Descrição de chapéu Financial Times

Ataques a caixas eletrônicos crescem na Alemanha, e criminosos levam milhões

Apego a dinheiro vivo e força policial fragmentada tornam país europeu alvo preferencial de facções criminosas

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Olaf Storbeck
Düsseldorf e Wiesbaden | Financial Times

Cinco homens levaram menos de dois minutos para roubar uma quantia de seis dígitos de euros em dinheiro vivo. Às 2h30 de uma quinta-feira de junho, eles plantaram bombas ao lado de quatro caixas eletrônicos de um banco num subúrbio de Frankfurt, na Alemanha.

Depois de uma série de explosões, recolheram o dinheiro e partiram em um Audi S6 em alta velocidade.

Funcionários trabalham em banco destruído por explosão de caixa eletrônico perto de Frankfurt, na Alemanha
Funcionários trabalham em banco destruído por explosão de caixa eletrônico perto de Frankfurt, na Alemanha - Max Schwarz - 31.mai.23/Reuters

O ataque fez parte de uma onda de crimes que atinge a Alemanha, assustando moradores de cidades grandes e pequenas com explosões à noite. A Polícia Criminal Federal (BKA, na sigla em alemão) informou que, no ano passado, foram detonados 496 caixas eletrônicos, 27% a mais que em 2021. Daniel Muth, vice-diretor da polícia criminal do estado de Hesse, diz que os ataques estão "cada vez mais profissionais".

A Alemanha virou o alvo preferido de assaltantes na Europa, que se aproveitam de um sistema bancário fragmentado e de uma polícia descentralizada, além da preferência dos alemães por dinheiro vivo em vez de cartões ou pagamentos digitais. Com mais de 55 mil caixas abastecidos com cédulas de valor alto para alimentar a demanda, a quantia média roubada em cada ataque em 2022 chegou a € 100 mil (R$ 524,7 mil). Segundo a BKA, o custo dos ataques subiu 53% em relação a 2021, para € 30 milhões (157 milhões).

"Os ataques a bomba a caixas eletrônicos na Alemanha são assaltos a bancos modernos", afirma Muth. Para ele, esses ataques se tornaram muito fáceis para grupos de criminosos profissionais que atacam caixas eletrônicos em locais isolados ou pouco protegidos.

Segundo a polícia alemã, os assaltantes são em sua maioria holandeses. O "plofkraker" típico –termo cunhado a partir das palavras holandesas para explosão e roubo— tem entre 18 e 35 anos, raízes na comunidade holandesa-marroquina e vive em Utrecht, onde ataques a caixas estão em crescimento. Autoridades estimam que até mil indivíduos que vivem nessa área estão ligados a esse tipo de crime.

O número cada vez menor de caixas eletrônicos na Holanda e na França, somado ao fato de que os equipamentos costumam ter sistemas de proteção com cola que podem converter cédulas em um papel sem valor, levou bandidos a voltar suas atenções à Alemanha, dizem policiais.

Os alemães relutam muito mais que outros europeus em fazer pagamentos digitais. Mais de 50% dos entrevistados em uma pesquisa recente disseram que preferem usar dinheiro vivo quando fazem suas compras. Por essa razão, as agências bancárias precisam continuar a fornecer cédulas físicas.

Os estados alemães próximos à Holanda, como a Renânia do Norte-Vestfália, têm sido os mais atingidos pelos ataques neste ano. Os criminosos correm riscos consideráveis. Eles lidam com materiais altamente explosivos que danificam máquinas e agências. De vez em quando, eles próprios sofrem ferimentos.

As fugas são igualmente temerárias; os assaltantes costumam deixar os locais dos crimes em alta velocidade, que chega a 300 km/h. "Às vezes eles desligam os faróis ou fogem por uma rodovia na pista errada", diz Timo Gottlich, diretor de uma força-tarefa especial da polícia criminal estadual de Hesse.

O porta-malas do carro de fuga frequentemente está cheio de bujões de plástico contendo centenas de litros de combustível para que os carros não precisem parar para reabastecer, afirma Muth. Segundo ele, em vários casos a polícia interrompeu a perseguição para evitar o risco de um acidente. Atirar nos veículos arriscaria provocar uma explosão. "Esses veículos são, na prática, bombas em movimento", diz.

O policiamento por si só tem se mostrado insuficiente. "Mais de 200 prisões já foram feitas desde 2015, mas o efeito sobre a atividade criminosa foi muito limitado", diz Achim Schmitz, da polícia de Renânia do Norte-Vestfália. "Para acabar com este crime, é preciso um esforço conjunto da polícia e dos bancos."

Como cada um dos 16 estados alemães comanda sua própria força policial descentralizada, as autoridades enfrentam dificuldades para traçar uma estratégia nacional coerente. E o sistema bancário do país também é fragmentado; há nada menos que 1.500 instituições de crédito. Isso faz com que seja difícil aprimorar os padrões de segurança dos caixas automáticos em nível nacional. "Devido à estratégia federal, a reação na Alemanha pode ser um pouco mais complexa que a de outros países", afirma Schmitz.

Não é fácil identificar e localizar os assaltantes holandeses. Muitos deles estão organizados em redes informais e cooperam pontualmente. Eles analisam tentativas de assalto que fracassaram para aprender com os erros passados, e isso os torna ainda mais difíceis de capturar. "Os criminosos são altamente profissionalizados e agem de modo muito disciplinado", diz Schmitz.

Em Hesse e na Renânia do Norte-Vestfália, a polícia incentiva os bancos a trancar os saguões à noite e a usar câmeras de vigilância de alta qualidade. Os bancos também são aconselhados a instalar dispositivos que soltam nuvens de fumaça após uma explosão, de modo que é mais difícil para os assaltantes encontrarem o dinheiro. Autoridades federais e regionais ameaçam promulgar novas leis para forçar os bancos a proteger melhor os caixas eletrônicos. Mas os sistemas de proteção com cola ainda não têm uso autorizado na Alemanha devido ao risco à saúde das pessoas, e o setor dos bancos não acredita que consiga ganhar a "corrida armamentista" contra os assaltantes.

O Deutsche Bank diz que está fazendo investimentos para aumentar a segurança dos caixas eletrônicos, mas o diretor de gestão de dinheiro, René Devaux, afirma que não existe uma "solução mágica", porque os bancos se veem confrontados com grupos do crime organizado altamente sofisticados.

Policiais investigam cena de crime após ataque a caixas eletrônicos em Ratingen, na Alemanha
Policiais investigam cena de crime após ataque a caixas eletrônicos em Ratingen, na Alemanha - Achim Blazy - 15.mar.23/Divulgação via Reuters

Esses grupos adaptam as táticas rapidamente: depois que caixas eletrônicos foram fortificados, eles passaram a usar explosivos sólidos em vez de gás. Os bancos dizem que, ao mesmo tempo em que procuram combater os ataques, precisam limitar os riscos de danos potenciais a clientes e funcionários pela ativação acidental de sistemas de proteção. "Não faz sentido econômico converter cada caixa eletrônico em um Fort Knox [o depósito central fortificado onde está guardada a reserva de ouro dos EUA]", diz Jorg Schmiese, diretor da Associação de Bancos Alemães.

A polícia de Hesse tenta raciocinar como os assaltantes. Uma força-tarefa identificou locais de alto risco e mapeou as rotas de fuga mais prováveis, incluindo cruzamentos e rodovias que a polícia deve fechar imediatamente após uma explosão. A tática já rendeu resultados. Minutos após a explosão de um caixa eletrônico em Frankfurt no mês passado, a polícia bloqueou uma rodovia próxima e vários cruzamentos.

Um helicóptero perseguiu o carro, e uma equipe com cães policiais foi mobilizada. Os bandidos foram interceptados numa barreira, em que os pneus do Audi foram estraçalhados por uma corrente com cravos.

O carro dos assaltantes se chocou com uma viatura, e os assaltantes tentaram fugir a pé, mas foram capturados. Quatro homens holandeses na faixa dos 27 aos 32 anos estão detidos preventivamente. Horas após as prisões, a polícia holandesa invadiu seus apartamentos na área de Utrecht.

"Nosso índice de sucesso na resolução dos casos não é ruim", diz Gottlich. E a polícia está formando um banco crescente de DNA com amostras dos assaltantes. "Frequentemente sabemos quem são os culpados, e então é apenas uma questão de tempo até os capturarmos."

Promotores e juízes estão começando a levar os assaltantes à Justiça por tentativa de homicídio, punível com até 15 anos de prisão. Eles apontam para o perigo extremo para moradores e transeuntes quando caixas eletrônicos são detonados. Um cidadão alemão de 33 anos que arquitetou quatro explosões de caixas eletrônicos foi sentenciado neste ano a nove anos e meio de prisão. "Temos tido muita sorte pelo fato de ninguém ter sido gravemente ferido ou mesmo morto até agora", diz Gottlich.

O banco Frankfurter Sparkasse, cuja agência foi atacada em junho, monitora os caixas com câmera de vigilância, a partir de uma sala de controle central. Mas o sistema não tem tido bons resultados. Desde novembro, uma em cada dez agências do banco em Frankfurt foi atingida pela detonação de caixas eletrônicos. Os danos foram tão graves que nenhuma das agências reabriu até agora.

Tradução de Clara Allain 

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