Descrição de chapéu The New York Times machismo

Governo da Austrália é alvo de denúncias de assédio, incluindo estupro no Parlamento

Mulheres dizem ter sofrido violência sexual por parte de integrante do governo

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Livia Albeck-Ripka
Melbourne (Austrália) | The New York Times

Uma funcionária pública procurou a polícia dois anos atrás e afirmou que foi estuprada no edifício do Parlamento da Austrália. Mas depois ela abandonou o caso, temendo perder o emprego. Agora decidiu falar publicamente e provocou uma comoção política que a estimulou a registrar uma denúncia formal na polícia na quarta-feira (24).

Desde que ela se pronunciou em público, três outras mulheres se apresentaram, dizendo a canais de notícias locais que o mesmo homem, um ex-funcionário do Partido Liberal, as havia atacado sexualmente.

"A maioria dos casos desse tipo não leva a condenação", disse a ex- funcionária pública Brittany Higgins, 26, em entrevista por telefone ao New York Times. "Estou falando a minha verdade, e sei que é a coisa certa a fazer."

A sede do Parlamento da Austrália, em Camberra - Robert Harding/AFP

Para os defensores dos direitos das mulheres, a situação reflete a misoginia sistêmica que existe nos bastidores do poder na Austrália, especialmente no Partido Liberal, conservador, que está no governo.

Higgins disse que foi questionada pelo ministro da Defesa, então seu chefe, na mesma sala onde ocorreu a agressão: o gabinete ministerial. As acusações provocaram um pedido de desculpas do primeiro-ministro Scott Morrison. "Este não deveria ser um ambiente onde uma jovem se veja em situação tão vulnerável", disse ele na semana passada. "Isso não está certo."

Mas ele foi censurado pela resposta, que os críticos chamaram de "acidente de trem". Ele pareceu sugerir que só pediu desculpas depois que teve uma conversa com sua mulher, que teria perguntado: "E se fosse uma de nossas filhas?"

Algumas funcionárias atuais e anteriores do governo disseram esperar que as acusações finalmente produzam uma mudança cultural no Parlamento. Defensores dos direitos das mulheres disseram que tais atitudes em relação às mulheres estão incutidas não apenas no governo da Austrália, mas no país em geral, que tende a ficar atrás de outros do Ocidente em questões de gênero.

"Nós realmente nos recusamos a acreditar nas mulheres", disse Sharna Bremner, uma sobrevivente de ataque e fundadora da organização Fim do Estupro no Campus Austrália, acrescentando que as rígidas leis contra difamação no país tendem a abafar o movimento #MeToo.

As novas acusações das outras mulheres, que vão de 2016 a 2020, foram noticiadas pelo jornal The Australian e pela ABC (Australian Broadcasting Corp.). Pelo menos uma das denunciantes disse que fez isso para apoiar Higgins. As mulheres, que não puderam ser encontradas para dar declarações, não foram identificadas publicamente. Elas também não identificaram publicamente o homem.

"Sinto muito que elas tenham que passar por isto, porque sei como é arrasador", disse Higgins sobre as mulheres que se apresentaram. Ela e seu parceiro deixaram seus empregos em consequência dessa provação, acrescentou ela. "Tem sido incrivelmente difícil", afirmou. "É profundamente doloroso para minha família, meus entes queridos, passarem por isso. Eu os cumprimento pessoalmente por sua coragem."

Scott Morrison, premiê da Austrália, durante evento em Sydney - Joel Carrett - 21.fev.21/Reuters

Uma das três mulheres, cujas acusações foram publicadas pela primeira vez no domingo (21) no Weekend Australian, disse que decidiu contar sua história para ajudar a iluminar a cultura "horrível" que vigora no governo australiano.

A mulher contou ao jornal que se encontrou com o homem no ano passado para jantar. Ela disse que ele lhe comprou várias bebidas e depois foram à casa dela, onde ele fez sexo com ela sem usar preservativo, apesar de ela lhe dizer que não poderiam fazer sexo se ele não usasse. Ela disse ao Australian que se o caso de Higgins tivesse sido tratado adequadamente pelo governo em 2019, "isto não teria acontecido comigo".

Outra mulher, cujas acusações foram publicadas pelo Australian na segunda-feira (22), disse que o mesmo homem a atacou sexualmente dias antes da eleição de 2016. Ela contou que tinha terminado o ensino médio havia pouco. O homem lhe pagou várias doses de vodca e tequila e se ofereceu para "cuidar dela" em seu quarto de hotel, segundo ela. A mulher afirmou que adormeceu e depois acordou meio despida, com o homem deitado em cima dela.

Ela contou ao jornal que ouvir a história de Higgins a fez pensar que seu agressor tem "um padrão de comportamento".

Outra mulher, cujo relato foi divulgado na segunda, disse que o mesmo homem "estendeu a mão por baixo da mesa e tocou sua perna" em 2017, quando bebiam com colegas em um bar em Canberra, relatou a ABC.

Depois que as quatro se manifestaram publicamente, Morrison anunciou vários inquéritos em áreas como cultura do local de trabalho, como as acusações de abuso sexual são tratadas pelo governo e o que seu gabinete sabia sobre as supostas agressões a Higgins na época. Morrison disse que só soube do suposto ataque em 12 de fevereiro. Alguns questionaram isso, porém.

Algumas das investigações serão conduzidas por ministros de governo e outras por órgãos independentes, disse Morrison. Ele pediu que Phil Gaetjens, secretário de gabinete, conduza o inquérito do suposto ataque a Higgins.

Mas os críticos dizem que a reação do governo é insuficiente. Os inquéritos governamentais, segundo eles, tendem a ficar aquém de uma mudança cultural drástica que seria necessária para modificar as atitudes em relação às mulheres no Parlamento e em outros órgãos.

"Uma revisão é um curativo político", disse Rachael Burgin, professora de criminologia na Universidade de Tecnologia Swinburne, em Melbourne. "Não vi nada de algum membro do governo que sugira que eles levaram isso a sério o suficiente para causar uma mudança substancial", acrescentou Burgin.

"Brittany Higgins está nos dando a oportunidade de realmente consertarmos algo", disse Clare O'Neil, membro do Partido Trabalhista, de oposição. "Este é um Parlamento nacional. Devemos definir padrões elevados."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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