O Congresso peruano decidiu, na noite desta segunda (9), afastar o presidente Martín Vizcarra, de acordo com o artigo 113 da Constituição, declarando-o com "incapacidade moral" de continuar no cargo.
Após quase 12 horas de sessão, o resultado foi de 105 votos a favor do afastamento, 19 contra e 4 abstenções. Não há espaço para apelação, e Vizcarra, 57, que não tem partido nem bancada, já não é mais o presidente do país.
Assim, Manuel Merino, líder do Congresso e membro do partido de centro-direita Ação Popular, deve ocupar a Presidência até julho de 2021. Haverá eleições presidenciais no Peru em 11 de abril de 2021.
Ainda no fim da noite de segunda, manifestantes foram às ruas de Lima contra a decisão do Congresso. "Merino, escute, o povo te repudia", gritavam.
Esse foi o segundo processo de vacância, equivalente ao impeachment no Brasil, pedido pelo Congresso contra Vizcarra. No primeiro, não foram atingidos os votos necessários para o afastamento. O mandatário estava no cargo desde a renúncia de Pedro Pablo Kuczynski, conhecido como PPK, em 2018.
Assim como Vizcarra, PPK também foi acusado de corrupção. Hoje, o ex-presidente cumpre prisão domiciliar e é investigado sob suspeita de ter recebido pagamentos irregulares da empreiteira brasileira Odebrecht na época em que trabalhou na gestão do ex-presidente Alejandro Toledo (2001-2006), processado devido à mesma acusação.
O impeachment de Vizcarra foi desencadeado pela divulgação de gravações nas quais ele aparece pedindo a assessoras que mintam em um inquérito sobre sua relação com um ex-colaborador.
O caso explodiu em maio, quando a imprensa descobriu que o Ministério da Cultura havia oferecido contratos supostamente irregulares de US$ 10 mil (R$ 53 mil) ao cantor e compositor Richard Cisneros, cujo nome artístico é Richard Swing.
Nos áudios, há mais de uma conversa entre Vizcarra e a secretária-geral da Presidência, Karem Roca, para organizar visitas de Cisneros à sede do Executivo. Ele também enfrenta acusações de ter recebido subornos de construtoras durante o período em que era governador de Moquegua, entre 2013 e 2014.
Desde a primeira votação de vacância, em setembro, até esta, surgiram também trocas de mensagens de WhatsApp que mostravam o suposto recebimento de subornos pelo agora ex-presidente.
Ao assumir a Presidência, Vizcarra tentou aprovar uma agenda anticorrupção, mas bateu de frente com os oposicionistas diversas vezes. Antes da votação no Congresso, o presidente peruano foi, na manhã desta segunda-feira, outra vez ao plenário para se defender das acusações.
Vizcarra, no entanto, pareceu muito evasivo e apenas alertou para os perigos da saída de um presidente durante uma crise causada pela pandemia de coronavírus e a poucos meses de uma nova eleição.
Também declarou que, se fosse para julgar cada suspeito de corrupção, vários membros do Congresso, assim como Merino, estariam com o cargo em jogo. "O pior que podemos fazer justo agora é afundar o país no terreno da instabilidade", argumentou.
Após ser destituído, Vizcarra disse que deixava o poder "com a cabeça erguida" e descartou entrar na Justiça para contestar a decisão. Também prometeu comprovar a "falsidade" das acusações contra ele.
"Não quero de maneira alguma que se entenda que meu espírito de serviço ao povo tenha sido apenas uma vontade de exercer o poder. Saio com a consciência tranquila, e o dever, cumprido."
Até a noite de domingo (8), as projeções indicavam que não haveria mais de 60 votos favoráveis ao afastamento do presidente, marca distante dos 87 necessários para o impeachment.
Ao longo do dia, porém, e depois da intervenção do próprio Vizcarra, os discursos dos congressistas foram assumindo um tom cada vez mais agressivo contra o presidente, responsabilizando-o, também, pelo fato de o Peru ter tido uma má performance no combate à pandemia do coronavírus.
Manuel Merino de Lama, 59, que agora assume a Presidência, nasceu e cresceu na próspera província de Piura. Filho de uma família de criadores de gado, o engenheiro faz parte das associações de produtores regionais. E foi justamente a bandeira de defesa do agronegócio que o levou ao Congresso, em 2001.
Ao convocar o Parlamento para debater a admissão do primeiro processo de vacância contra o presidente, Merino pediu “que as Forças Armadas e os cidadãos tenham a segurança de que agiremos no estrito cumprimento da ordem constitucional”.
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