Se vencer, vou libertar meu marido e convocar novas eleições, diz candidata surpresa na Belarus

Opositora à reeleição do autocrata Aleksandr Lukachenko, que governa há 26 anos, Svetlana Tikhanovskaia, 37, diz que bielorrussos 'acordaram para a liberdade'

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Bruxelas

A primeira coisa que Svetlana Tikhanovskaia (pronuncia-se Tikanôfskaia) vai fazer se for eleita presidente da Belarus, neste final de semana, será convocar novas eleições, depois de tirar da cadeia seu marido, Serguei Tikhanovski.

Aos 37 anos, mãe de dois filhos e sem nenhuma experiência política, Tikhanovskaia se lançou em campanha no final de maio, após Tikhanovski, então candidato, ser preso pelo regime do autocrata Aleksandr Lukachenko.

A candidata oposicionista da eleição em Belarus, Svetlana Tikhanovskaia, durante entrevista na capital, Minsk
A candidata oposicionista da eleição em Belarus, Svetlana Tikhanovskaia, durante entrevista na capital, Minsk - Serguei Garpon/AFP

No poder há 26 anos e cinco mandatos, Lukachenko (apelidado de “o último ditador da Europa”) já havia sufocado a candidatura de dois outros opositores: prendeu também o ex-banqueiro Viktor Babariko e provocou a fuga do ex-embaixador da Belarus nos Estados Unidos, Valeri Tsepkalo.

A candidatura independente de Tikhanovskaia foi motivo de desprezo do presidente, que acreditava impossível ser derrotado por uma mulher.

Foi surpreendido: apoiada pelas três campanhas de oposição, ela se manteve na disputa mesmo após ameaças que a fizeram mandar os filhos para o exterior, levou centenas de milhares às ruas e é apontada por alguns observadores da Europa Central como risco real, embora improvável, à reeleição de Lukachenko.

Não há pesquisas confiáveis de intenção de voto, e observadores afirmam que nenhuma eleição bielorrussa foi livre ou justa desde a de 1990, quando o país se tornou independente da ex-União Soviética.

A oposição, amparada por diferentes enquetes na internet que dão maioria dos votos a Tikhanovskaia, espera que as ruas mudem a história desta vez. “As pessoas começaram a sentir de novo que têm direitos, ninguém pode me calar nem tem o direito de gritar comigo”, disse ela à Folha, por Skype, durante um intervalo de campanha em Minsk na tarde desta sexta (7).

Um dos principais estopins da mudança foi a atitude do presidente ao negar a gravidade da pandemia de coronavírus, diz ela: “O presidente não mostrou nenhum apreço pelos que morreram. Nosso povo não se sentiu respeitado, suas palavras foram rudes e isso não pode ser perdoado”.

Tikhanovskaia se veste sempre de branco ou usa fitas brancas no pulso, e a cor faz parte da estratégia da oposição para tentar evitar fraudes nesta eleição —as urnas abriram no dia 4 e a eleição termina no domingo (9).

A candidata pediu a seus apoiadores que usem roupas ou fitas brancas, para deixar evidente a proporção dos que se opõem a Lukachenko. Também pediu a seus partidários que deixem para votar nas últimas horas, fotografem seus votos e marquem sua escolha no site Golos (voz, em bielorrusso).

“Não sabemos como o poder é transferido de um presidente para outro, porque nunca vimos isso acontecer em nosso país. Mas, se eu vencer, espero que possa assumir dentro da lei, de forma pacífica”, afirmou.

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Qual o impacto de virar candidata na última hora e ter tido tanto sucesso? Agora se tornou uma parte realmente muito importante da minha vida, porque me sinto responsável por quem acreditou em mim. Mas no começo só assumi esse papel por amor a meu marido.

Com seu marido na cadeia e seus filhos no exterior, onde encontra motivação para seguir adiante? Nem eu mesma sei. Nunca achei que pudesse ter tanta força. Sempre me considerei uma mulher fraca capaz apenas de cuidar dos filhos e cozinhar. Mas no final meu destino colocou essas dificuldades na minha vida e graças a Deus eu descobri essa força.

Pesquisas mostram que a oposição pode levar a maioria dos votos. Teme que, mesmo vencendo, não consiga assumir? Não sabemos como o poder é transferido de um presidente para outro, porque nunca vimos isso acontecer em nosso país. Mas, se eu vencer espero que possa assumir dentro da lei, de uma forma pacífica.

Qual será seu primeiro passo se for eleita? Libertar meu marido e todos os presos políticos e então, com meu marido ao meu lado, vamos preparar novas eleições abertas e livres, em que todos os candidatos terão direito de participar. Assim o país poderá escolher um verdadeiro presidente, que se tornará um líder e trabalhar pela recuperação econômica do país.

Acredita que a oposição, que se reuniu na sua campanha, será capaz de se manter unida para construir um novo governo? Como não tenho nenhuma experiência prévia em política, tenho um time que me apoia agora e continuará comigo no futuro. Mas existe uma administração hoje que será mantida. Não pensamos em demitir todos e construir um novo governo do zero. A polícia continuará onde está, os economistas, os administradores vão ficar, o país precisa deles. Nossa ideia não é arruinar tudo e recomeçar do zero, mas manter tudo funcionando como está agora.

Qualquer futura decisão ficará a cargo do novo presidente. Não pretendo conduzir mudanças.

Manifestação de apoio a Tikhanovskaia em Minsk nesta quinta (6)
Manifestação de apoio a Tikhanovskaia em Minsk nesta quinta (6) - Vasily Fedosenko - 6.ago.20/Reuters

O que diria a cidadãos de outros países que sentem a democracia ameaçada? Na Belarus o principal problema era medo e a perda de confiança em nós mesmos. Ficamos tanto tempo sob uma ditadura que nos esquecemos de como era o sentimento de ser livre, falar francamente, lutar por aquilo em que acreditamos.

É esse sentimento que está voltando pouco a pouco nas pessoas, que as está unindo. Começaram a sentir de novo que são indivíduos, têm direitos, ninguém pode me calar, ninguém tem o direito de gritar comigo, porque sou um cidadão livre.

Nosso presidente não pode dizer barbaridades e grosserias na TV. Ele precisa respeitar os adversários, todas as pessoas.

Os bielorrussos são honestos, trabalhadores, queremos ter uma vida boa, estamos cansados e estamos unidos agora e queremos mudar.

E ninguém está dizendo que será fácil, que virá um presidente e todo mundo terá uma vida melhor.

Absolutamente não, pois nosso país está em uma crise econômica grave. Será difícil, mas será difícil em um país livre, onde cada um terá o direito de dizer o que quiser, de votar no que quiser.

Vê alguma ligação entre as atitudes do presidente durante a pandemia de coronavírus e o apoio à oposição nesta eleição? O coronavírus tem um papel enorme. Todos percebem que há uma pandemia e algo tem que ser feito.

Eu apoio a decisão de não parar o país, porque se todos ficarem em casa, as lojas fecharem, as fábricas pararem, nossa economia que já está anêmica seria arruinada.

Mas se ao menos ele tivesse se dirigido à população de uma maneira correta, se tivesse tido “Povo, querido, há uma pandemia no nosso país, mas não podemos parar de trabalhar porque o dano será maior”, as pessoas concordariam e respeitariam.

Mas a atitude dele de negar o coronavírus, desprezar publicamente, de dizer “estão vendo algum coronavírus por aí? Estão vendo? Ele não existe”.

E não houve apoio aos médicos e enfermeiros, sem equipamentos de segurança, sem dinheiro, obrigados a lutar contra a pandemia por longas horas sem ter onde dormir, porque temiam voltar para casa e infectar suas famílias. O governo não deu nenhum apoio.

O presidente não mostrou nenhum apreço pelas pessoas que morreram por causa do coronavírus.
Nosso povo não se sentiu respeitado por ele, suas palavras foram rudes, desrespeitosas e isso não pode ser perdoado.

Foi ameaçada pessoalmente? Recebi um telefonema anônimo dizendo que, se não parasse a campanha, seria presa e minha filha de 5 anos e meu filho de 10 iriam para o orfanato. Foi muito difícil decidir, mas sentei, refleti e concluí que não poderia me render. Mandei as crianças para fora do país, o que foi muito difícil, porque antes ficava o tempo todo com eles, principalmente meu menino, que tem necessidades especiais. Odiei fazer isso, mas não poderia trair os que confiaram em mim.

Agora meu marido está na cadeia, meus filhos estão no exterior, estou aqui sozinha, mas simplesmente não posso parar.

O que espera do futuro do país? Gostaria que as pessoas se sentissem seguras para andar livres pelas ruas e falar o que quiserem. As pessoas não podem ser ameaçadas na rua só porque acreditam que o país deveria ser governado de uma outra forma. Não podem ir para a cadeia por isso, não podem ser obrigadas a mandar seus filhos para fora porque seus pais querem ser presidentes.

Quero que a Justiça funcione, que todos tenham os seus direitos básicos, sejam livres e se sintam seguros.


Svetlana Tikhanovskaia, 37

Formada em filologia na Universidade de Pedagogia de Mazyr (no sul de Belarus), é fluente em bielorrusso, russo e inglês e, antes de entrar na política, trabalhava como professora e intérprete. Sem nunca ter disputado cargos públicos, virou candidata à Presidência no lugar do marido, o blogueiro Serguei Tikhanovski, que foi preso em maio acusado de agredir um policial.

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