Descrição de chapéu Financial Times Europa Rússia

Saiba o que são os Acordos de Minsk e se eles podem solucionar crise na Ucrânia

França e Alemanha buscam retomada das negociações para resolver guerra no leste ucraniano

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

John Paul Rathbone Max Seddon Roman Olearchyk
Londres, Moscou e Kiev | Financial Times

O primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, é o mais recente líder ocidental a viajar a Moscou para explorar a possibilidade de dois acordos de cessar-fogo, mediados entre Kiev e Moscou sete anos atrás, conseguirem desfazer as tensões militares e pôr fim à crise no leste da Ucrânia.

Mediados por França e Alemanha em 2014 e 2015, depois de separatistas apoiados pela Rússia terem atacado e ocupado território na região ucraniana de Donbass, os acordos de Minsk 1 e Minsk 2 estão sendo saudados como uma maneira de evitar a eclosão de um novo conflito na Europa.

Forças Armadas Ucranianas participam de exercícios de artilharia em um local desconhecido no leste da Ucrânia
Forças Armadas Ucranianas participam de exercícios de artilharia em um local desconhecido no leste da Ucrânia - Serviço de Imprensa de a 92ª Brigada Mecanizada Separada - 17.dez.21/ via REUTERS

Falando à imprensa após um encontro com Scholz na terça-feira (15), o próprio Vladimir Putin disse que o texto deve ser a base para buscar uma solução das tensões atuais.

O presidente russo ecoou as palavras de seu colega francês Emmanuel Macron, que na semana passada em Moscou disse que os Acordos de Minsk são "a única maneira" de chegar à paz, e do secretário de Estado americano Antony Blinken, para quem os EUA e a Ucrânia estão "unidos" no apoio ao documento como sendo o melhor caminho a seguir.

Mas as negociações conduzidas sob o chamado formato Normandia –envolvendo Rússia, Ucrânia, França e Alemanha– atolaram. Os acordos foram redigidos sob condições que Kiev hoje encara como coação e, segundo analistas, a interpretação feita pela Ucrânia difere da de Moscou. Para os ucranianos, os acordos significam a restauração de sua integridade regional; para os russos, a possibilidade de exercer poder de veto sobre o futuro do vizinho.

"O processo de Minsk não é nem tanto uma manobra para desviar a atenção da situação real nem um esforço que morreu na praia", diz Nigel Gould-Davies, membro sênior para a Rússia e Eurásia do International Institute for Strategic Studies.

O que são os Acordos de Minsk?

Kiev disse que firmou os Acordos de Minsk depois que forças russas intervieram na guerra no Donbass para apoiar os separatistas ucranianos, impondo perdas militares pesadas às tropas ucranianas em Ilovaisk, em 2014, e Debaltseve, em 2015. Moscou nega qualquer envolvimento.

Assinado em setembro de 2014, seis meses depois de a Rússia ter anexado a península ucraniana da Crimeia, Minsk 1 é um acordo de cessar-fogo, em 12 pontos, que nunca chegou a ser respeitado: Kiev estima que 14 mil pessoas já morreram desde que os combates começaram.

Firmado em fevereiro de 2015, Minsk 2 apresentou uma fórmula projetada para reintegrar à Ucrânia as regiões separatistas apoiadas pela Rússia, dando a Moscou alguma voz na política ucraniana. Críticos ressaltam que o então presidente Petro Poroshenko assinou o acordo porque as forças de Kiev enfrentavam a derrota.

O pacto foi firmado por representantes da Rússia, da Ucrânia, da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e dos líderes das duas regiões separatistas pró-russas. Também foi endossado pelo Conselho de Segurança da ONU, mas nunca chegou a ser plenamente implementado pelas partes.

Os esforços diplomáticos atuais têm como foco o acordo de Minsk 2.

Quais são os termos principais de Minsk 2?

Os principais dispositivos incluem um cessar-fogo imediato e a retirada dos armamentos pesados, monitoramento pela OSCE e a retomada dos vínculos econômicos e sociais plenos entre os dois lados. Na medida em que a OSCE ainda monitora a região e que o número de baixas vem diminuindo, essas partes do acordo vêm sendo parcialmente seguidas.

Presidente da Rússia, Vladimir Putin, encontra o então presidente da França, François Hollande, o então presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, e a então chanceler alemã, Angela Merkel, durante as negociações de paz em Minsk
Presidente da Rússia, Vladimir Putin, encontra o então presidente da França, François Hollande, o então presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, e a então chanceler alemã, Angela Merkel, durante as negociações de paz em Minsk - Vasily Fedosenko - 11.fev.15 / Reuters

Mais controversos e sujeitos a interpretações diversas pelas duas partes são os dispositivos que preveem a restauração do controle do governo ucraniano sobre a fronteira com a Rússia; a retirada de todas as formações armadas estrangeiras, equipamentos militares e mercenários, e reformas ucranianas que garantiriam certo nível de autonomia à região oriental do Donbass.

Quais são os principais pontos de atrito?

Um deles é a sequência em que os fatos devem ocorrer. A Ucrânia quer alcançar o controle de sua fronteira internacional antes de serem realizadas eleições locais em regiões separatistas apoiadas pela Rússia. Também quer que as forças russas se retirem —a Rússia nega que elas estejam presentes.

Já Moscou quer eleições antes de a Ucrânia retomar o controle da fronteira. Analistas dizem que isso impediria o país de ingressar na Otan em qualquer momento futuro, porque deputados de Donbass eleitos com apoio russo poderiam bloquear a aprovação de planos nesse sentido no Parlamento ucraniano.

"Você pode gostar disso ou não, mas aceite que é assim, meu lindo", disse Putin na coletiva de imprensa que deu com Macron na semana passada, em comentário acerbo dirigido ao presidente ucraniano Volodimir Zelenski.

Kiev tem uma visão diferente do que significaria o status autônomo do Donbass. O ministro do Exterior ucraniano disse na semana passada: "Nossas linhas vermelhas incluem: nenhuma concessão em relação à soberania, integridade territorial dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas; nada de ‘diálogo direto’ com administrações de ocupação russas; e apenas o povo da Ucrânia tem o direito de definir o rumo da política externa".

"Essencialmente, a Rússia quer controlar as circunstâncias nas quais eleições serão realizadas", afirma Gould-Davies. "Não vejo como qualquer líder ucraniano democraticamente eleito poderia implementar a versão russa."

Outro problema é a decisão de Moscou de dar passaportes russos a mais de 600 mil separatistas do Donbass, apesar de a Constituição ucraniana não permitir a nacionalidade dupla.

Na terça, ademais, o Parlamento russo aprovou resolução apelando a Putin para reconhecer a independência dos miniestados aspirantes de Donetsk e Lugansk –reconhecimento que, segundo autoridades ocidentais, significaria o fim permanente dos Acordos de Minsk. Indagado sobre a resolução, Putin disse que a Rússia primeiro vai visar "as possibilidades não realizadas de cumprir os Acordos de Minsk".

Existe uma saída do impasse?

A julgar pelas declarações recentes de Putin, não. "Todos podem ver que o governo atual de Kiev está agindo para sabotar os Acordos de Minsk", ele disse na semana passada. "Não há movimento sobre os pontos principais, como reforma constitucional, anistia, eleições locais e aspectos legais do status especial de Donbass."

A Ucrânia teme que o Ocidente force Kiev a aceitar um acordo, mas deu a entender que existe uma solução intermediária possível. Na segunda-feira, em Kiev, Scholz disse que Zelenski lhe assegurou que vai redigir projetos de lei sobre o status especial do Donbass, a emenda à Constituição e a lei eleitoral, para possibilitar a continuação das negociações de Minsk.

"A Ucrânia está fazendo uma contribuição muito grande aqui", disse Scholz.

Mesmo assim, simplesmente satisfazer os termos dos Acordos de Minsk é visto por muitos ucranianos como uma concessão à agressão militar russa. Diplomatas ocidentais dizem que a perspectiva de Kiev negociar diretamente com os separatistas, algo que Zelenski excluiu, assinalaria a morte política do líder ucraniano.

Isso poderia provocar o tipo de ruptura que daria a Putin uma desculpa para intervir militarmente. Em 2015, na última vez que a Ucrânia apresentou propostas de alterações constitucionais que pareciam aderir à linha de Moscou, tumultos na capital mataram três agentes de segurança.

Por outro lado, já que pela interpretação ucraniana o Donbass não teria poder de influenciar Kiev através do Parlamento, a suposta manobra russa de usar a região para conseguir controle sobre a política nacional e externa da Ucrânia teria fracassado.

"Seria uma derrota para a Rússia e para suas reivindicações de segurança, que extrapolam Minsk de longe", diz Gould-Davies.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.