Descrição de chapéu The New York Times refugiados

Refugiado da Ucrânia que há 40 anos vive em hotel de NY agora enfrenta um despejo

Local busca expulsar homem de 82 anos enquanto recebe milhões de dólares para abrigar migrantes recém-chegados

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Dan Barry
Nova York | The New York Times

As provações de muitos podem ser lucrativas para poucos. Tome-se o caso do velho Hotel Stewart, em Manhattan, usado como habitação temporária para alguns entre dezenas de milhares de migrantes que buscam refúgio em Nova York.

A Prefeitura está pagando diária de US$ 200 por 611 quartos no hotel, que tem quase cem anos. Isso equivale a mais ou menos US$ 6.000 mensais por quarto, ou US$ 3,6 milhões mensais.

William Mackiw, 82, imigrante ucraniano, no Stewart Hotel, em Manhattan
William Mackiw, 82, imigrante ucraniano, no Hotel Stewart, em Manhattan - Kirsten Luce/The New York Times

Ao mesmo tempo em que recebem diárias rentáveis, os proprietários estão movendo uma ação para despejar um homem que paga US$ 865 mensais pelo quarto 1810: William Mckiw, que vive no local há tanto tempo que ninguém mais sabe dizer quando ele apareceu. Faz décadas.

Em algum momento ele foi morar no quarto, cujo aluguel era estabelecido com a inquilina, sua tia Louisa. Em algum momento, ela morreu. Também faz décadas. E ele simplesmente continuou a pagar o aluguel modesto com o que ganhava como garçom. Mês após mês, ano após ano.

Com 82 anos e aposentado, Mackiw vive em meio a relíquias de uma vida solitária enraizada no passado. Pilhas de filmes antigos em VHS e DVD. Camisas puídas penduradas sobre a banheira manchada. Um televisor quebrado. Um telefone de disco coberto de pó. Quatro pares de calçados pretos reunidos no chão como um bando de corvos.

Dentro de seu mundo restrito, cujos limites apertados incluem uma igreja e um mercado, Mackiw vivia sobretudo sem ser visto. Isto é, até alguns meses atrás, quando alguém bateu à sua porta e lhe entregou um documento. A mensagem: "É hora de você sair daqui". Em dez dias.

Pressões econômicas, sociais e geopolíticas se somaram para virar do avesso o cantinho minúsculo que Mackiw ocupava. E não foi a primeira vez. Mackiw foi um imigrante muito tempo atrás. Precisou de refúgio à época, e é bem possível que precise novamente em breve.

Em novembro de 1949, o General C.C. Ballou, um navio de carga do Exército americano reconfigurado para levar passageiros, zarpou do porto alemão de Bremerhaven. Estavam a bordo 1.265 dos muitos milhões de europeus deslocados pela Segunda Guerra Mundial.

De acordo com registros mantidos pelo Centro de Estudos de Migração de Nova York, entre os passageiros estavam os ucranianos Celestin e Sofia Mackiw e seus dois filhos, Zigfrid, 12, e Wilhelm, 9. ]

A família havia vivido em um campo de deslocados em Aschaffenburg, na Alemanha, onde os deslocados, perseguidos e traumatizados recebiam alimento, vestimenta e assistência médica.

Uma vez nos EUA, a família foi viver num prédio sem elevador em um bairro do East Village conhecido como Little Ukraine (algo como pequena Ucrânia). William se recorda de sua mãe como "uma mulher incrível" e de seu pai como um limpador de janelas corajoso "que não se dava ao trabalho de usar cinto de segurança".

Mais tarde, os Mackiw se mudaram para a Orchard Street, no Lower East Side. Mackiw estudou no Colégio Técnico de Maquinistas e Metalúrgicos e, em 1959, tornou-se cidadão americano e trabalhou em uma série de empregos de colarinho azul antes de tornar-se garçom.

Um dos restaurantes em que trabalhou era o Joe Franklin’s Memory Lane, casa no distrito dos teatros frequentada por artistas conhecidos ou que estavam prestes a ser conhecidos. Todos gravitavam na direção de Franklin, radialista e apresentador de TV conhecido por seu conhecimento profundo da história do entretenimento.

"O Rei da Nostalgia", diziam seus cartões de visitas, um dos quais está no meio das coisas no quarto 1810. Ele morreu em 2015.

Enquanto Franklin conversava com personalidades como Soupy Sales, seu garçom favorito era Mackiw. "Joe fazia questão de se sentar na seção onde William estaria servindo", recorda Arnold Wachtel, um cliente de Joe Franklin que administrou lojas de presentes na Times Square. "Eles ficavam falando de filmes antigos e trocando cópias de filmes em vídeo e DVD."

Quando seu turno chegava ao fim, o pequeno garçom colocava um chapéu sobre a cabeça calva e voltava para o Hotel Stewart, na esquina da Seventh Avenue e 31st Street, para o quarto 1810.

Na mesma semana em que o hotel começou a alugar quartos à Prefeitura por valores de mercado, um oficial de Justiça entregou uma ordem de despejo ao homem que atendeu quando ele bateu à porta do quarto 1810. O oficial descreveu Mackiw nos seguintes termos: altura: 1,65 metro; peso: 50 kg; idade aproximada: 83 anos; cabelo: chapéu.

Aflito, Mackiw procurou Wachtel, seu antigo freguês no Joe Franklin’s, que não tinha notícias dele havia mais de 12 anos. Como filho de um sobrevivente do Holocausto, Wachtel se comoveu com o sofrimento de Mackiw –"este homem está apavorado"— e com as recordações de seus familiares de abrigar judeus durante a guerra.

Wachtel fez telefonemas, enviou emails e tomou medidas para tornar-se o procurador de Mackiw. Entrou em contato com o Projeto Jurídico Goddard Riverside, especializado nos direitos de moradores de quartos ocupados por um inquilino individual (conhecidos pela sigla SRO, de single room occupancy).

A entidade concordou em trabalhar no processo movido no Tribunal de Habitação pela empresa CYH Manhattan LLC contra William Mackiw, também conhecido como Bill Mackiw.

Daniel Evans, advogado da Goddard Riverside, diz que, conforme os códigos de estabilização de aluguel da Prefeitura, Mackiw ganhou os direitos e proteções de um residente permanente de SRO depois de viver no apartamento por seis meses. Não há dúvida de que ele vive no local há mais tempo que seis meses –muito, muito mais tempo.

"É revoltante que eles movam esse tipo de ação depois de Mackiw estar morando ali há 40 anos", diz Evans. "Especialmente considerando que ele próprio vai ao balcão pagar o aluguel. O hotel sabe que ele está ali."

Por enquanto, Mackiw, um refugiado de outro tempo, continua a viver entre os refugiados de hoje, preocupado com seu futuro a ponto de chorar. Ele passa a maior parte do tempo no quarto 1810.

Ali, durante uma visita recente, a única comida disponível parecia ser leite, algumas fatias de queijo, manteiga de amendoim, uma caixa de cereal, um pacote de biscoitos de baunilha e alguns chocolates. "Quer um Hershey?", ofereceu o velho garçom.

Tradução de Clara Allain

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