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'Último mês pareceu eterno', diz enfermeira, sobre pandemia no Reino Unido

Terceira onda foi a pior de todas, mas pressão começa a se reduzir, relata espanhola que faz até quatro turnos de 13 horas seguidas por semana

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Bruxelas

Nati, 23, é enfermeira há quase dois anos. Acompanhou a primeira e a segunda ondas em seu país natal, a Espanha, e desde dezembro trabalha em um hospital especializado em idosos no Reino Unido.

A pressão da variante mais contagiosa, que provocou a terceira onda no país, transformou o hospital em “ala azul”, que recebe prioritariamente pacientes com Covid-19.

Entre seus plantões de 13 horas —com dois intervalos de meia hora— ela contou como a situação chegou à beira do insuportável e, desde a semana passada, começou a dar sinais de que pode melhorar.

"Desde dezembro, trabalho num grande hospital, referência numa cidade menor no sudoeste da Inglaterra. Ele é especializado no cuidado a idosos, mas o contágio cresceu tanto que no final de novembro tornou-se 'ala azul': uma instituição para tratar Covid-19. O paciente mais novo que recebemos tinha 21 anos e o mais velho, 97.

Já tinha vivido o caos das primeiras ondas na Espanha, mas esta terceira é a pior. O último mês e meio parece ter sido eterno.

Minha vida se limita a trabalhar. Acordo às 6h, entro às 7h15 e termino às 20h15, de três a quatro vezes por semana. Mas nunca me desligo completamente, a preocupação fica rodando em algum lugar da minha cabeça.

Quando as pessoas saíam à janela para aplaudir, nos sentimos motivados no começo. Depois, vimos que não servia para nada. O que realmente importava era que as pessoas ficassem em casa, evitassem contatos, e elas faziam o oposto. Era muito hipócrita.

Em condições normais, cada enfermeira cuida de seis pacientes, mas há dias em que atendemos 12. Por ser um hospital de geriatria, cuidamos de muitos idosos que precisam de assistência o tempo todo, de alguém ao lado para comer, beber água e qualquer outra atividade.

É difícil, porque muitos têm demência e não entendem que precisam usar máscaras, evitar contatos. Simplesmente levantam-se da cama e saem. Com a falta de pessoal, não conseguimos dar toda a atenção necessária.

Nesta semana precisava tirar os sinais vitais de um paciente e ele se recusava a colocar a máscara. Dizia que não conseguia respirar. O que posso fazer? Não posso fazê-lo usar à força.

Psicologicamente, isso é uma das maiores dificuldades. Empatizar com pessoas que estão irritadas, assustadas, ansiosas, bravas. Na situação delas eu também estaria, e é difícil tranquilizá-las e mostrar que estamos fazendo todo o possível.

Eles estão isolados e não podem receber nenhuma visita. É muito triste, porque estão totalmente sozinhos, mesmo no meu hospital, que não recebe os casos mais grave. Pelo menos, quando alguém estava em estado terminal, as famílias puderam visitá-lo.

A terceira semana de janeiro foi a pior, e estamos muito, muito, de verdade, muito, muito, muito mal… [pausa]

Há gente que não suporta essa carga de trabalho e simplesmente abandona o trabalho. Não conseguimos achar substitutas, nossa carga de trabalho aumenta e há momentos em que não sabemos mais quais dados são de quem. E fisicamente é muito exaustivo passar 12, 13 horas com o equipamento de segurança.

Hoje foi um dia em que só queria me trancar no banheiro e chorar. Não tinha como sair, porque precisaria trocar toda a roupa, depois vestir outro uniforme. Pensei 'faço isso há menos de dois anos e estou esgotada; imagine os que estão aqui há 40 anos'. Mas não vou me render. Não me atreveria, nem quero deixar meu trabalho. É isso o que quero fazer.

Felizmente, na semana passada pude tomar a vacina, e a situação começou a melhorar aqui na cidade. Meu prédio no hospital e o vizinho vão voltar a ser 'ala verde'. Espero que todos sejam vacinados rapidamente, a gente precisa alcançar a imunidade de rebanho e controlar logo essa pandemia."

Selfie tirada no espelho mostra moça de uniforme vermelho e avental de plástico que não cobre os braços; o rosto não aparece
A enfermeira Nati, 23, mostra o equipamento de segurança disponível no hospital em que atende principalmente idosos com Covid-19, no sudoeste da Inglaterra; como seu prédio não recebe doentes mais graves, ela não usa a proteção completa, e diz que se sente insegura - Arquivo pessoal
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