes dizem que continuarão nas ruas apesar da repressão, "porque esta é a chance de conquistar a liberdade". Borges afirmou também que a internet não está funcionando no país.

Em entrevista mais cedo ao mesmo canal, Lukachenko afirmou que não permitiria protestos contra o resultado das eleições e faria o necessário para "impedir que o país seja despedaçado".

Por volta da meia-noite (horário local, perto das 18h no Brasil), havia relatos nas redes sociais de que o governo havia mandado tropas do Exército para a rua.

Policiais de preto em volta de manifestante encolhido no chão
Conflito entre polícia e manifestantes no segundo dia de protestos contra o resultado das eleições na Belarus - Sergei Gapon/AFP

Os atos começaram na noite de domingo, logo depois do anúncio de uma pesquisa oficial que dava ao líder autocrata cerca de 80% dos votos. Manifestantes então tomaram as ruas em várias cidades e foram reprimidos com violência incomum, segundo analistas.

Além de canhões de água e de gás lacrimogêneo, houve uso de balas de borracha e granadas de efeito moral, o que não faz parte do padrão da polícia nesse tipo de repressão. Segundo a agência de notícias russa RIA, o Ministério do Interior afirmou que cerca de 3.000 pessoas foram presas.

Nesta segunda, manifestantes pediam ajuda em redes sociais. "Estamos desarmados, eles estão nos matando, SOS", dizia uma das mensagens. A TV independente Belsat afirmou que tropas especiais (spetsnaz) fizeram um cordão em volta do Ministério das Relações Exteriores e que havia barreiras de arame farpado protegendo outros prédios do governo.

Na manhã desta segunda, a candidata de oposição Svetlana Tikhanovskaia rejeitou o resultado oficial, que lhe deu 9,9% dos votos. “Só acredito em meus próprios olhos, e tínhamos a maioria”, afirmou. Não há pesquisa independente na Belarus, mas ambos os números são considerados questionáveis por analistas.

Tikhanovskaya, 37, uma dona de casa e mãe de dois filhos que assumiu a candidatura depois que seu marido, o blogueiro Sergei Tikhanovski, foi preso pelo regime de Lukachenko, afirmou que a eleição foi “extensamente fraudada”.

Às 22h30 (horário local, 16h30 no Brasil), o ministro das Relações Exteriores da Lituânia, Linas Linkevicius, disse estar preocupado com a segurança da candidata: "Tentei falar com Svetlana Tikhanovskaia por várias horas. Seu paradeiro não era conhecido nem mesmo por sua equipe".

Segundo jornalistas, havia informações desencontradas mesmo entre seus auxiliares.

Moça de roupa branca e cabelos presos em rabo de cavalo põe a mão sobre os lábios, com expressão triste
Svetlana Tikhanovskaia fala à imprensa no dia seguinte à eleição presidencial em Belarus, que ela considera fraudada - Sergei Gapon/AFP

Durante a campanha, sua candidatura, que uniu várias campanhas de oposição reprimidas por Lukachenko, levou dezenas de milhares às ruas do país. Um dos comícios superou 50 mil participantes.

No domingo, houve relatos de zonas eleitorais com mais de 100% de comparecimento, eleitores proibidos de votar ainda que aguardassem em fila quando as urnas fecharam e observadores impedidos de permanecer nos locais de votação. A candidata afirmou que pedirá recontagem de votos nessas seções.

A ausência de pesquisas e de observadores independentes, além da repressão policial, levaram países europeus a pedir uma ação da União Europeia.

Em carta aos presidentes da Comissão Europeia e do Conselho Europeu, o governo polonês pediu uma reunião extraordinária para discutir a situação de Belarus. O Conselho disse à Folha que não há encontros previstos para tratar do país, mas que o panorama está sendo “acompanhado de perto” para determinar que medidas tomar.

Outro governo vizinho, o da Ucrânia, pediu moderação em um comunicado após o anúncio da vitória de Lukachenko, no poder há 26 anos e apelidado de “o último ditador da Europa”.

O relator permanente do Parlamento Europeu para a Belarus, Petras Auštrevicius, afirmou que houve "fraude excessiva dos procedimentos eleitorais" e que a situação do país "requer uma resposta clara e forte da UE".

Ele quer que o bloco ofereça asilo para opositores ameaçados e reveja suas relações com o país.

Em comunicado comum nesta segunda, o alto representante para Relações Internacionais da UE, Josep Borrell, e o comissário de Vizinhança e Expansão do bloco, Olivér Várhelyi, pediram a "libertação imediata de todos os detidos".

"Só a defesa dos direitos humanos, da democracia e de eleições livres e justas garantirá a estabilidade e a soberania na Belarus", diz o comunicado, em que Borrell afirma também estar avaliando a melhor resposta da UE e as relações do bloco com o país da Europa Oriental.

​Sem experiência política, Tikhanovskaia afirmara durante a campanha que, se eleita, convocaria novas eleições livres para a escolha do presidente. Nesta segunda, ela pediu a abertura de negociações sobre a transição pacífica para um novo governo.

Os EUA também pediram que o governo da Belarus evite o uso de força. Ao demonstrar preocupação com a situação, a secretária de Imprensa da Casa Branca, Kayleigh McEnany, citou restrições ao acesso dos candidatos às cédulas, proibição de observadores independentes locais, intimidação de candidatos da oposição e detenção de manifestantes e jornalistas pacíficos.

Assim que o resultado final foi anunciado, o presidente reeleito foi cumprimentado pelos líderes da Rússia, Vladimir Putin, e da China, Xi Jinping.

O destino da Belarus tem importância geopolítica para a Rússia, diz o analista de relações internacionais Maciej Falkowski, porque ela é sua região de influência mais próxima de Kaliningrado, encrave russo na costa do mar Báltico, entre a Lituânia e a Polônia. "Sem a Belarus, a Rússia ficará ainda mais longe do Ocidente", diz Falkowski.

Segundo o analista, o governo russo jogará suas cartas para manter o controle sobre a Belarus. Uma consequência destas eleições pode ser a de que, devido à perda de popularidade de Lukachenko, a Rússia decida fortalecer uma alternativa mais palatável à população bielorrussa, mas confiável para Moscou.

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