Vídeo sobre confronto entre manifestantes e Exército venezuelano na fronteira com o Brasil é de 2019

Post engana ao sugerir que território brasileiro está sendo atacado por militares do país vizinho

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São Paulo

É enganoso um post que compartilha nas redes sociais um vídeo de 2019 em que um militar brasileiro descreve uma ação das forças venezuelanas sobre o território brasileiro como se fosse atual. A publicação, de 17 de junho de 2023, sugere que o país está sendo invadido pela Venezuela: "Soldado brasileiro tomando tiro de borracha de Exército venezuelano. Acabou!!!".

O Projeto Comprova apurou que as imagens foram transmitidas originalmente pelo telejornal "Edição das 18″, da GloboNews. Na entrada ao vivo, que foi ao ar quatro anos atrás, no dia 23 de fevereiro, o repórter Vladimir Netto entrevista o coronel José Jacaúna, em Pacaraima, município de Roraima, sobre um confronto entre manifestantes e soldados venezuelanos na fronteira entre Brasil e Venezuela. O militar afirma que balas de borracha e tiros haviam sido disparados por militares do país vizinho e bombas de gás lacrimogêneo haviam sido arremessadas ao território brasileiro.

O episódio em questão ocorreu num momento de tensão na Venezuela. Naquela data, um sábado, o governo de Jair Bolsonaro (PL) enviaria alimentos, medicamentos e itens de higiene à Venezuela pela cidade de Pacaraima. Afetado pela hiperinflação, o país sofria com escassez de suprimentos. Dias antes, porém, a fronteira foi fechada pela GNB (Guarda Nacional Bolivariana) por ordem do presidente Nicolás Maduro, na intenção de barrar a entrada dos itens fornecidos por países vizinhos e pelos Estados Unidos.

Nicolás Maduro, de camisa vermelha com costura e botões brancos, apoia o antebraço esquerdo em púlpito. Fundo é vermelho com uma faixa vertical azul no centro
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, em evento em Caracas - Fernandez Viloria - 1º.mai.2023/Reuters

O "Dia D" de ajuda humanitária havia sido convocado pelo líder oposicionista Juan Guaidó e não contava com a anuência de Maduro, que negava situação de "emergência humanitária" e via a operação como uma porta de entrada para uma possível intervenção militar norte-americana. O político chegou a declarar em discurso que não era mendigo e atribuiu a falta de medicamentos e alimentos a uma "guerra econômica" da direita e a duras sanções americanas.

Diante do bloqueio da entrada de suprimentos, houve protestos de civis venezuelanos, tanto na fronteira com o Brasil quanto na fronteira com a Colômbia, que também havia sido fechada. Esse foi o motivo do confronto entre manifestantes venezuelanos, do lado brasileiro, e soldados, do outro lado da fronteira.

Na ocasião, segundo o portal G1, os civis que migraram para Roraima atiraram pedras e coquetéis molotov contra a base militar da Venezuela, enquanto militares venezuelanos reagiram com bombas de gás lacrimogêneo, pedras e tiros, que atingiram o território brasileiro. Um civil venezuelano passou mal e precisou de atendimento no posto militar brasileiro. Não há registro de que soldados brasileiros tenham ficado feridos.

Na entrevista à GloboNews, Jacaúna comenta que "nunca tinha visto nenhum Exército de outro país jogar bomba de gás lacrimogêneo no Brasil" e acrescenta: "Realmente extrapolaram na reação em cima dos venezuelanos que estão aqui no nosso território".

Conflitos voltaram a acontecer no domingo, 24 de fevereiro. No mesmo dia, militares brasileiros montaram uma barreira de contenção em Pacaraima, perto da fronteira. À AFP, o coronel do Exército brasileiro Georges Feres Kanaan disse, à época, que a barreira não significava que o Brasil tinha fechado a passagem fronteiriça. "Estamos cuidando para que ninguém se machuque, este é um confronto entre civis e militares venezuelanos", justificou.

Também em resposta às ações das forças venezuelanas em território nacional, o governo federal, por meio do Itamaraty, emitiu uma nota no dia seguinte condenando "os atos de violência perpetrados pelo regime ilegítimo do ditador Nicolás Maduro" e chamando o governo de "criminoso". "O uso da força contra o povo venezuelano, que anseia por receber a ajuda humanitária internacional, caracteriza, de forma definitiva, o caráter criminoso do regime Maduro."

A fronteira entre Brasil e Venezuela em Roraima permaneceu fechada por quase três meses. No dia 10 de maio de 2019, após uma série de reuniões e negociações entre os países, ela foi reaberta.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance

O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 22 de junho de 2023, o tuíte somava 222,4 mil visualizações, 3,8 mil curtidas, 1,1 mil compartilhamentos e 184 comentários.

Como verificamos

O vídeo usado de forma enganosa nas redes sociais carrega algumas pistas que nos permitem chegar facilmente ao conteúdo original, como a logomarca da GloboNews, o nome do entrevistado —José Jacaúna— e a manchete em referência ao conteúdo exibido.

Buscando no Google por "José Jacaúna", "GloboNews" e "Venezuela", chegamos a reportagem publicada pelo G1 sobre o caso. A matéria, de 2019, contém o vídeo da entrevista com o militar. Clicando com o botão direito do mouse sobre a imagem e, na sequência, em "Pesquisar Imagens com Google", chegamos ao vídeo original, publicado pela GloboNews.

Também pesquisamos no Google por "manifestantes entram em confronto na fronteira com o Brasil" e "crise na Venezuela", que retornou outras reportagens de 2019 sobre o fato, bem como checagens atuais sobre o post enganoso feitas por outras agências (Lupa e Aos Fatos).

Por fim, procuramos o político responsável pela publicação do post.

O que diz o responsável pela publicação

A reportagem fez contato, pelo WhatsApp, com o deputado federal José Medeiros (PL), que foi vice-líder do governo Bolsonaro e senador por Mato Grosso. Não houve retorno até a publicação desta checagem.

O que podemos aprender com esta verificação

A tática de desinformação presente no post verificado é o uso de um vídeo antigo fora do contexto original. Ao ser compartilhado anos depois de sua veiculação original, sem data e informações complementares, o vídeo pode parecer atual, o que altera completamente o seu significado.

Ao se deparar com uma publicação como essa, desconfie. Pesquise sobre o tema abordado junto a fontes confiáveis, como órgãos oficiais e veículos jornalísticos. Ao perceber a logomarca de um canal por assinatura conhecido, faça uma busca pelo conteúdo no próprio site do canal ou tente encontrá-lo por busca reversa de imagem. Assim, poderá conferir a data em que foi publicado e o contexto da notícia.

Por que investigamos

O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984. Sugestões e dúvidas relacionadas a conteúdos duvidosos também podem ser enviadas para a Folha pelo WhatsApp 11 99486-0293.

Outras checagens sobre o tema

O mesmo conteúdo foi checado pelas agências Lupa e Aos Fatos. O Comprova já verificou outras peças de desinformação envolvendo a Venezuela. Mostrou ser falso que Joe Biden tenha convocado o Congresso por falas de Lula em apoio à Venezuela e que Exército e Itamaraty tenham identificado ameaças externas na fronteira do Brasil.

A investigação desse conteúdo foi feita por Grupo Sinos e publicada em 22 de junho pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 41 veículos na checagem de conteúdos virais. Foi verificada por Folha, UOL, O Popular, Estadão, A Gazeta e Plural Curitiba.

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