Putin diz que Ocidente quer destruir Rússia e faz desfile enxuto no Dia da Vitória

Evento que é um dos principais do calendário patriótico russo se dá em meio à expectativa de contraofensiva da Ucrânia

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São Paulo

Comemorado nesta terça-feira (9) na Rússia, o Dia da Vitória, que celebra o êxito dos Aliados contra a Alemanha nazista em 1945, vinha sendo festejado com cada vez mais pompa por Vladimir Putin desde que ele assumiu o poder, mais de 20 anos atrás.

Mas sua segunda edição sob a sombra da Guerra da Ucrânia espelhou as dificuldades que seu governo enfrenta na frente de batalha às vésperas de uma aguardada contraofensiva ucraniana. O momento ainda é cercado de incertezas acerca da capacidade militar russa após um suposto ataque de drone ao Kremlin na semana passada —Moscou acusa Kiev pela ofensiva, que nega a autoria do atentado.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, aparece no telão enquanto observa militares enfileirados em desfile pelo Dia da Vitória no centro de Moscou - Alexander Avilov/Agência de Notícias Moskva/via AFP

O temor de ataques levou ao menos 20 cidades russas a cancelar ou diminuir eventos relacionados à data, sob alegação de não chamar a atenção de inimigos ao concentrar tropas e equipamentos militares. Desfiles tradicionais em que a população exibe retratos de parentes que lutaram contra os nazistas também foram suspensos.

Mesmo o desfile em Moscou, antes usado por Putin como uma demonstração de sua força militar, foi reduzido, de acordo com o cálculo do analista independente Oliver Alexander, reproduzido pelo jornal The Washington Post. Segundo ele, apenas 50 veículos foram exibidos na parada de 45 minutos, contra 131 em 2022 —o número ultrapassava os 200 em anos anteriores. Além disso, só um tanque integrou o desfile, um T-34 da Segunda Guerra, e o tradicional desfile aéreo foi cancelado pelo segundo ano consecutivo.

Sem novas conquistas militares para anunciar, Putin voltou a atacar o Ocidente em seu discurso na praça Vermelha, que contou com a presença de representantes de aliados russos como Tadjiquistão, Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão, Turcomenistão, Armênia e Belarus. "Uma verdadeira guerra foi mais uma vez desencadeada contra nossa pátria. Hoje, a civilização está num ponto de inflexão", afirmou ele, responsabilizando os "globalistas e elite ocidentais".

"O objetivo deles, e não há nada de novo aqui, é obter o colapso e a destruição de nosso país", prosseguiu Putin no pronunciamento de cerca de dez minutos, antes de dizer que a Ucrânia havia se tornado refém de um golpe de Estado e "uma peça de barganha" para americanos e europeus.

Putin já havia feito declarações semelhantes em ocasiões anteriores. Em março de 2022, dias antes de a invasão à Ucrânia completar um mês, ele acusou o Ocidente de tentar "cancelar a Rússia" —uma de suas justificativas para a guerra é que ela representa sobretudo uma reação à expansão das fronteiras da Otan, a aliança militar ocidental.

Ao longo de 2022, com o apoio dos Estados Unidos e da Europa ao governo de Volodimir Zelenski surtindo efeito, Putin reforçou a retórica e passou a retratar o conflito como uma luta existencial de Moscou contra o Ocidente. A visão foi inclusive adicionada à doutrina oficial de política externa este ano, um documento de mais de 40 páginas formulado sob a liderança do decano chanceler Serguei Lavrov.

O pronunciamento de Putin no desfile do Dia da Vitória ainda foi marcado por uma tentativa de incentivar o Exército. Dirigindo-se a uma plateia de soldados e veteranos, ele usou o feriado como gancho para traçar paralelos entre os desafios enfrentados pelos russos no conflito hoje e aqueles com que as tropas soviéticas lidaram na Segunda Guerra Mundial —40% do total de 70 milhões de mortes no conflito foi de soldados do Estado comunista.

"Batalhas decisivas pelo destino de nossa pátria-mãe sempre se tornaram sagradas. Nada é mais importante do que a missão de vocês. Cumpram-na com honra, lutem pela Rússia", acrescentou Putin.

O tom encorajador foi de certa forma abalado por um vídeo divulgado pelo fundador do mercenário Grupo Wagner, Ievguêni Prigojin, pouco depois do desfile oficial. Nele, o empresário conhecido como "chef de Putin" por já ter comandado os serviços de alimentação do Kremlin não economiza nos palavrões ao se queixar da falta de envio de munições e armamentos para suas tropas em Bakhmut, no leste da Ucrânia.

A cidade se tornou uma das principais da guerra nos últimos meses, sendo apelidada de "moedor de carne". Prigojin havia ensaiado deixar o combate na semana passada, mas, no vídeo divulgado nesta terça, disse que o governo ameaçou acusar tropas de traição à pátria caso a decisão fosse levada a cabo.

O Dia da Vitória não interrompeu, aliás, os enfrentamentos no local. A agência de notícias AFP relatou que um de seus funcionários, o coordenador do departamento de vídeo Arman Soldin, foi morto por um foguete em Tchasiv Iar, perto do limite com Bakhmut.

Zelenski também destacou o impasse entre as tropas de seu país e os mercenários na cidade. A Rússia havia estabelecido o Dia da Vitória como prazo final para a conquista da cidade —Moscou acredita que ela tem peso estratégico na conquista de Donetsk, uma das regiões que anexou ilegalmente no ano passado.

Zelenski passou a data ao lado da presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, em Kiev. Ele anunciou que a Ucrânia passaria a comemorar o Dia da Vitória em 8 de maio, data oficial da rendição nazista —tanto a Rússia quanto ex-repúblicas comunistas o comemoram em 9 de maio porque já passava da meia-noite quando a União Soviética recebeu a notícia da vitória.

Assim, o 9 de maio passa a ter um novo significado para os ucranianos: será usado para comemorar o Dia da Europa, marco do início da integração dos países do continente que resultou na fundação da União Europeia.

O simbolismo da ruptura com a Rússia e da aproximação com a Europa foi saudada por Von der Leyen. "Kiev é o coração dos valores europeus atuais. A Ucrânia luta corajosamente pelos ideais da Europa que celebramos hoje", disse ela ao lado de Zelenski em encontro com a imprensa. Ela não deu, contudo, nenhuma indicativa de que o objetivo da Ucrânia, entrar no bloco, esteja mais próximo.

A nação invadida foi, aliás, alvo de um novo ataque de mísseis russo na madrugada da terça-feira. A informação, anunciada a princípio por Kiev —que diz ter derrubado 23 dos 25 mísseis de cruzeiro disparados—, foi confirmado pelo Ministério da Defesa russo, segundo o qual a ação interrompeu o suprimento de munições para a linha de frente ucraniana.

Com AFP e Reuters

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