Descrição de chapéu The New York Times Facebook

Facebook cria serviço para igrejas transmitirem cultos e pedirem doações

Empresa vem cultivando cooperações com amplo leque de comunidades religiosas nos últimos anos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Elizabeth Dias
The New York Times

Meses antes que a megaigreja Hillsong abrisse um novo posto avançado em Atlanta, nos EUA, o pastor pediu conselhos —ao Facebook— sobre como construir uma igreja em plena pandemia.

O gigante das redes sociais tinha uma proposta, lembrou o pastor, Sam Collier: usar o templo como estudo de caso para examinar como as igrejas podem "ir mais longe no Facebook", disse ele em entrevista.

Durante meses, desenvolvedores do Facebook se reuniram semanalmente para estruturar como seria a igreja na plataforma, que apps eles poderiam criar para pedir doações financeiras e como fazer as transmissões dos cultos ao vivo.

A grande estreia aconteceu em junho, quando a igreja distribuiu um comunicado dizendo que havia feito "parceria com o Facebook" e iria transmitir seus serviços exclusivamente na plataforma.

Lâmpada circular é usada para iluminar pastor enquanto missa é transmitida na internet, na Geórgia (EUA) - Chris Aluka Berry - 14.fev.2021/Reuters

Fora isso, Collier não pôde dar muitos detalhes, porque assinou um acordo de confidencialidade. "Eles estão nos ensinando e nós ensinamos a eles", disse o pastor. "Juntos, estamos descobrindo qual será o futuro da igreja no Facebook."

A rede social, que recentemente ultrapassou US$ 1 trilhão em valor de mercado, pode parecer um parceiro incomum para uma igreja cujo principal objetivo é propagar a mensagem de Jesus. Mas a empresa vem cultivando cooperações com um amplo leque de comunidades religiosas nos últimos anos, de congregações individuais a grandes denominações protestantes, como Assembleias de Deus e Igreja de Deus em Cristo.

Agora, depois que a pandemia forçou os grupos religiosos a explorarem novas formas de funcionamento, o Facebook parece uma oportunidade estratégica ainda melhor para atrair usuários altamente engajados à plataforma. A companhia pretende se tornar a sede virtual de comunidades religiosas, e quer que igrejas, mesquitas, sinagogas e outros templos entrem na rede, com serviços que vão desde culto e convivência social até solicitações de dinheiro. Mensagens de áudio com orações também entram na lista.

A vida religiosa virtual, no entanto, não vai substituir tão cedo os eventos presenciais, e até os apoiadores reconhecem os limites de uma experiência exclusivamente online. Mas muitos grupos religiosos agora veem uma oportunidade de influenciar espiritualmente ainda mais pessoas no Facebook, a maior companhia de mídia do mundo.

As parcerias revelam como as big techs e a religião estão convergindo, muito além de simplesmente levar os serviços para a internet. O Facebook está moldando o futuro da própria experiência religiosa, como fez com a vida política e social.

lá fora

Receba toda quinta um resumo das principais notícias internacionais no seu email

O esforço da companhia para atrair grupos religiosos se dá enquanto ela tenta reparar sua imagem entre os americanos que perderam a confiança na plataforma, especialmente por questões ligadas à privacidade. O Facebook enfrentou críticas por seu papel na crescente crise de desinformação nos Estados Unidos, e os reguladores estão cada vez mais preocupados sobre seu poder desmedido.

O presidente Joe Biden criticou recentemente a companhia por sua atuação na disseminação de informações falsas sobre as vacinas contra a Covid-19.

"Eu apenas quero que as pessoas saibam que o Facebook é um lugar onde, quando elas se sentirem desanimadas, deprimidas ou isoladas, podem se conectar imediatamente com um grupo de pessoas que se importam com elas", disse em entrevista Nona Jones, diretora da companhia para parcerias religiosas globais e pastora sem denominação.

No mês passado, executivos do Facebook dirigiram seus esforços a grupos religiosos em uma cúpula virtual sobre fé. Sheryl Sandberg, diretora operacional da companhia, compartilhou um polo de recursos online com ferramentas para formar congregações na plataforma.

"As organizações de fé e as redes sociais são um encaixe natural, porque fundamentalmente ambas tratam de conexão", disse.

"Nossa esperança é que um dia as pessoas realizem serviços religiosos em espaços de realidade virtual também, ou usem a realidade aumentada como ferramenta educacional para ensinar seus filhos a história de sua fé."

A cúpula do Facebook, que parecia um serviço religioso, incluiu depoimentos de líderes religiosos sobre como a rede social os ajudou a crescer durante a pandemia.

O imã Tahir Anwar, da Associação Islâmica de South Bay, na Califórnia, disse que sua comunidade levantou fundos recorde usando o Facebook Live durante o ramadã no ano passado. O bispo Robert Barron, fundador de uma influente empresa de mídia católica, disse que o Facebook "deu às pessoas uma espécie de experiência íntima da missa que elas não teriam normalmente".

As colaborações levantam não apenas questões práticas, mas também filosóficas e morais. A religião tem sido há muito tempo uma maneira fundamental de as pessoas formarem comunidades, e hoje as companhias de rede social estão assumindo esse papel. O Facebook tem quase 3 bilhões de usuários ativos mensais, o que o torna maior que a cristandade em todo o mundo, que tem cerca de 2,3 bilhões de adeptos, ou o islã, que tem 1,8 bilhão.

Também há preocupações com a privacidade, pois as pessoas compartilham seus detalhes de vida mais íntimos com suas comunidades espirituais. O potencial do Facebook de captar informação valiosa sobre os usuários cria "enormes" preocupações, disse Sarah Lane Ritchie, professora de teologia e ciência na Universidade de Edimburgo (Escócia).

Os objetivos das empresas e das comunidades de culto são diferentes, disse ela, e muitas congregações, muitas vezes com membros mais velhos, talvez não entendam como elas podem ser visadas por publicidade ou outras mensagens baseadas em seu envolvimento religioso.

"As corporações não se preocupam com códigos morais", afirma Ritchie. "Acho que ainda não sabemos todos os modos como esse casamento entre big techs e a igreja vai se desenrolar."

Um porta-voz do Facebook disse que os dados que coletou de comunidades religiosas serão tratados do mesmo modo que os de outros usuários, e que acordos de confidencialidade são um processo padrão para todos os parceiros envolvidos no desenvolvimento de produtos.

Muitas parcerias do Facebook envolvem pedir que organizações religiosas testem ou façam brainstorming de seus produtos, e esses grupos parecem não se abalar com as grandes polêmicas sobre o Facebook. Neste ano a plataforma testou uma função de oração, em que membros de alguns grupos podem postar pedidos de orações e outros podem responder. O criador do popular aplicativo de Bíblia YouVersion trabalhou com a companhia para testá-lo.

O gesto do Facebook foi a primeira vez que uma grande companhia tecnológica quis colaborar em um projeto religioso, disse Bobby Gruenewald, criador do YouVersion e um pastor da Life.Church em Oklahoma, lembrando que também trabalhou com o Facebook em uma aplicativo que sorteava "um versículo por dia" em 2018.

"Obviamente, há maneiras diferentes como eles servirão a seus acionistas, tenho certeza", disse. "Do nosso ponto de vista, o Facebook é uma plataforma que nos permite construir uma comunidade e conectar com ela e realizar nossa missão. Por isso, acho que serve bem a todos."

Para alguns pastores, o trabalho do Facebook levanta questões sobre o futuro mais amplo da igreja em um mundo virtual. Uma grande parte da vida espiritual continua física, como os sacramentos ou a imposição das mãos na oração de cura.

A igreja online não pretende substituir a igreja local, disse Wilfredo de Jesús, um pastor e tesoureiro das Assembleias de Deus. Ele é grato ao Facebook, mas em última instância, disse, "queremos que todos voltem sua atenção para outro livro".

"A tecnologia criou na vida de nossa gente essa rapidez, essa ideia de que posso telefonar, ir até a [loja] Target, estacionar o carro e eles abrem meu porta-malas", disse ele. "A igreja não é a Target."

Para igrejas como a Hillsong Atlanta, o objetivo máximo é a evangelização. "Nunca estivemos melhor posicionados que hoje para a Grande Comissão", disse Collier, referindo-se ao pedido de Jesus para "fazer discípulos de todos as nações".

Ele está fazendo parceria com o Facebook, segundo disse, "para impactar diretamente e ajudar as igrejas a navegar e alcançar melhor o consumidor". "Consumidor não é a palavra certa", acrescentou, corrigindo-se. "Alcançar melhor o paroquiano."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.