Lula reitera discurso sobre 'narrativa' na Venezuela e diz que críticas fazem parte da democracia

Presidente organizou encontro entre líderes sul-americanos para tentar impulsionar integração na região

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reforçou na noite desta terça-feira (30) a sua visão de que as acusações de falta de democracia na Venezuela não passam de uma narrativa. "Não é possível" que não haja democracia no país vizinho, segundo o petista.

Lula também apontou uma suposta seletividade por parte das nações, que criticam alguns regimes e protegem outros que violam os direitos da população.

A declaração acontece após as falas dos presidentes de Uruguai e Chile, Luis Alberto Lacalle Pou e Gabriel Boric, respectivamente. A defesa da Venezuela causou desconforto durante o encontro de chefes de Estado de países sul-americanos.

Lula e os presidentes da América do Sul durante encontro para discutir nova integração regional, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

"Sempre defendi a ideia de que cada país é soberano para decidir o seu regime político, que tipo de eleição vai ter e para discutir as coisas internas. É importante que a gente tenha clareza de que as exigências que o mundo democrático faz para a Venezuela não são feitas para a Arábia Saudita. É muito estranho", afirmou o presidente.

Lula ainda afirmou que a suposta construção de narrativas remonta a 2002, sempre associada ao regime chavista. Segundo o petista, construiu-se a imagem de que o ex-presidente Hugo Chávez era um "demônio", o que manipulava a opinião pública contra Caracas.

"Desde que Chávez tomou posse, foi construída uma narrativa contra ele. Eu tive oportunidade de ver isso. Uma narrativa em que você determina que o cara é um demônio. A partir do momento que você cria a narrativa de que o cara é um demônio, você começa a jogar todo mundo contra ele. Foi assim que aconteceu com Chávez, foi assim que aconteceu comigo", afirmou.

O presidente brasileiro ainda relativizou as críticas recebidas de outros presidentes sul-americanos sobre sua fala no dia anterior —feitas, porém, "no limite da democracia".

"Todo mundo sabe que eu falo o que eu penso. Em política, toda vez que você quer destruir um adversário, a primeira coisa que você faz é construir uma narrativa dele", afirmou. "Maduro é um presidente que faz parte do continente nosso, desse pedaço de continente americano. Ele foi convidado [para a cúpula] e houve muito respeito com a participação do Maduro, inclusive dos companheiros que fizeram as críticas, que fizeram as críticas no limite da democracia."

Ao concluir, o presidente citou eleições ocorridas durante o regime de Maduro para justificar o seu raciocínio. Alguns desses pleitos, no entanto, foram criticados por observadores internacionais, como a União Europeia.

"Não é possível que, de 29 eleições, o cara tenha ganhado 27 ou 25. Não é possível que, de 23 governadores, ele tenha eleito 19. E ele perdeu exatamente na cidade do Chávez. Não é possível que não tenha o mínimo de democracia na Venezuela. Eu brigava com o Chávez porque qualquer coisa ele queria fazer um referendo", afirmou.

A fala vai ao encontro do que Lula já havia dito na véspera, quando recebeu Maduro em uma visita oficial no Palácio do Planalto. Em uma declaração conjunta, o brasileiro afirmou que o encontro com o ditador era um "momento histórico". E então acrescentou que as críticas ao regime venezuelano eram uma "narrativa" e que cabia ao país mostrar a sua versão para fazer as pessoas mudarem de opinião.

Nesta terça, a declaração do presidente aconteceu após a conclusão das reuniões entre 11 presidentes da América do Sul. O encontro foi uma iniciativa do próprio Lula, que busca lançar e liderar uma nova integração regional. Os chefes de Estado ainda vão se reunir para um jantar no Palácio da Alvorada.

O presidente pretendia avançar no evento com o relançamento da Unasul, organização que chegou a reunir 12 países da América do Sul e que atualmente está inoperante e abandonada. Apenas sete membros ainda integram a organização.

Durante seu discurso, ele enalteceu o passado e os avanços da organização. Lula também disse que os interesses que unem os países "estão acima de divergências ideológicas", uma reação às críticas de que a reativação do órgão responde a um contexto de viés à esquerda na região. O brasileiro também propôs o uso de uma moeda comum em negociações na América do Sul.

Alguns países já deixaram claro a sua oposição ao renascimento da Unasul, apontando um grande viés ideológico na organização. Ela havia sido criada em 2008, tendo como seus líderes os então expoentes da esquerda na região: Lula, Cristina Kirchner (Argentina) e Hugo Chávez (Venezuela).

A oposição foi externada durante o encontro por alguns presidentes, que pediram um caráter mais pragmático de um futuro mecanismo de integração regional. A voz mais forte nesse sentido foi do uruguaio Lacalle Pou, que disse "basta de instituições".

Diante de Lula, o uruguaio ainda confrontou e se disse surpreso com a declaração do brasileiro em defesa de Maduro. "Esta reunião foi antecipada, não sei se de forma planejada, por uma bilateral entre Brasil e Venezuela. E há uma declaração que está sendo negociada neste momento, que tenho o rascunho aqui. Fiquei surpreso quando foi dito que o que acontece na Venezuela é uma narrativa. Já sabem o que pensamos sobre a Venezuela e o governo da Venezuela."

Na mesma toada, o líder do Chile, o esquerdista Gabriel Boric, afirmou ter manifestado uma discrepância em relação à declaração de Lula. "Não é uma construção narrativa, é uma realidade", disse ele a jornalistas, após a primeira etapa da reunião. "É [uma realidade] séria, e tive a oportunidade de vê-la nos olhos e na dor de centenas de milhares de venezuelanos que vêm à nossa pátria e que exigem, também, uma posição firme e clara para que os direitos humanos sejam respeitados sempre e em todos lugares, independentemente da cor política do governante de turno."

Maduro relativizou as falas de seus colegas. "Há presidentes com diversas visões, como vocês sabem. Não temos problema em sentar, conversar e falar francamente com nenhuma força política, com nenhum presidente, com nenhuma corrente. Um diálogo respeitoso, tolerante e de união na diversidade."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.