Comitê do 6 de janeiro pede indiciamento de Trump por ataque ao Capitólio dos EUA

Ex-presidente tentou reverter resultado das eleições e convocou mobilização, diz grupo

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Washington

O comitê da Câmara dos Representantes dos EUA que investiga a invasão do Congresso em 6 de janeiro de 2021 pediu nesta segunda (19) o indiciamento do ex-presidente Donald Trump por quatro crimes relacionados à recusa em aceitar o resultado da eleição presidencial de 2020: obstrução de procedimento oficial; conspiração para fraudar os Estados Unidos; conspiração para fazer uma declaração falsa; e incitação, assistência ou ajuda a insurreição.

Foi o último encontro do comitê, em uma sessão com forte apelo emocional transmitida pelos principais canais da TV aberta americana, que encerrou com acusações fortes contra o ex-presidente Donald Trump.

O resumo veio nas palavras do presidente do comitê, Bennie Thompson: "[Trump] perdeu a eleição de 2020 e sabia disso, mas optou por tentar permanecer no cargo por meio de um esquema complexo para anular os resultados e bloquear a transferência de poder", disse, na abertura da sessão. "Há um fator que acredito ser o mais importante para prevenir outro 6 de janeiro: responsabilização dos envolvidos."

Comitê da Câmara dos EUAque investiga o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021 em última sessão - Mandel Ngan/AFP

A listagem de supostos crimes cometidos é um pedido para que o Departamento de Justiça indicie Trump por esses crimes, com as provas levantadas e organizadas pelo comitê, mas o grupo em si não tem poder de conduzir um processo contra o ex-presidente na Justiça.

Após a audiência pública, Trump acusou os membros do comitê de buscarem impedir a sua candidatura à Presidência em 2024. "Toda essa fala sobre me processar é uma tentativa de marginalizar a mim e ao Partido Republicano", escreveu o ex-presidente em seu site Truth Social.

A comissão organizou os resultados de 18 meses de apuração em cinco tópicos. Primeiro, a chamada "Big Lie", a grande mentira definida pela deputada democrata Zoe Lofgren como "o enorme esforço conduzido pelo ex-presidente Trump para espalhar acusações sem base e desinformação em uma tentativa de convencer falsamente dezenas de milhões de americanos de que as eleições foram roubadas.

De acordo com o comitê, o esforço começou mesmo antes das eleições, e as alegações falsas de que ele havia vencido a eleição antes da contagem de votos terminar foram premeditadas, conforme o republicano discutiu com aliados ao longo de semanas. Trump teria ouvido ainda de seis autoridades de seu círculo próximo que não havia provas de fraude, incluindo o ex-procurador-geral William Barr, a ex-diretora de comunicação da Casa Branca Hope Hicks e o conselheiro-sênior Eric Herschmann.

Essas alegações fizeram Trump "arrecadar centenas de milhões de dólares em doações online com informações falsas", disse a deputada Zoe Lofgren, que foram usados para contratar advogados, inclusive em casos de testemunhas que nem sabiam quem estava pagando por suas defesas. Houve ainda uma testemunha que recebeu "uma oferta de emprego em potencial que a deixaria financeiramente muito confortável próximo da data de seu depoimento por entidades aproximadamente ligadas a Donald Trump e seus sócios", disse.

O segundo tópico da acusação foi a pressão contra autoridades eleitorais estaduais para mudar o resultado nos estados em que perdeu. O comitê relembrou o episódio em que Trump pressionou o secretário de Estado da Geórgia para "encontrar" votos suficientes a seu favor no estado em que Biden foi eleito. O grupo exibiu vídeo do depoimento de uma mesária, Ruby Freeman, 63, que relatou como tem medo de dizer seu nome em público até hoje após as dezenas de ameaças de morte que recebeu. "Eu não me apresento em público mais. Fico nervosa quando encontro um conhecido em um mercado que diz meu nome, fico nervosa sobre quem pode estar ouvindo", disse. "Perdi meu nome e minha reputação".

Na sequência, o comitê relatou a pressão contra autoridades do Departamento de Justiça para reverter a derrota, o que provocou pedidos de demissão de uma série de funcionários do alto escalão do departamento, incluindo Barr.

O quarto tema da acusação foi a pressão de Trump para que o vice-presidente, Mike Pence, que nas leis americanas também é o presidente do Senado, não aceitasse a confirmação da vitória de Biden no Congresso. Trump teria ligado para o vice e o chamado de "covarde" repetidas vezes por se recusar, segundo testemunhas relataram ao comitê. Irritados com a inação do vice, os radicais no 6 de janeiro gritavam "enforquem Mike Pence" enquanto invadiam o Congresso e chegaram a pouco mais de 10 metros do vice-presidente.

E por fim, como nada disso funcionou, o então presidente convocou a multidão a se rebelar contra o Congresso, segundo o quinto tópico da acusação, no que resultou o ataque ao Capitólio, que deixou 5 mortos e mais de uma centena de policiais feridos.

Os depoimentos e conclusões do comitê já eram conhecidos, mas foram organizados e apresentados ao público na sessão de pouco mais de 1 hora transmitida por alguns dos maiores canais da TV aberta americana —NBC, CBS e ABC. O jornal The New York Times chegou a incluir as audiências em sua retrospectiva anual dos melhores programas da TV.

"6 de janeiro de 2021 foi a primeira vez que um presidente americano recusou seu dever constitucional de transferir o poder de forma pacífica para o próximo", disse a deputada Liz Cheney, uma das duas parlamentares republicanas que fazem parte da comissão. "Entre as descobertas mais vergonhosas deste comitê, está o fato de que o presidente Trump se sentou na sala de jantar do Salão Oval e assistiu por horas o ataque violento ao Capitólio pela televisão", disse. "Nenhum homem que se comporta daquela maneira, naquele momento, pode jamais ocupar qualquer posição de autoridade na nossa nação."

O comitê foi constituído em 1º de julho de 2021 com nove deputados, incluindo dois republicanos, e funciona nos moldes de uma CPI (comissão parlamentar de inquérito) brasileira. Nesse período foram ouvidas mais de mil testemunhas e analisado um milhão de páginas de documentos.

Trump já é investigado pelo Departamento de Justiça por sua participação no 6 de janeiro. Mesmo sem o poder de tomar medidas legais, o relatório final do comitê aumenta a pressão e entrega uma investigação detalhada para as autoridades da Justiça americana, em um movimento sem precedentes do Congresso americano contra um ex-presidente.

Ele também enfrenta outras pendências na justiça, como investigações por ter levado documentos ultrassecretos da Presidência, e suas empresas foram condenadas no começo do mês por fraude. A Câmara dos EUA já havia aprovado o impeachment de Trump por incitação a insurreição, poucos dias após a invasão do Capitólio, mas sua deposição foi barrada pelo Senado.

O comitê também levou ao conselho de ética da Câmara representações contra quatro deputados que se recusaram a colaborar, entre eles Kevin McCarthy, líder da minoria republicana e possível novo presidente da Casa a partir de 3 de janeiro. Os democratas perderam o controle da Câmara nas eleições legislativas que ocorreram em novembro.

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