Legalização do aborto na Argentina pode ser exemplo à região, diz criadora de projeto de lei

Para Vilma Ibarra, diferentemente de 2018, agora há condições necessárias para a aprovação no Congresso

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Buenos Aires

​Quase um ano após assumir a Presidência da Argentina, Alberto Fernández cumpriu uma promessa de campanha ao enviar ao Congresso um projeto de lei para legalizar o aborto apenas pela vontade da mulher. A proposta, que prevê a realização do procedimento até a 14ª semana de gestação, deve ser votada ainda neste ano pela Câmara e, na sequência, pelo Senado.

Em 2018, durante a gestão de Mauricio Macri, um projeto sobre o mesmo tema ficou a poucos votos de ser aprovado no Senado. Agora, a secretária Legal e Técnica do atual governo, Vilma Ibarra, 60, afirma acreditar que existem as condições necessárias para a chancela.

Ativistas a favor do aborto protestam em frente ao Congresso, em Buenos Aires
Ativistas a favor da legalização do aborto protestam em frente ao Congresso, em Buenos Aires - Agustin Marcarian - 18.nov.20/Reuters

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Por que a senhora crê existir mais condições para que o Congresso aprove a lei do aborto hoje do que em 2018? Em 2018, apesar de a proposta ter partido do Executivo, tínhamos um presidente que não estava a favor do aborto e um governo que não apresentou o projeto como um tema de saúde pública. Agora temos o apoio total do Executivo e a determinação de resolver uma situação com a qual estamos em dívida, que é a existência de milhares de abortos clandestinos que colocam em risco a vida das mulheres neste país.

Há um grupo da sociedade que é contra e se manifesta, os chamados "celestes". Entre eles está a Igreja Católica. Como o governo pretende lidar com o tema? Não vamos polemizar com nenhum grupo religioso. Temos respeito a todas as religiões, mas a Argentina é um país laico, e estamos deixando claro que essa legislação atende a uma crise de saúde pública, a mulheres sem assistência e que, ao buscar abortos clandestinos, morrem ou ficam com problemas crônicos, além de passarem por experiências traumáticas.

Não estamos promovendo o aborto, mas colocando o foco em resolver um problema que faz parte da realidade. Aquele que, por sua crença, não quiser abortar, que não aborte. O que estamos fazendo é dar opções para que as mulheres não tenham de usar vias alternativas que podem provocar sua morte. É uma obrigação do Estado. Em vez de levar essas mulheres a cumprir uma pena de prisão, vamos ajudá-las.

Em algumas regiões da Argentina, mais conservadoras, é difícil realizar o aborto mesmo nas situações em que o procedimento hoje é legal (estupro, risco de vida da mãe). Como resolver esse problema? Estamos trabalhando para acabar com a judicialização de alguns casos. O que ocorre em alguns locais é que o tema é levado à Justiça, a juízes que são contra o aborto, apenas para atrasar o processo e tornar tudo mais complicado. A operação fica mais complexa, e muitas mulheres, às vezes adolescentes ou mesmo crianças, são obrigadas a levar adiante uma gravidez indesejada.

A legislação que queremos aprovar simplifica esse processo, evita que se judicializem os casos. A ideia é investir muito em prevenção e permitir que o aborto seja precoce e com um tratamento ambulatorial, por meio de comprimidos. Poucos seriam os casos cirúrgicos.

E como lidar com os casos de objeção de consciência (quando médicos ou hospitais se recusam a realizar o procedimento)? A lei respeitará a objeção de consciência individual. Ou seja, não obrigará médicos a receitarem a medicação abortiva ou a realizarem um procedimento com o qual não estejam de acordo. Mas obrigará que o caso seja direcionado a um outro profissional, na mesma cidade, ou a um outro hospital ou clínica, onde o procedimento possa ser feito. Estamos autorizando apenas a objeção de consciência individual, mas não a das instituições. Será proibido que um hospital ou um centro de saúde alegue objeção de consciência. Eles terão de atender a situação e realizar o procedimento.

Que efeitos a senhora crê que esta legislação, caso aprovada, poderá ter no resto da região, que ainda tem legislações muito arcaicas quanto à questão? Esperamos que a decisão que a Argentina venha a tomar percorra toda a região. Trata-se de um direito da mulher. Se olharmos para trás, não faz muito tempo não podíamos votar. Ou precisávamos da autorização do marido ou do pai para trabalhar ou para vender uma propriedade. Essas coisas mudaram. Com a questão do aborto ocorre o mesmo. Esperamos que com boa informação e boa política conquistemos também esse direito.


Raio-x

Vilma Ibarra, 60
Advogada e procuradora, ela é secretária Legal e Técnica do governo da Argentina. Foi deputada (2001- 2007) e senadora (2007-2011). É irmã do ex-chefe de governo da cidade de Buenos Aires, Aníbal Ibarra, e ex-mulher do presidente Alberto Fernández.

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