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Como mineradoras sem licenças ambientais ameaçam saúde de comunidades na Colômbia

Consórcio de imprensa Forbidden Stories conclui investigação de jornalista colombiano assassinado em 2022

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Aïda Delpuech
Forbidden Stories

O Projeto Rafael foi lançado em outubro de 2022 após o assassinato de Rafael Moreno, jornalista colombiano residente em Montelíbano, cidade rural no departamento de Córdoba, uma das áreas mais marginalizadas e violentas do país. Rafael denunciou a corrupção e a criminalidade na região, do desvio de verbas de contratos públicos à extração ilegal de recursos naturais, um trabalho que lhe custou a vida.

Nos últimos seis meses, 30 jornalistas sob a coordenação do Forbidden Stories deram continuidade às investigações, para conservar as reportagens e garantir seu acesso ao maior número possível de pessoas.

O Projeto Rafael é um projeto imprescindível para a Forbidden Stories, cuja missão é levar adiante o trabalho de jornalistas assassinados. Estivemos em contato com Moreno antes de sua morte como parte do SafeBox Network, sistema que permite a jornalistas ameaçados proteger suas informações.

Banner do Projeto Rafael, realizado pelo consórcio Forbidden Stories
Banner do Projeto Rafael, realizado pelo consórcio Forbidden Stories - Divulgação

Dias antes de ser morto, Moreno deixou claro à Forbidden Stories que se alguma coisa lhe acontecesse ele queria que as investigações fossem levadas adiante e divulgadas mundialmente. É a primeira vez que o consórcio leva adiante o trabalho de um jornalista seguindo as instruções passadas antes de ser morto.

Para o projeto, os jornalistas do consórcio examinaram centenas de documentos e emails que Moreno ainda não havia publicado. A análise desses materiais e de documentos públicos aos quais o consórcio conseguiu acesso, além das viagens de reportagem que fizemos e dos depoimentos que colhemos em campo, nos permitiu trazer à tona um sistema de clientelismo em grande escala e corrupção endêmica.

Este projeto, publicado por 32 veículos de mídia no mundo todo, entre os quais a Folha, é uma mensagem clara aos inimigos da imprensa livre, não só na Colômbia: matar um jornalista não matará a história.

Em um vídeo de meados de setembro de 2020, o jornalista Rafael Moreno, com a ajuda de uma corda grossa, começa a descer por um buraco de cerca de um metro de largura e muitos de profundidade. Com um sorriso e som de reggaeton ao fundo, fala com a pessoa que segura a câmera enquanto tenta se equilibrar e desce lentamente pela terra. "Parece que estou revivendo os dias em que era mineiro", diz.

Jornalista da região de Córdoba, coberta por densas florestas no norte da Colômbia, Moreno não era um estranho nessa mina de ouro chamada El Alacrán. Foi no vilarejo vizinho de mesmo nome que ele cresceu. Era um "cantinho perdido do mundo" onde ensinou os filhos a se orgulharem de suas raízes.

Muitos em El Alacrán ainda se lembram do "pequeno" Rafael. Embora tenha deixado a aldeia aos 18 anos, voltava regularmente. "Ele ficava na nossa casa, a antiga casa dele. Fazia parte da comunidade", lembra Maria Martínez. "Eu dizia: 'Cuidado, fique calmo e quieto, você pode ser morto’. Foi o que aconteceu."

Pouco mais de dois anos após a postagem do vídeo, em 16 de outubro de 2022, Moreno foi morto a tiros na cidade vizinha de Montelíbano. Hoje, o vídeo é um testemunho de uma de suas maiores batalhas como jornalista e líder comunitário: documentar e denunciar a extração ilegal de minérios nesta região do país.

Essa missão ficou clara nas conversas entre Moreno e o Forbidden Stories nos dias anteriores à sua morte. Ameaçado por seu trabalho desde pelo menos 2019, ele estava em contato com o consórcio jornalístico para proteger seus documentos por meio da plataforma SafeBox Network, que permite que jornalistas ameaçados protejam informações confidenciais compartilhando-as com o Forbidden Stories.

"Estamos trabalhando em questões ambientais", disse ele numa primeira ligação, nove dias antes de ser morto. "[Estamos investigando] governos e [firmas] que operam sem licença ambiental ou de mineração."

Dias após a morte de Moreno, 30 jornalistas de 13 veículos se reuniram para dar continuidade ao trabalho. O Projeto Rafael conta com documentos, emails e solicitações de acesso à informação deixados por Moreno, além de relatórios de campo e pesquisas fornecidas por parceiros do consórcio.

Durante seis meses, o Forbidden Stories examinou três das minas que Moreno havia começado a investigar, encontrando sérias irregularidades em suas operações e, na maioria dos casos, confirmando os palpites que o jornalista havia divulgado antes de morrer, incluindo falhas em consultas a comunidades indígenas, minas sem licença e danos ambientais causados a comunidades e ecossistemas locais.

'Uma bênção e uma maldição'

Sentada diante de uma mesa de madeira, com um smartphone azul ao seu lado, Brenda Bohórquez Díaz começou a cantar uma música que havia composto. "Aqui, onde a riqueza é mineral / extraída de forma tradicional / nossas famílias têm ouro em nossas mãos", cantava ela. Díaz, que é um dos porta-vozes da comunidade, mora em El Alacrán —a mesma pequena cidade mineira onde Rafael Moreno cresceu.

Lá, "nossa riqueza é a terra", diz ela. A comunidade de 1.200 pessoas vive modestamente. Os mineiros extraem o metal precioso manualmente, usando pás e máquinas básicas para peneirar o solo rico.

Durante décadas, a mina artesanal conseguiu se manter, apesar da chegada à região de operações de mineração em grande escala. Com suas vastas reservas de carbono, níquel, cobre, ouro, prata, cobalto e ferro, essa parte do sul de Córdoba, chamada Puerto Libertador, tem 50 licenças de mineração ativas —cerca de metade das permissões da região. Mas Díaz teme que isso esteja mudando em El Alacrán.

Hoje a cidade está ameaçada por um megaprojeto que corre o risco de perturbar o delicado equilíbrio. Liderado pela empresa Cordoba Minerals, com sede no Canadá e acionistas nos Estados Unidos e na China, o colossal projeto San Matías visa a transformar a Colômbia no maior exportador mundial de cobre.

O projeto proposto de 20 mil hectares exploraria 22 mil toneladas de cobre por dia, além de quantidades menores de ouro e prata. Segundo o presidente da empresa, o projeto conta com o apoio de autoridades locais e nacionais e das comunidades locais.

Nos meses anteriores à sua morte, Moreno começou a estudar o megaprojeto, que a empresa chama de "iniciativa de pequena escala em um contexto global". Em junho de 2022, seu canal de mídia Voces de Córdoba lançou no Facebook uma convocação de depoimentos. "Essas comunidades merecem respeito", dizia o post. Ele nunca foi capaz de investigar completamente.

O Forbidden Stories visitou o local do projeto de mineração e falou com membros da comunidade. Em entrevistas e conversas informais, surgem relatos de que as autoridades não consultaram os moradores antes de conceder a licença à Cordoba Minerals e que a comunidade não apoiou o projeto. "Este projeto secará nossa terra", disse Díaz. "Nossa existência é incompatível com o projeto. Um dia vão nos expulsar."

Ao Forbidden Stories e seus parceiros a Cordoba Minerals negou a presença de comunidades indígenas na aldeia de El Alacrán, algo que os moradores contestam. "Várias famílias indígenas da comunidade San Pedro vivem lá", afirmou Israel Aguilar, ex-cacique da reserva indígena Zenú do Alto San Jorge.

Díaz apontou para uma casa na rua principal do povoado, onde operários com camisetas com o logo da Cordoba Minerals desmontavam toda a estrutura de uma modesta casa para dar lugar a um poço de petróleo. "Eles ficaram surpresos ao descobrir quantas pessoas éramos", disse ela. De acordo com os moradores, a firma disse que a casa será reconstruída após a conclusão da perfuração exploratória.

Em nota, um porta-voz da Cordoba Minerals negou que a casa tenha sido afetada pela construção de perfuração exploratória, mas confirmou que pessoas afetadas por obras específicas foram indenizadas.

Mineiros em El Alacrán dizem que, apesar de muitas tentativas de obter licença de mineração, que remontam a 40 anos, a Agência Nacional de Mineração recusou os pedidos. Agora, a região avança com o megaprojeto, concedendo licença à Cordoba Minerals, que já detém metade das licenças da região, segundo análise do Centro para Jornalistas Investigativos Latino-americanos, parceiro no projeto.

O projeto San Matías, temem os moradores, terá consequências negativas para a saúde e o ambiente —preocupações que a própria empresa admitiu num relatório de 2019 que evocava a "potencial deterioração da saúde da comunidade e o aumento de patologias sociais" em uma seção sobre riscos do projeto.

"Essa riqueza é uma bênção e uma maldição", afirmou Díaz.

A última obsessão de Rafael

O trabalho de Moreno na mineração não foi apenas relegado à sua cidade natal, El Alacrán.

O jornalista e seu colega Organis Cuadrado denunciaram regularmente a poluição e os danos ambientais ligados a alguns dos projetos de mineração de maior escala na região, muitas vezes dirigindo até locais distantes e postando vídeos no Facebook mostrando nuvens de fumaça e detritos.

Meses antes de ser morto, Moreno assumiu uma nova batalha de Davi contra Golias. No Facebook, em junho de 2022, anunciou uma investigação sobre "irregularidades" numa grande mina de carbono nos municípios de Puerto Libertador e Montelíbano, gerida por uma empresa chamada Carbomas S.A.S.

A postagem marcou um ponto de inflexão numa longa batalha com a Carbomas, decorrente de um pedido de acesso à informação que ele havia enviado vários meses antes de solicitar uma cópia da licença ambiental da empresa, certificado de materiais extraídos e uma garantia de que o projeto de mineração teria um impacto socioeconômico positivo nas comunidades do entorno.

Moreno suspeitava que a Carbomas estivesse operando sem licença e sem ter consultado as comunidades locais, o que é legalmente obrigatório na Colômbia na maioria das circunstâncias.

Um mês após o envio da solicitação, a companhia respondeu, dizendo que o pedido era "inadequado". Moreno e Cuadrado entenderam que a firma estava "encobrindo informações sobre claras irregularidades". "Esta denúncia é baseada em minhas reportagens investigativas e em campo", disse Moreno num vídeo de 25 minutos em que respondia a críticas. "Não estou inventando nada, está tudo documentado."

Nos bastidores, porém, Moreno parece ter enfrentado uma pressão crescente ligada a essa investigação. Acessando a conta de email de Moreno após sua morte, o consórcio encontrou um documento mostrando que no início de julho de 2022 ele havia retirado seu pedido de acesso à informação para a mina.

O recuo ocorreu três dias após Moreno encontrar uma ameaça de morte em sua moto, acompanhada de uma bala. "Você pensa que é intocável porque fala publicamente, mas ninguém aqui é", dizia a nota manuscrita e sem assinatura. "Sabemos tudo sobre você e não vamos perdoá-lo pelo que está fazendo."

Embora não seja possível afirmar com certeza que o recuo no pedido de acesso à informação estivesse ligado à ameaça de morte, o que está claro é que, a partir do início de julho, Moreno abandonou a investigação sobre a Carbomas. A revisão do Forbidden Stories dos documentos pessoais do jornalista, bem como de postagens públicas no Facebook, não encontrou mais menções à mina.

Um documento que o consórcio obteve por meio de um pedido de acesso à informação à Corporação Regional Autônoma dos Vales do Sinu e San Jorge (ou CVS, na sigla em espanhol), órgão regional de vigilância ambiental, confirma a apuração de Moreno: à época das acusações iniciais de Moreno contra a mina, a Carbomas não parecia ter uma licença ambiental para sua nova mina de carbono La Estrella.

Além disso, imagens inéditas de satélite da Planet Labs, obtidas pela OCCRP, integrante do consórcio, sugerem que em maio de 2022, época das denúncias de Moreno, a mina já estava em fase de exploração, embora a empresa ainda não tivesse uma licença ambiental. "Esta imagem mostra claramente que a mina estava em fase de exploração, dado o nível avançado de desmatamento e a presença de cavidades", disse Guadalupe García Prado, diretora do Observatório de Indústrias Extrativas da Guatemala, ao Forbidden Stories. A Carbomas não respondeu a perguntas sobre a data de início de suas operações de mineração.

De acordo com o documento do CVS, a empresa solicitou uma licença ambiental dois meses após o pedido inicial de liberdade de informação de Moreno, em 21 de junho de 2022. Sua licença foi aprovada vários meses depois, em novembro –cerca de um mês após o assassinato de Moreno.

A Carbomas não é um caso isolado. Na verdade, a empresa vende seu carbono para uma das maiores minas de níquel do continente, a Cerro Matoso —que há anos é denunciada por membros da comunidade, jornalistas e grupos de ativistas por seus impactos negativos à saúde e ao ambiente em comunidades vizinhas. Naturalmente, Moreno investigou essa mina também.

Poluidor número 1

Numa região pouco conhecida por sua pompa e circunstância, a entrada da cidade de Montelíbano se destaca por uma placa onde se lê "capital do níquel", em frente a um imponente trator Caterpillar 773D.

Se Montelíbano é conhecida por algo, é a Cerro Matoso. Maior mina de níquel da América Latina e quarta maior do mundo em área de superfície, ela é famosa muito além dos contornos de Córdoba. No caminho para a cidade, caminhões se espremem em estradas estreitas, transportando ferroníquel para o porto de Cartagena. Dali, o material é enviado a China, EUA e Europa, onde é usado em produtos de aço inoxidável.

Em Montelíbano, a Cerro Matoso anuncia com ousadia sua contribuição à comunidade com uma placa prateada comemorando seus 40 anos de operação. A grande escavadeira, segundo a placa, foi doada pela empresa proprietária da mina, a South32, como "símbolo da atividade mineira e industrial da região".

"Estamos participando da transformação energética porque nossos produtos são muito procurados para a produção de painéis solares", disse Pedro Oviedo, chefe de operações da mina, ao Forbidden Stories.

Mas além do brilho dessas exibições ostensivas, o níquel brilha menos. Para alguns, a mina Cerro Matoso é vista como um fator de orgulho, mas para muitos outros é um desastre ambiental e de saúde. Cerro Matoso ocupa quase 85 hectares de terra no meio de uma reserva indígena pertencente ao povo zenú de l'Alto San Jorge. Várias comunidades indígenas cercam a mina, incluindo uma aldeia —Puerto Colombia— que fica a apenas 750 metros da mina.

"Aqui você não encontrará uma única pessoa com boa saúde", disse Estela Isabel Hoyos Arcia, moradora de Puerto Colombia que reclamou de ardor nos olhos e outros problemas de saúde.

Os moradores dizem acreditar que as chaminés da mina, particularmente ativas à noite, segundo eles, são as culpadas. Em novembro de 2021, Moreno publicou imagens mostrando uma nuvem de fumaça rosada saindo da chaminé de Cerro Matoso e se espalhando por uma grande distância. "Ah, que linda nossa região com a decoração da usina Cerro Matoso", escreveu ironicamente abaixo de uma foto.

Após reclamação da Cerro Matoso de que as imagens eram antigas, Moreno e Cuadrado, seu parceiro de reportagem, publicaram um vídeo mostrando a mina a distância. "Hoje é 23 de novembro de 2021", afirma Moreno no vídeo. "A nuvem rosa que você vê é a origem dos problemas de saúde das comunidades."

Ao Forbidden Stories o chefe de operação da mina disse que "só sai vapor d'água de nossas chaminés". "Em relação à nuvem rosa, com certeza é uma falha no sistema, é uma exceção."

Vídeos de outras fontes sugerem que houve outros incidentes da fumaça rosa naquele mesmo ano e novamente em abril de 2022. Segundo o Ministério do Meio Ambiente da Colômbia, "emissões não controladas" foram vistas saindo da mina já em 2017, fato que foi posteriormente corroborado pelos Ministérios da Saúde e da Proteção Social, que mencionaram a presença de uma "nuvem laranja".

Vários anos depois, em 2020, a CVS acusou a Cerro Matoso de emissões de partículas que excediam os padrões ambientais. Ao Forbidden Stories, a Cerro Matoso negou todas as acusações sobre poluição do ar "Nenhuma medição [da poluição do ar em 2022] atingiu o limite da média anual das diretrizes definidas pela Organização Mundial da Saúde." A empresa também disse ser transparente, dizendo que todas as medições de suas estações de amostragem estão disponíveis online.

Na mina, as condições de saúde são ainda piores, diz o ex-funcionário Victor Pineda. "Muitos gases são liberados nessas operações, com substâncias muitas vezes cancerígenas, incluindo a sílica cristalina."

Os milhões de toneladas de resíduos gerados desde o início das atividades são armazenados a céu aberto, facilmente dispersos pelo clima, diz Pineda. O lixo é "composto de partículas altamente tóxicas. Basta um pouco de vento ou chuva para que as partículas se desloquem e contaminem" o entorno.

A quatro quilômetros da mina, a aldeia indígena Guacarí-La Odisea também é afetada pelas emissões, com até crianças pequenas sofrendo dores incomuns. Yolanda Rosa Hayos, 63, chorou ao descrever "dores em todos os lugares" e "manchas pretas que apareceram por todo o corpo". Quando ela foi ao médico —pago por uma organização sem fins lucrativos ligada à mina—, foi orientada a não se preocupar. Essa ironia não passou despercebida a Camilo Castellanos, doutor em toxicologia pela Pontifícia Universidade Javeriana.

Cerro Matoso, disse ele, "é ao mesmo tempo o juiz e o júri quando se trata de questões de saúde".

Para os membros da comunidade, não há dúvida de que a mina de níquel está causando problemas de saúde devastadores. "Esses problemas respiratórios estão nos levando ao túmulo", disse um morador.

Caso nacional

Em 2013, Israel Aguilar, governador e chefe tribal dos indígenas zenú de l'Alto San Jorge, e Luis Hernán Jacobo, presidente do Conselho de Comunidades Afro-colombianas de San José de Uré, entraram com uma ação no Tribunal Constitucional da Colômbia contra a Cerro Matoso e duas agências nacionais de mineração: o Ministério de Minas e a Agência Nacional de Mineração para Danos Ambientais e Sanitários.

O tribunal concordou em assumir o caso, investindo meios significativos para estabelecer se a mina era ou não responsável por danos às comunidades próximas. Por meio dessa sondagem, o Instituto de Ciências e Medicina Legal, um dos maiores órgãos de pesquisa do país, realizou um estudo inédito para identificar a presença de níquel no sangue e na urina de cerca de 1.150 pessoas no entorno da mina.

Os resultados, confirmados pelo Ministério da Saúde, foram claros: "Níveis elevados de níquel no sangue, bem acima do referencial autorizado em estudos internacionais".

Estela Isabel Hoyos Arcia, moradora do povoado de Puerto Colombia, tinha nas mãos os resultados de seus exames. Eram surpreendentes: 6 microgramas (μg) de níquel em sua corrente sanguínea e 19 microgramas na urina, ou cerca de 10 a 11 vezes mais que o valor de referência estabelecido pelo Instituto Nacional de Saúde Pública de Quebec, uma das normas mais rígidas do mundo.

Em março de 2018, o Tribunal Constitucional emitiu sua sentença contra a Cerro Matoso, exigindo que a empresa compensasse financeiramente e prestasse serviços de saúde às comunidades afetadas, bem como renovasse sua licença ambiental, que datava de 1981. Se a empresa não cumprisse, o tribunal se reservava o direito de ordenar a "suspensão das atividades extrativistas".

A South32 e sua poderosa rede de advogados, que incluía Eduardo Cifuentes Muñoz, ex-presidente do Tribunal Constitucional da Colômbia, apelaram. Argumentaram que "o tribunal interpretou mal o relatório médico publicado pelo Instituto de Medicina e Ciências Legais", especificando que "não foi estabelecida a relação de causalidade direta com o impacto observado na população e a exploração do Cerro Matoso".

Os advogados da empresa argumentaram que era impossível atribuir os altos níveis de níquel nas amostras à mina, dizendo que outros "fatores externos" podem ter influenciado os resultados.

A metodologia do Instituto de Medicina Legal, porém, foi validada por todas as instituições públicas e partes relevantes do caso, incluindo a Cerro Matoso. "Claro que há um fator externo, é a própria mina", disse Castellanos, toxicologista da Pontifícia Universidade Javeriana e membro da equipe de metodologia do Instituto de Medicina Legal. "Os níveis de níquel nas amostras ficaram entre 10 e 100 vezes acima das normas legalmente estabelecidas em Quebec. Indo além do relatório, os níveis de níquel são altos o suficiente para que eu esteja convencido de que a mina está intoxicando a população de forma crônica."

"Esta é a evidência mais forte possível de que a mina é responsável", disse Javier de la Hoz, advogado que representava as comunidades na época. Ao Forbidden Stories e seus parceiros a Cerro Matoso citou, entre outros pontos, um relatório de 2016 de um toxicologista de "renome internacional" que contestava os relatórios metodológicos do Instituto de Medicina Legal.

Vários meses depois, em setembro de 2018, o tribunal voltou atrás em sua decisão, votando em um tribunal de segunda instância para anular a maior parte dos processos contra a Cerro Matoso.

O caso do Tribunal Constitucional não foi a única controvérsia em torno da mina. Em 2015, ao mesmo tempo em que o Tribunal Constitucional apurava as denúncias ambientais contra a Cerro Matoso, ocorreu outro grande acontecimento. O conglomerado de mineração BHP Billiton, dono da mina desde 1980, vendeu seus ativos não essenciais para a South32, uma empresa australiana.

Em um documento interno de março de 2015 relacionado à aquisição da mina, a BHP Billiton sugeriu que "a South32 está se expondo a riscos de litígio que podem ter impacto negativo". "Algumas ações e reclamações apresentadas por terceiros", continuou o documento, "ainda não foram resolvidas", acrescentando que "a South32 pode perder esses casos de reclamação e incorrer em custos adicionais para resolvê-los". "A BHP criou a South32 para se livrar de seus projetos sujos", disse De la Hoz.

Nos anos desde a resolução do processo judicial contra a Cerro Matoso, chegou-se a um acordo sobre o protocolo de consulta com as comunidades. A empresa anunciou que vai prever o pagamento de mais de 15 milhões de euros às comunidades ao longo dos próximos 25 anos, por meio de projetos sociais.

Em Puerto Colombia, vilarejo mais próximo da mina, quase todas as casas são novas, enquanto outras ainda estão em construção. Mas os moradores dizem que não é o suficiente. "Nossa saúde não tem preço, e esta nova casa não vai trazê-la de volta", disse Hoyos Arcia.

Outras comunidades foram afetadas. Em San José de Uré, aldeia afrocolombiana localizada a dez quilômetros da mina Cerro Matoso, outro drama sanitário se desenrola em silêncio: nos últimos dois anos, cerca de 20 mulheres passaram por um procedimento chamado histerectomia, em que o útero é removido, de acordo com uma investigação de campo conduzida pela Radio France Internationale, membro do consórcio Forbidden Stories. Todas as mulheres têm os mesmos sintomas: sangramento intenso e dor insuportável. "Por que tantas de nós sofremos isso?", questionaram elas.

De acordo com um relatório do Instituto de Medicina Legal, os miomas uterinos são uma das 17 doenças sofridas pelas populações do entorno da mina. Embora o Tribunal Constitucional tenha ordenado que a Cerro Matoso preste cuidados de saúde integrais às vítimas dessas doenças, nenhuma das mulheres recebeu qualquer ajuda. Aguilar, o governador e chefe tribal, renunciou. "A questão da saúde não é um negócio fechado", disse ele. "E as consequências em nossa mãe terra são piores do que antes."

Denunciando por sua conta e risco

Assim como Moreno, líderes locais e membros das comunidades afetadas continuaram a fazer barulho sobre as consequências das atividades de mineração na região, muitas vezes sob risco significativo.

Desde a assinatura dos Acordos de Paz entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), 56 líderes locais, muitos dos quais resistentes a projetos de mineração, foram mortos no sul de Córdoba, segundo o Observatório de Direitos Humanos e Conflitos, do Instituto de Estudos para a Paz. No país, as atividades de mineração foram a fonte mais comum de conflitos sociais e ambientais.

Aguilar, que além de representante das comunidades indígenas da região é ex-garimpeiro, teve que tomar muitos cuidados em seu dia a dia. "Não consigo me movimentar em espaços públicos", disse ele ao Forbidden Stories. "Em casa, não fico mais de 20 minutos na varanda, porque é muito arriscado." Em suas frequentes palestras, é acompanhado de seguranças armados e tem recebido inúmeras ameaças.

"Aqui há um triângulo de poder: grupos armados [o clã do Golfo, maior grupo de narcotráfico do país], políticos e mineradoras fazem parte de um mesmo ecossistema de crime e corrupção", disse uma fonte, que falou sob condição de anonimato devido a riscos de segurança. "Absolutamente todas as mineradoras aqui pagam ao clã", disse outra fonte anônima. "Onde há minas há grupos paramilitares."

Pineda, ex-funcionário da Cerro Matoso —ele deixou a empresa em 2003 após 22 anos devido a problemas de saúde, incluindo disautonomia do sistema nervoso e problemas digestivos e cardíacos—, luta há 20 anos para que sua doença seja reconhecida como relacionada ao trabalho e ele receba uma indenização. Ele acusou a empresa de não tomar os cuidados necessários para protegê-lo do calor extremo.

Vários dias após o assassinato de Moreno, Pineda compartilhou um antigo post do jornalista no Facebook sobre a Cerro Matoso. Uma semana depois, recebeu uma carta ameaçadora em sua janela: "Pare de tentar agir como líder ambiental. Você viu o que aconteceu com Moreno em Montelíbano. Você foi avisado".

"Não sei por que fui ameaçado pessoalmente", disse Pineda. "Muitos de nós denunciamos a mina, e não sou um líder nem porta-voz." Cuadrado, colega de Moreno que também criticou duramente a indústria de mineração, por sua vez, decidiu manter a discrição desde a morte do jornalista. Desde outubro, apresenta um programa local de música e notícias numa estação de rádio chamada La Piragua. "Tenho uma família e quero ver meus filhos crescerem", disse ele. "Sei que sou o próximo da lista se continuar a denunciar [as atividades de mineração] como Rafa e eu costumávamos fazer."

Desde a morte de Moreno, ele é acompanhado por dois guarda-costas e só se desloca em veículos blindados. O assassinato de seu amigo e colega marcou uma virada na região. Mesmo que alguns continuem levantando a voz, muitos mais se calaram. "É o silêncio", disse Cuadrado.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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