Premiê do Camboja, líder da Ásia há mais tempo no poder, anuncia renúncia

Hun Sen transfere cargo para filho sob justificativa de que país precisa de governantes mais jovens

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São Paulo

Um dos chefes de governo há mais tempo no poder no mundo, o premiê do Camboja, Hun Sen, 70, disse nesta quarta-feira (26) que vai renunciar e transferir o cargo para um de seus filhos no mês que vem. Caso confirmada, a mudança encerrará um reinado de 38 anos durante o qual o líder sufocou a democracia.

O anúncio ocorreu após o Partido Popular do Camboja (CPP, na sigla em inglês) vencer as eleições no último domingo (23), em pleito sem oposição real. O resultado fortaleceu o plano de entregar o cargo ao general Hun Manet, 45, filho mais velho do premiê, sob a justificativa de que o país precisa de líderes mais jovens.

"Devo me sacrificar e renunciar ao poder", disse Hun Sen em discurso transmitido na televisão. "É necessário ter um novo gabinete que inclua principalmente jovens. Eles são responsáveis pelo futuro. A paz e o desenvolvimento continuarão sob [o governo de] meu filho."

O premiê do Camboja, Hun Sen, durante cúpula com líderes globais na Bélgica
O premiê do Camboja, Hun Sen, durante cúpula com líderes globais na Bélgica - Kenzo Tribouillard - 14.dez.22/AFP

Hun Sen foi guerrilheiro do Khmer Vermelho, grupo armado do extinto Partido Comunista de Kampuchea, como os comunistas chamavam o Camboja. Mas ele rompeu com os antigos aliados e se exilou no Vietnã depois da ascensão da organização ao poder —de 1975 a 1979, a ditadura promoveu genocídio que deixou mais de 1,5 milhão de mortos.

Após retornar, ocupou posições de destaque no governo e se tornou primeiro-ministro em 1985. Desde então, governa com mão de ferro, e a repressão política forçou centenas de opositores a fugir do país.

Líder da Ásia há mais tempo no poder, o premiê não pretende deixar a política. Ele disse que deve permanecer como chefe de seu partido e presidir o Senado. Também se comprometeu a reassumir a liderança do Estado nos dias em que o rei Norodom Sihamoni viajar ao exterior e voltar ao cargo de premiê se o filho não apresentar bom desempenho.

Hun Manet, filho do premiê, é general e obteve formação acadêmica nos Estados Unidos e no Reino Unido. Ele mantém perfil discreto e dá poucas pistas sobre os planos para o futuro do Camboja e seus 16 milhões de habitantes. Também no domingo, o general conquistou pela primeira vez um assento na Assembleia Nacional e poderá se tornar o próximo governante caso tenha respaldo da Casa.

O novo Parlamento se reunirá em 21 de agosto, e o novo premiê será empossado no dia seguinte, segundo as autoridades. A ascensão de Hun Manet faz parte de uma mudança geracional mais ampla no Camboja: espera-se que muitos legisladores mais jovens assumam cargos ministeriais, incluindo o filho mais novo de Hun Sen e outros vinculados a líderes mais velhos do partido.

O CPP reivindicou a vitória no pleito com 82% dos votos numa eleição em que nenhum partido expressivo da oposição pôde participar. O Candlelight Party, sigla mais relevante do campo contrário ao governo, foi desqualificado da disputa.

Os resultados oficiais ainda não são conhecidos, mas as projeções apontam que o CPP deve conquistar 120 das 125 cadeiras na Câmara Baixa (uma das casas do Parlamento). As eleições foram criticadas por líderes da União Europeia e dos EUA, que a chamaram de injustas.

A ONU ecoou as críticas nesta quarta e denunciou que as eleições ocorreram em um ambiente marcado por ameaças e intimidação. "Os partidos da oposição, ativistas, membros da imprensa e outras pessoas enfrentam muitas restrições e retaliações que parecem ter como objetivo minimizar a campanha política e obstruir o exercício das liberdades essenciais para a celebração de eleições livres", disse o alto comissário para os Direitos Humanos, Volker Türk, em nota.

O relatório mais recente do instituto sueco V-Dem, uma referência na análise de regimes políticos, descreve o Camboja como uma autocracia eleitoral —em que há eleições multipartidárias, mas outros pilares democráticos estão ausentes. Além de corroer a democracia, críticos do atual premiê também denunciam que seu governo foi marcado pela destruição do ambiente e pela corrupção.

Por outro lado, Hun Sen é creditado por instituir estabilidade após anos de guerra e aumentar a renda média da população, além de melhorar a saúde, a educação e a infraestrutura do país.

O Camboja ocupa o 150º lugar entre 180 países no Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional. Na Ásia, apenas Mianmar e Coreia do Norte aparecem em posições piores.

Com Reuters e AFP

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