Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Guerra na Ucrânia: A rápida reação da Otan a 'zumbis' russos

Na Estônia, pilotos respondem a jatos russos agindo de forma suspeita na fronteira nordeste da aliança

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BBC News Brasil

Em uma sala apertada, localizada em um edifício perto da pista da base aérea de Amari, na Estônia, uma TV exibe episódios antigos da série americana "Friends".

Pés em cima da mesa, canecas de café na mão, um pouco de brincadeiras casuais. Na tela da TV, a personagem Rachel acaba de voltar do cabeleireiro, Ross está chateado com alguma coisa. Então um aviador aparece na porta e anuncia calmamente: "Zumbi indo para o norte saindo de Kaliningrado".

"Zumbi" é o código de uma aeronave russa agindo de forma suspeita.

Caças Typhoons da Força Aérea Britânica, em Linconshire; modelo é o mesmo utilizado em missões da Otan para interceptar aeronaves militares russas na Estônia
Caças Typhoons da Força Aérea Britânica, em Linconshire; modelo é o mesmo utilizado em missões da Otan para interceptar aeronaves militares russas na Estônia - Joe Giddens - 9.dez.22/Pool via Reuters

Imediatamente, todos ali estão de pé e se movimentando para a sala de operações ao lado, onde telas e mapas digitais marcados como "Segredo da Otan" (Organização do Tratado do Atlântico Norte, a aliança militar ocidental) piscam em meio à torrente de dados recebidos.

Esta é a Força de Reação Rápida para a Operação Azotize, missão de Policiamento Aéreo Báltico da Otan, que vigia a fronteira nordeste do clube, cujos limites são testados regularmente por aeronaves russas.

Desde abril, o 9º Esquadrão de caças Typhoon da Força Aérea Britânica (RAF, na sigla em inglês) assumiu a liderança da missão então comandada pelo Esquadrão Richthofen da Alemanha.

A invasão em grande escala da Ucrânia forçou a Otan a concentrar seus esforços na segurança de suas fronteiras orientais. O objetivo é simples: impedir que a Rússia invada qualquer outro lugar, em especial um país da Otan, como um dos três Estados bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia) ou a Polônia.

"Podem ser três coisas", afirma o comandante de voo Scott MacColl da RAF Lossiemouth na Escócia, sobre a detecção do "zumbi". "Ou ele não apresentou um plano de voo ou não está 'squawking' [comunicando] ou não está respondendo ao Controle de Tráfego Aéreo. Às vezes, são os três." Nesse caso, acabou sendo um alarme falso, porque o "zumbi" foi para o norte e se afastou das fronteiras da Otan.

A base aérea de Amari, na Estônia, onde os caças Typhoon estão estacionados, costumava abrigar a Força Aérea Soviética durante a Guerra Fria, e na floresta próxima ainda há um cemitério em que pilotos soviéticos estão enterrados com os estabilizadores horizontais de seus antigos MiG-15s e MiG-17s.

Atualmente, a missão desses pilotos da Otan é complicada e implacável.

Com a Finlândia agora na Otan, o Mar Báltico é limitado por sete membros da aliança, que logo serão oito quando o caminho estiver aberto para a Suécia. Mas a Rússia ainda tem pontos de apoio estratégicos ali: São Petersburgo, a segunda maior cidade russa, a leste, e seu enclave de Kaliningrado, a antiga cidade prussiana de Konigsberg e seu interior, um lugar agora repleto de mísseis e outros equipamentos militares.

Caças russos Su-27 Flanker, aeronaves de Comando e Controle Aerotransportado e aviões de carga voam para cima e para baixo no Báltico entre essas duas bases e além, mantendo as forças da Otan sempre em alerta. "Podemos estar sentados lá, com os pés em cima da mesa, tomando café e, no minuto seguinte, o alarme soar", diz um dos pilotos mais jovens do Typhoon, que pediu para não ser identificado.

"Reagimos a qualquer alarme como se fosse real. Então, corremos para a aeronave, colocamos nosso kit, ligamos os motores, apertamos o cinto de segurança, falamos com a torre de controle e a equipe de operações nos rádios, obtemos autorização e então taxiamos e decolamos o mais rápido que pudermos."

Nos hangares, outro piloto se aproxima de um Typhoon. Estão armados e "de prontidão", se necessário.

O comandante de voo Rich Leask aponta para um míssil longo fixado na lateral da fuselagem. "Este é o Meteoro", diz. "Está em serviço operacional desde 2018. Na frente tem seu próprio radar de busca ativa, e na traseira, sua própria propulsão com um Ramjet [tipo de motor a jato que não possui partes móveis]."

Outros mísseis menores, projetados para combates aéreos de curto alcance, permanecem posicionados nas pontas das asas. Então, o que realmente acontece quando os pilotos se aproximam desses "zumbis" russos? Presumivelmente, ninguém quer começar a perder mísseis e iniciar a Terceira Guerra Mundial.

"Nosso papel é proteger o espaço aéreo da Otan", responde Maccoll, acrescentando enigmaticamente que "nossas Regras de Engajamento são sigilosas". Outro piloto é um pouco mais preciso. "Não sabemos que aeronave interceptaremos. Então paramos ao lado, identificamos o veículo e recebemos mais dados, mais conjuntos de missões do Centro de Operações, e respondemos ao que eles nos dizem para fazer."

Esses pilotos da RAF tiram muitas fotos dos "zumbis" quando eles se aproximam e os escoltam pelo espaço aéreo da Otan. "Realizamos oito missões de interceptação", diz Maccoll. "Todas foram contra aeronaves russas... Temos feito policiamento aéreo do Báltico por vários anos, mas não há dúvida de que a invasão ilegal da Ucrânia pela Rússia no ano passado mudou a dinâmica aqui."

Essa dinâmica também mudou em solo, onde há uma urgência em colocar forças terrestres suficientes para impedir qualquer futura incursão russa. A primeira-ministra da Estônia, Kaja Kallas, que cresceu na época da União Soviética, diz não ter dúvidas de que, se a invasão da Ucrânia por Vladimir Putin for bem-sucedida, seria uma questão de tempo até que voltasse sua atenção para os Estados bálticos.

Como parte da política da Otan de "presença avançada aprimorada" nesses países e na Polônia, há um grupo de batalha multinacional liderado pelos britânicos baseado em Tapa, no norte da Estônia. Tanques de batalha Challenger 2, sistemas de foguetes de lançamento múltiplo, helicópteros Wildcat e Apache e até mesmo uma Legião Estrangeira Francesa têm por objetivo dissuadir qualquer movimento de Moscou.

"O desafio da Otan aqui no Báltico", diz o brigadeiro Giles Harris, que comanda a Operação Cabrit, a contribuição da Grã-Bretanha na Estônia, "é deter a Rússia sem escalar [o conflito]".

Os números, porém, são minúsculos em comparação com as vastas forças que a Rússia pode reunir através da fronteira em tempos normais. Houve uma admissão relutante de que a força de dissuasão da Otan na Estônia atuaria essencialmente como um "detonador", desencadeando um reforço rápido enquanto as forças russas avançavam para o oeste. A Otan tem forças suficientes?

"Os Grupos de Batalha [no Báltico] devem ser um impedimento suficiente", diz Harris. "Se isso falhar, então estamos acabados. Se a Rússia invadir, então iremos para o leste e lutaremos contra eles."


Este texto foi originalmente publicado aqui.

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