Egito planejou vender armas para Rússia em segredo, diz jornal

Em documento vazado, líder egípcio supostamente instruiu militar a esconder informação para evitar rusgas com Ocidente

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São Paulo

O Washington Post revelou nesta terça (11) a existência de um documento que supostamente evidencia planos do Egito para fornecer foguetes e munição para a Rússia no contexto da invasão da Ucrânia.

Analistas e políticos ouvidos pelo jornal americano afirmam que a informação pode pôr em risco a relação dos Estados Unidos com o país do Oriente Médio —um grande aliado dos americanos na região, em parte devido a seu tradicional papel de mediação no conflito entre Israel e Palestina.

Vladimir Putin, presidente da Rússia, e Abdel Fattah al-Sisi, líder do Egito, participam de cerimônia a bordo do Moskva, então principal navio de guerra russo no mar Negro, no porto de Sochi
Vladimir Putin, presidente da Rússia, e Abdel Fattah al-Sisi, líder do Egito, participam de cerimônia a bordo do Moskva, então principal navio de guerra russo no mar Negro, no porto de Sochi - Alexei Drujinin - 12.ago.14/Kremlin via Reuters

O arquivo em questão é datado de 17 de fevereiro e integra os documentos do Pentágono vazados. Ele resume supostos diálogos em que o líder egípcio, Abdel Fattah al-Sisi, orienta uma autoridade a manter a produção e a remessa de mísseis para Moscou em segredo, "para evitar problemas com o Ocidente".

Questionado pelo Washington Post sobre a veracidade da conversa que o documento descreve, Ahmed Abu Zeid, porta-voz do Ministério de Relações Exteriores egípcio, não negou nem confirmou as revelações. Afirmou apenas que sua nação busca desde o princípio não se envolver na Guerra da Ucrânia ao mesmo tempo em que reitera continuamente seu comprometimento com as diretrizes da legislação internacional.

Já um membro do governo americano que não se identificou afirmou que o plano de exportação de foguetes para a Rússia descrito no relatório não foi executado —até onde se sabe. Contatada, a porta-voz do Pentágono, Sabrina Singh, reforçou que o Departamento de Justiça americano abriu uma investigação para determinar a origem do vazamento. As autoridades comprovaram que os relatórios são fidedignos, mas indicaram que eles podem ter sido adulterados de modo a inflacionar o poderio militar russo.

O documento revelado pelo jornal americano supostamente registra uma conversa de Sisi com uma pessoa identificada como Salah al-Din, segundo o jornal provavelmente Mohamed Salah al-Din, ministro do Estado de Produção Militar. Algumas das instruções dadas a ele incluiriam afirmar aos operários fabris responsáveis pela produção de projéteis que os itens seriam destinados ao Exército egípcio e determinar que a pólvora oferecida à Rússia viria de uma planta de manufatura química chamada Fábrica 18.

O relatório ainda afirma que Sisi disse que estava pensando em vender "artigos comuns" à China para aumentar a produção de Sakr 45, um tipo de míssil egípcio. Embora ele não afirme que os itens teriam Moscou como destino, o modelo é compatível com lançadores russos. Por fim, Salah al-Din teria contado que os russos disseram a ele que estavam dispostos a comprar "qualquer coisa" e garantido que os operários sob sua supervisão fariam vários turnos, caso necessário, para o Egito conseguir "pagar a Rússia de volta por uma ajuda anterior não especificada". O documento não esclarece que ajuda é essa.

Segundo analistas ouvidos pelo Washington Post, fornecer armas à Rússia em meio à Guerra da Ucrânia representaria uma tática arriscada para o Egito. Apesar de se aproximar cada vez mais de Moscou —cuja empresa estatal Rosatom constrói hoje a primeira usina nuclear da nação árabe—, o país ainda é um grande parceiro dos EUA. Segundo o Departamento de Estado americano, Washington já repassou ao Cairo US$ 80 bilhões (em valores não corrigidos) em assistência militar e econômica desde 1978.

Assim como o Brasil, o Egito e outros aliados dos EUA no Oriente Médio têm tentado não tomar lados na crise da Ucrânia. O conflito teve, no entanto, grandes consequências econômicas para o regime liderado por Sisi, maior importador de trigo do mundo. Um acordo com a Rússia, terceiro maior produtor global do grão segundo a FAO (Organização da ONU para a Alimentação e a Agricultura), permitiu que sua gestão evitasse a escassez de trigo no território —o que, por sua vez, pode ter ajudado a prevenir a eclosão de manifestações populares, uma vez que quase todas as refeições incluem pão na cultura egípcia.

Ainda segundo o Washington Post, o fornecimento de armas para a Rússia pode levar os EUA a impor sanções ao Egito. Empresas comandadas por militares prosperaram durante a gestão de Sisi, com a abertura de diversas fábricas de armamentos, munição e mísseis pelo país.

O impacto do vazamento dos documentos do Pentágono, a maior parte dos quais referente à Guerra da Ucrânia, ainda não está claro. De acordo com o governo americano, os arquivos lembram relatórios enviados diariamente para chefes de departamento, o que poderia indicar que o responsável pela divulgação dos papéis é um funcionário da administração.

Vários dos governos citados nos documentos têm alegado, porém, que várias das informações são inexatas ou falsas. Foi o caso dos Emirados Árabes Unidos, que na segunda-feira (10) afirmaram que os dados de um relatório vazado indicando que o país havia se unido à Rússia contra as agências de inteligência dos EUA e do Reino Unido são "categoricamente falsos", segundo a agência Associated Press.

Outro exemplo foi a Coreia do Sul, nesta terça-feira. Outro dos relatórios vazados narrava que Seul concordou em vender ogivas para ajudar Washington a reabastecer seus estoques de armamentos. O país asiático teria insistido que o destino final dos artefatos fosse o Exército dos EUA —sua legislação impede o fornecimento de armas para nações envolvidas em conflitos. Internamente, porém, os oficiais se preocupavam que o governo americano repassasse as ogivas para a Ucrânia.

A indicação de que a Casa Branca espiona o alto escalão da Coreia do Sul, um de seus maiores aliados na Ásia, também causou polêmica internamente. Mas uma ligação do Secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, para o presidente sul-coreano, Yoon Suk-yeol, na terça, acalmou a situação, ao menos oficialmente.

Em comunicado, o gabinete presidencial afirmou que grande parte do documento tinha sido fabricado —ele não identificou, porém, trechos específicos. Também disse que as suspeitas de que Washington espionava o governo de Seul eram "completamente falsas" e que quaisquer tentativas de intervir na aliança da nação com os EUA comprometeria o interesse nacional.

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