Descrição de chapéu Deutsche Welle Guerra da Ucrânia Rússia

Como a Rússia recruta novos soldados para a Guerra da Ucrânia

Departamentos de alistamento procuram militares temporários e visam a jovens sujeitos ao serviço militar obrigatório

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Serguei Satanovski
DW

Muitos no Ocidente prediziam que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, proclamaria uma mobilização geral, a fim de reforçar suas frentes de invasão. Enquanto isso não acontece, a pressão sobre veteranos e sujeitos a serviço militar obrigatório aumenta.

Contrariando diversos prognósticos, mesmo após mais de quatro meses da Guerra da Ucrânia, Moscou não decretou uma mobilização militar geral. Do combate participam soldados de carreira e temporários, assim como funcionários de empresas privadas de segurança.

Além disso, empregam-se homens recrutados nas autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, no Donbass. Em vez de uma mobilização generalizada, os departamentos de alistamento procuram ativamente soldados temporários, além de visar a jovens sujeitos ao serviço militar obrigatório.

Militar russo durante patrulha na região de Lugansk, na Ucrânia
Militar russo durante patrulha na região de Lugansk, na Ucrânia - Yuri Kadobnov - 11.jun.22/AFP

'Provavelmente uma mobilização dissimulada'

Alexander (nome alterado por motivos de segurança) é veterano e há anos não vive mais na Rússia. Em seu passaporte, contudo, consta o endereço de registro russo, onde seus pais ainda vivem. Recentemente, eles encontraram em sua caixa de correio uma convocação da junta de alistamento local.

"Há mais de 20 anos estou listado no departamento. Sou veterano e não sei a que isso se deve. Provavelmente é uma mobilização dissimulada." Porém, ele condena o ataque de seu país e, se ainda estivesse na Rússia, depois de uma intimação dessa, procuraria ir embora o mais depressa possível.

Aparentemente, cada vez mais russos que serviram às Forças Armadas e têm experiência de combate estão recebendo chamados. Na rede social russa VK, convocados trocam conselhos sobre a melhor forma de reagir. "Meu filho foi ao departamento em 14 junho. Eles olharam os documentos e perguntaram se queria assinar um contrato. Depois o deixaram ir embora", escreveu Anna, filiada a um grupo de mulheres.

Desde o começo da Guerra da Ucrânia, e especialmente no último mês, o ativista de direitos humanos Alexander Gorbachov, que aconselha pessoas obrigadas a prestar o serviço militar, observa uma busca intensificada por soldados temporários. "Antes, só se oferecia um contrato aos recrutas compulsórios e aos homens que procurassem a junta voluntariamente. Não havia telefonemas e intimações em massa."

Apertando o cerco aos recrutáveis

Por lei, todos os homens entre 18 e 27 anos são obrigados a prestar serviço militar na Rússia. Há exceções por motivos de saúde, e universitários obtêm um adiamento pela duração de seus estudos. Mesmo antes da guerra, os direitos dos recrutas compulsórios eram violados com frequência, porém neste ano houve casos sem precedentes, relata Oksana Paramonova, diretora da organização de direitos humanos Mães de Soldados de São Petersburgo.

Foram recrutados, por exemplo, estudantes no último ano do curso, desconsiderando o adiamento a que ainda tinham direito. Indivíduos com saúde deficiente, que normalmente não poderiam servir, também foram chamados. A linha direta das Mães de São Petersburgo tem recebido várias queixas nesse sentido.

Além disso, as autoridades vêm contatando as empresas diretamente, com listas de funcionários que devem se apresentar ao serviço militar. Por lei, uma intimação recebida no local de trabalho não pode ser ignorada. Entretanto, até onde se sabe, as juntas não obrigaram ninguém a assinar um contrato.

Como noticiou o jornal online russo The Insider, uma exceção é a república russa da Tchetchênia, onde homens foram obrigados a ir para o front por meio de sequestros, tortura e processos penais. Paramonova confirma que tais métodos não são usuais em outras regiões do país. "Há casos sem pressão psicológica direta. Os potenciais contratados são atraídos com salários, benefícios e condições de trabalho."

Por outro lado, muitos se queixam de que as condições contratuais não são cumpridas, e com frequência constata-se que os soldados temporários não leram os contratos detalhadamente, antes de assiná-los.

Tentação financeira

Em muitos casos, nem sequer é necessário forçar os cidadãos a irem para a guerra. Diante dos postos móveis de alistamento, é comum verem-se filas. No fim de maio, o presidente Vladimir Putin eliminou o limite de idade para o serviço militar: agora maiores de 40 anos também podem servir –e muitos o fazem.

Um atrativo central é o pagamento, como frisam os numerosos anúncios dos departamentos militares. Quem assina atualmente um contrato recebe um salário mensal de 200 mil rublos (R$ 19 mil), cinco vezes mais do que o salário médio na Rússia. Em tempos de paz, o soldo regular é de 25 mil rublos (R$ 2.400).

No entanto, os anúncios não especificam se trata-se de um recrutamento para ações de combate. Só há indicações indiretas nesse sentido. Assim, consta do fim de uma descrição: "Durante a execução da operação militar especial, só pode ser fechado um contrato de quatro meses ou mais." Putin denomina a guerra de agressão contra a Ucrânia uma "operação militar especial".

"Uma mobilização oculta, no sentido de um recrutamento compulsório, para participar das ações de combate na Ucrânia, não há", afirma Oleg Ignatov, analista-chefe do International Crisis Group. A mídia e as Forças Armadas ocidentais contavam que Putin anunciaria uma mobilização geral em 9 de maio. Isso não ocorreu, mas não é de se descartar no futuro, ressalva ele.

Até agora, tal decisão foi possivelmente evitada por motivos políticos, pois poderia fazer simpatizantes passivos da guerra se tornarem rapidamente opositores ativos. E a liderança russa teme o descontentamento da população, explica o especialista. As lacunas da infantaria russa no avanço sobre o Donbass até o momento foram compensadas pela superioridade de sua artilharia. Porém, as forças militares de Moscou não bastariam para a tomada de metrópoles como Dnipro, Odessa ou Kiev.

"Não sabemos quão longe a Rússia quer ir na Ucrânia. No entanto, ela não recua de suas metas e de sua política. Caso se sinta encurralada, poderá ser proclamada uma mobilização geral", avalia Ignatov.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.