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Nicarágua decreta lei que controla imprensa e redes sociais

Texto prevê prisão para quem difundir informações 'que causem alarme, medo ou ansiedade'

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Manágua | AFP e Reuters

O ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, aprovou por decreto na terça-feira (29) um projeto de lei que pune crimes cibernéticos e divulgação de notícias falsas nas redes sociais.

A lei prevê multas e até quatro anos de prisão para quem, "por meio das tecnologias de informação e comunicação, publicar ou difundir informações falsas e/ou deturpadas que causem alarme, medo ou ansiedade na população". Ela também punirá crimes provenientes de "governos hostis e grupos terroristas", segundo fonte oficial ouvida pela agência de notícias AFP.

Homem passa por muro com pintura do ditador Daniel Ortega, em Manágua
Homem passa por muro com pintura do ditador Daniel Ortega, em Manágua - Inti Ocon - 14.abr.20/AFP

Ainda pode ser punido, de acordo com o texto, quem "prejudicar a honra, prestígio ou reputação de uma pessoa ou de sua família" e quem "incitar o ódio e a violência, [puser] em perigo a estabilidade econômica, a ordem e a saúde públicas e a segurança nacional".

Como não há critérios claros para definir o que seria considerado uma informação falsa ou alarmante pelo regime, a legislação foi vista como uma forma de cercear a liberdade de imprensa e expressão no país. Ela foi alvo de críticas de diversos setores da sociedade nicaraguense e da oposição ao regime de Ortega.

Para a escritora e ex-guerrilheira Gioconda Belli, a lei é equivalente a "amarrar uma corda no pescoço da palavra, da liberdade do ciberespaço”. "É transferir o povo a um cenário de 'se você se mexer, eu atiro, se ficar, eu te mato'. Quem discordar vai para a prisão", escreveu Belli, no Twitter.

Segundo ela, o texto é muito amplo e carece de especificações. "O que se entende por 'honra'? O que se entende por 'medo'? O que qualifica a informação como 'falsa'? Quem mede distorções e falsidade?", questionou.

O brasileiro Paulo Abrão, ex-diretor da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), fez crítica semelhante e afirmou que a legislação "abre brecha para criminalizar cidadãos e jornalistas por meio de tipificação penal vaga".

Outros críticos apontam que a nova lei agride direitos individuais e limita a liberdade de expressão. O decreto vem na esteira de outra proposta controversa, apresentada na semana passada, que pretende proibir que “agentes estrangeiros” —na prática, qualquer entidade que receba financiamento do exterior— interfiram em assuntos internos da Nicarágua.

Segundo os opositores de Ortega, ela permitiria que o governo controlasse a atuação de organizações, meios de comunicação e jornalistas que considere adversários. A proposta foi considerada “aberrante”, “ofensiva” e “instrumento de repressão” por diplomatas, ONGs que lidam com direitos humanos e jornalistas ao redor do mundo.

Deputados da União Europeia enviaram uma carta aberta ao ditador, pedindo a ele que não aprovasse o projeto de lei. A Anistia Internacional convocou a comunidade internacional, “urgentemente”, a “fazer tudo que for possível para evitar a aprovação da lei”.

Esses gestos do governo ocorrem a 14 meses das eleições gerais de 2021, nas quais a oposição —atualmente dividida— pretende se reunificar para impedir uma terceira reeleição de Ortega, que está no poder desde janeiro de 2007.

Em abril de 2018, o ditador foi alvo de uma ampla revolta social. Sufocados pela polícia e por grupos paramilitares, os protestos geraram um saldo de 328 mortos, ao menos 1.200 feridos e 700 presos. Desde setembro de 2018, todas as manifestações em oposição ao governo estão proibidas no país.

Segundo organizações de direitos humanos, mais de 88 mil pessoas fugiram da Nicarágua devido a ameaças de morte após o ciclo de protestos, incluindo 90 jornalistas que pediram refúgio na Costa Rica e nos EUA.

No dia 14 de setembro, a ex-presidente do Chile e alta comissária da ONU para os direitos humanos, Michelle Bachelet, criticou a situação da Nicarágua e a falta de ação do governo para superar os problemas que motivaram os protestos em 2018.

Na terça-feira (29), o chanceler do país, Denis Moncada, rebateu, acusando o órgão presidido por Bachelet de não “atuar com justiça” em seu país e de divulgar informações “intencionalmente politizadas”.

“A Nicarágua rejeita a politização sistemática das Nações Unidas, promovida principalmente pelo governo dos EUA, que pretende converter seus órgãos em instrumentos a serviço de seus interesses e desestabilizar os países que não se subtemem aos seus ditames imperiais”, afirmou.​

O discurso reforçou a posição de um comunicado do regime nicaraguense emitido no dia 24 de setembro, que acusou a ONU de basear seus relatórios em pautas midiáticas, “caluniosas” e “difamatórias”.

Em dezembro de 2018, o país expulsou delegados do ACNUDH (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos), acusando-os de serem parciais em seus relatórios sobre violações dos direitos humanos no contexto da onda de protestos.

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