Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia

Por que os referendos da Rússia na Ucrânia são considerados ilegítimos

Processos de anexação violam Constituição ucraniana e preceitos da Carta da ONU, texto-base do direito internacional

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São Paulo

Chamados de farsa por potências do Ocidente, os referendos de anexação promovidos pela Rússia em porções ocupadas na Ucrânia confrontam não apenas as leis internas do país do Leste Europeu como também preceitos do direito internacional.

Em relação à Constituição ucraniana, em vigor desde 1996, as votações realizadas por Moscou sob forte presença militar em áreas conquistadas na guerra contrariam o artigo que define que "questões relacionadas a alterações no território serão resolvidas exclusivamente com um referendo que envolva todo o país".

Homem gesticula em centro de votação na autoproclamada república separatista de Donetsk, no Donbass, leste da Ucrânia - Alexander Ermotchenko - 27.set.22/Reuters

Nos referendos, participaram somente as populações dos locais a serem anexados —as autoproclamadas repúblicas de Donetsk e Lugansk, no Donbass, além das províncias de Kherson e Zaporíjia, áreas que somam 15% do território do país.

A Constituição prevê ainda que, para ser convocado, um referendo do tipo precisa ser pleiteado por ao menos 3 milhões de cidadãos. A palavra final, por fim, cabe ao Rada, o Parlamento, e ao presidente —hoje Volodimir Zelenski, que tem chamado o processo de "pseudorreferendos".

O processo de anexação vai também de encontro à Carta da ONU, texto-base do direito internacional há mais de meio século. O documento diz: "Todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado".

Sob essa interpretação, invadir o território vizinho em 24 de fevereiro foi uma ação ilegítima, e realizar referendos em um Estado que não se governa diretamente é uma forma de ingerência que viola a soberania e a autodeterminação dos povos.

O trecho tem servido como argumento por diferentes atores, da ONU à própria Ucrânia, para denunciar a agressão russa. Zelenski, por exemplo, tem dito que, se Moscou não respeita o texto-base, não poderia manter-se como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Há ainda trechos das Convenções de Genebra e de Haia que versam sobre as regras para a ocupação de território inimigo numa guerra. Nesse caso, ocupantes passam a ter autoridade, mas devem respeitar, "a menos que sejam absolutamente impedidos, as leis que já estavam em vigor no país".

Potências ocidentais como Alemanha, EUA e Polônia já disseram que não reconhecerão o resultado dos referendos. Liz Truss, recém-eleita primeira-ministra do Reino Unido, afirmou que nunca reconhecerá as "tentativas russas de anexar territórios soberanos".

Entre o discurso e a prática, porém, há na memória o exemplo da Crimeia, anexada pela Rússia em 2014. Governos ocidentais também condenaram o ato de Moscou à época, mas o fato é que Vladimir Putin assimilou a península sem grandes dificuldades.

Como esperado, sob baixa transparência e sem acompanhamento internacional, os referendos tiveram vitórias acachapantes. Em Donetsk, mais de 99% teriam sido favoráveis à anexação. A menor cifra de apoio se deu em Kherson: 87%.

Antes da votação, levantamentos divulgados por agências de notícias ligadas ao Kremlin já desenhavam um cenário amplamente favorável. Já uma pesquisa capitaneada pelo jornal americano The Washington Post, com três institutos independentes em janeiro —portanto, antes da guerra—, desenhou algo diferente.

O projeto ouviu, por telefone, 4.000 pessoas que viviam no Donbass, tanto em áreas já ocupadas por separatistas russos quanto naquelas sob controle de Kiev. No total, 42% disseram preferir seguir na Ucrânia, 31% afirmavam querer a anexação pela Rússia e 9% almejavam a independência.

Nos recortes, havia, por óbvio, divergências. Nas áreas controladas por Kiev, 72% queriam os territórios de volta à Ucrânia. Já entre os residentes das porções separatistas, 49% disseram querer fazer parte da Rússia.

Do lado russo, o que se desenhava era um apoio majoritariamente favorável à anexação de Kherson e Zaporíjia, mostrou pesquisa do instituto independente Levada em agosto, com 1.612 russos: 45% diziam que as regiões deveriam ser parte da Rússia, 21% que deveriam ser independentes e 14% que deveriam permanecer ucranianas. O apoio à anexação era maior entre a população acima de 55 anos (51%); na faixa de 18 a 24, ficava em 37%.

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