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Editor do Wikileaks pede que Brasil pressione EUA por liberdade de Assange

Kristinn Hrafnsson faz giro pela América Latina em busca de apoio político em caso que diz ser fundamental para jornalismo

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São Paulo

O islandês Kristinn Hrafnsson, 60, diz que não costuma falar de meandros políticos em entrevistas, mas afirma que seria hipócrita negar que foi a recente onda de eleições de políticos de esquerda na América Latina que o trouxe para a região.

Editor-chefe do Wikileaks, ele esteve na Colômbia de Gustavo Petro e, agora, está no Brasil, onde tenta um encontro com o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O objetivo é buscar apoio para o caso de Julian Assange, fundador da plataforma hoje detido no Reino Unido.

Kristinn Hrafnsson, editor-chefe do WikiLeaks, durante entrevista no Pátio da Cruz, na PUC-SP - Karime Xavier - 25.nov.22 Folhapress

Assange está na prisão de alta segurança de Belmarsh, em Londres. Em junho, o governo britânico aprovou sua extradição para os EUA, onde ele enfrenta acusações embasadas na Lei de Espionagem, que podem render 175 anos de prisão. Amigo do australiano, Hrafnsson falou com a Folha no campus da PUC (Pontifícia Universidade Católica), na capital paulista.

Por que fazer um giro pela América Latina neste momento? Estamos desistindo da batalha oficial. Julian tem lutado nos tribunais, mas, ao longo desse processo, entendemos que esse não é um caso legal. As leis são distorcidas, todo o arcabouço se baseia em um fundamento de assédio público.

É de extrema urgência que conquistemos apoio político em todos os níveis, para instar o governo dos EUA a interromper isso —não só o pedido de extradição, mas todas as acusações. O apoio à causa de Julian, que era quase inexistente, agora cresceu. É reconhecido que se trata de um grave ataque ao jornalismo.

A América Latina está em uma importante encruzilhada. Há ventos de mudança, e decidimos que este é o momento certo para bater às portas e pedir aos políticos que venham nos apoiar. É hora de pressionar o governo [de Joe] Biden e dizer a eles para recuarem.

Julian Assange, fundador do Wikileaks, em viatura da polícia de Londres, após ser retirado da embaixada do Equador - Henry Nicholls - 11.abr.19/Reuters

O timing, então, é influenciado pelo fato de haver novos governos de esquerda na região. Sabíamos que, no passado, o presidente eleito Lula era favorável [a apoiar Julian]. E o mesmo se aplica a Petro na Colômbia. Eu seria hipócrita se não dissesse que estamos querendo tirar algumas vantagens dessa janela de mudança.

Mas essa é uma batalha pelos direitos humanos e pela liberdade de imprensa. É uma chance de buscar o comprometimento dos líderes da região e de eles enviarem uma mensagem para o mundo e para os EUA. Esse pedido de extradição é abominável, vai contra o tratado EUA-Reino Unido, que proíbe explicitamente a extradição com base em crimes políticos —e as acusações contra Julian são de natureza política.

Biden há dez anos chamou Assange de "terrorista da alta tecnologia". Vocês esperavam alguma atitude diferente dele quando foi eleito? Sim. Eu estava com Julian quando publicamos todos os vazamentos que causaram tanto rebuliço na sociedade americana. Foi uma explosão. As pessoas disseram muitas coisas no calor do momento, algumas devem até se arrepender.

Em termos gerais, as acusações contra Julian criminalizam o jornalismo, põem em risco a liberdade de imprensa em todo o mundo. Há elementos fortes que devem ser considerados pelo Departamento de Justiça de Biden. Deve ser um passo fácil de tomar porque é a coisa certa a fazer.

Lula defendeu Assange durante a campanha, disse que ele deveria ganhar o Nobel da Paz. O que esperam dele? Agradeceria se Lula e seu governo participassem dessa iniciativa que estamos tentando impulsionar a médio prazo, enviando uma mensagem urgente à Casa Branca. Petro já concordou em fazê-lo e insta outros a segui-lo. Seria um primeiro passo, e espero que outros sejam dados, em termos diplomáticos.

Um dos principais argumentos dos EUA é que o material vazado poderia ter consequências na vida de civis. Sei que vocês caracterizam isso como argumento inválido, mas, passada mais de uma década, acham que deveriam ter publicado a informação de outra forma? Fui jornalista na grande mídia por mais de 20 anos antes de ingressar no WikiLeaks. O cuidado com esse material foi provavelmente maior do que eu havia experimentado antes. Retiramos todos os nomes e referências de não envolvidos no caso a tal ponto que fomos criticados por editar demais o material e demorar para publicar.

Não houve nenhum incidente de dano causado devido ao vazamento. É muito fácil afirmar que se está colocando a vida das pessoas em risco. Qualquer organização de mídia pode ser acusada disso. Mas é uma reivindicação vazia, uma forma de propaganda.

Assange segue sendo a face pública do WikiLeaks. Isso é bom ou ruim? Nunca foi um desejo de Julian ser ponto focal de todas as atenções, ele é bastante reservado e, na verdade, era pressionado por mim e por outros, porque tinha de haver alguém para responder às perguntas. Naquele momento foi a abordagem certa, mas agora ele se tornou um ímã para críticas.

Foi bom? Ruim? Absolutamente ruim para ele, que pagou o preço até agora. Por isso depositamos nossos esforços no caso, para lembrar que não se trata apenas de Julian Assange, mas do trabalho de todos os jornalistas.

O volume de investigações diminuiu. O caso reduziu a capacidade de ação do projeto? Temos mão de obra limitada. Ultimamente, tivemos sorte de ter um tremendo apoio daqueles que estão dispostos a apoiar a luta financeiramente. Mas decidi que precisávamos apenas fazer uma pausa. A importância de salvar o jornalismo é mais importante do que divulgar histórias.

Ainda assim, influenciamos o jornalismo. Edward Snowden não teria vazado seu material se não fosse o WikiLeaks. Os Panamá Papers não teriam acontecido. Julian criou um grande legado.

Como Assange está? O senhor o tem visitado? Médicos londrinos chegaram à conclusão de que sua saúde mental se deteriorou ao ponto de ele correr o risco de pensar em suicídio. Sou um dos poucos fora da família mais próxima e dos advogados que podem visitá-lo. Ele é um homem resiliente, mas eu realmente temo por sua vida. Ele emagreceu muito, não faz exercícios adequados há anos.

Quando o Equador encerrou o asilo, a relação com a embaixada estava fragilizada. Haviam cortado a internet dele por interferir em assuntos de outros Estados, há histórias sobre ele andar de skate no prédio e irritar autoridades. O comportamento dele pesou? Não, essa história do skate é ridícula. Esses fatores foram uma explicação posterior, uma cortina de fumaça para tentar justificar uma medida injustificável do governo de Lenín Moreno. Sabemos que havia uma ligação entre a ajuda econômica que foi prometida e entregue em reuniões de Mike Pence [ex-vice-presidente dos EUA] em Quito.

Como avalia o momento da liberdade de imprensa no mundo? A imprensa está lidando com uma situação muito precária, e acho que tudo se deteriorou com a pandemia de Covid. Um dos principais exemplos disso é a permissão e o apoio dos governos para que empresas privadas de mídia social atuem para controlar a desinformação —que de fato é algo horrível e que precisa ser combatido, mas não assim.

Ao mesmo tempo, acho que deve haver um exame de consciência dos jornalistas sobre seu papel no mundo democrático e a quem estão servindo, para que não terminemos em um lugar muito ruim.


Raio-X | Kristinn Hrafnsson, 60

Jornalista, editor-chefe e porta-voz do WikiLeaks desde 2010. Trabalhou duas décadas como jornalista na Islândia, seu país de origem, a maior parte do tempo na RUV, empresa de comunicação pública.

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