Russos fogem do país às pressas para evitar convocação para Guerra da Ucrânia

Passagens de avião esgotadas e filas de carros na fronteira com Finlândia indicam êxodo de homens que não querem lutar

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Ben Hubbard
Istambul | The New York Times

Pouco mais de 12 horas depois de saber que civis russos poderiam ser recrutados para lutar na Guerra da Ucrânia, o guia turístico comprou uma passagem de avião e um laptop, trocou dinheiro, encerrou seus negócios, beijou sua mãe chorando e embarcou num avião para outro país, sem saber quando poderia voltar.

Na manhã de quinta-feira (22), ele entrou no cavernoso saguão de desembarque do Aeroporto Internacional de Istambul, na Turquia, carregando apenas uma mochila e o endereço de um amigo que tinha prometido hospedá-lo enquanto ele resolvesse o que faria da vida.

Mural em apoio ao Exército russo, pintado em prédio de Moscou - Evgenia Novozhenina -21.set.22/Reuters

"Estava sentado, pensando pelo que eu poderia morrer, e não vi nenhuma razão para morrer pelo meu país", disse o guia turístico de 23 anos, que, como outros entrevistados para esta reportagem, não quis dar seu nome por temer represálias.

Desde o anúncio do presidente Vladimir Putin na quarta (21) de uma nova convocação de tropas, alguns russos que antes pensavam estar a salvo das linhas de frente fugiram do país. E fizeram isso às pressas, enfrentando filas nas fronteiras e pagando preços cada vez mais altos por voos para países que permitem sua entrada sem visto, como Armênia, Geórgia, Montenegro e Turquia.

Putin convocou oficialmente apenas os reservistas, dizendo que só homens com experiência militar receberiam ordens para se apresentar ao serviço, mas muitos temiam que o governo impusesse novas restrições de viagem a homens em idade de alistamento e decidiram fugir por precaução.

A Turquia já era um dos países que receberam um grande êxodo de russos no início da invasão da Ucrânia. Muitos estavam fugindo da repressão na Rússia, que incluiu a criminalização dos dissidentes: manifestar-se contra a invasão ou mesmo chamá-la de guerra acarreta sérias penalidades. Outros se preocupavam com o impacto das sanções internacionais e do crescente isolamento da Rússia sobre a economia e seus empregos.

Agora, uma nova onda pode estar começando, e embora o alcance exato dela não tenha ficado imediatamente claro, a corrida por passagens de avião e as longas filas de carros nas fronteiras indicavam que as perspectivas de um recrutamento ampliado alarmaram uma parte da sociedade russa.

Alexander, gerente executivo em Moscou, disse que começou a fazer as malas antes mesmo de Putin terminar seu anúncio na quarta-feira. Minutos depois, ele estava a caminho do aeroporto, procurando passagens disponíveis no trajeto.

As passagens para seus destinos preferidos —Istambul e Almaty, no Cazaquistão— já estavam esgotadas, então ele se decidiu por Namangan, no Uzbequistão, cidade da qual disse nunca ter ouvido falar. Depois passou suando pelo controle de passaportes, temendo que o Kremlin tivesse fechado a fronteira para reservistas como ele.

"Percebi que as apostas eram muito altas", disse Alexander, 37, em entrevista por telefone de Namangan. "Eu já estava pronto para tudo, que eles simplesmente me mandassem voltar da fronteira."

O avião estava cheio de pessoas como ele —"jovens debruçados sobre laptops". Um passageiro ao seu lado também nunca tinha ouvido falar de Namangan.

Em Moscou, a mulher de Alexander, de repente sozinha com seus três filhos, ficou em choque. "Minhas esperanças de que as coisas continuassem mais ou menos bem desmoronaram hoje", disse ela por telefone.

Anastasia Burakova, fundadora do Kovcheg, grupo que ajuda russos opositores da guerra a se estabelecer no exterior, disse que sua organização recebeu mais pedidos de ajuda após o anúncio de Putin. Mas está ficando mais difícil para os russos deixarem o país rapidamente, com os voos quase lotados e o preço dos lugares restantes disparando. "Foi um grande pânico", contou Burakova.

Até agora, a maioria dos russos que queriam fugir eram ativistas, manifestantes ou jornalistas que se posicionaram publicamente contra a guerra, disse. "Agora vemos muitas pessoas que não se importavam com isso, mas estão deixando o país porque têm medo da mobilização e temem que ela possa ser uma realidade para eles e suas famílias."

À medida que as passagens aéreas se esgotavam, alguns russos quiseram ir de carro para as vizinhas Geórgia e Finlândia, de acordo com vários canais do aplicativo de mensagens Telegram. Alguns relataram longas filas nas fronteiras enquanto os guardas realizavam verificações minuciosas dos homens.

Um marinheiro mercante de 26 anos que deu seu nome apenas como Dmitri disse que esperaria na Turquia até seu próximo trabalho, em dezembro, para garantir que não fosse convocado nesse meio tempo. "Decidi que precisava sair já", contou.

Guarda finlandês faz inspeção de carros vindos da Rússia - Janis Laizans -23.set.22/Reuters

Nas últimas 24 horas, explicou, seus amigos trocaram mensagens para avaliar suas opções e consultar os canais do Telegram, onde as pessoas compartilham informações sobre as condições nos aeroportos russos e nas fronteiras.

O marinheiro disse que grande parte de seus amigos ficou na Rússia após a invasão da Ucrânia, acreditando que a guerra não os afetaria muito. Mas agora a maioria estava correndo para sair, afirmou.

"Muitas pessoas querem deixar a Rússia porque não querem lutar pela opinião de uma pessoa", disse ele, rejeitando a invasão como um projeto pessoal de Putin. "Não se trata de defender sua família", declarou.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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