Lula assume presidência temporária do G20

Em encerramento de cúpula na Índia, presidente define lema da gestão brasileira do bloco e faz série de reuniões bilaterais

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Nova Déli

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu das mãos do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, o martelo que simboliza o comando do G20, neste domingo (10). O petista também anunciou o lema do Brasil na presidência do grupo: "Construindo um mundo justo e um planeta sustentável".

A cerimônia foi simbólica, uma vez que o Brasil só assume a presidência do G20 formalmente em 1 de dezembro. "Vamos fazer um esforço para fazer uma cúpula pelo menos igual a esta da Índia", disse Lula, elogiando os anfitriões em Nova Déli.

No início de sua fala ao fim da cúpula, Lula fez menção ao ciclone que causou 46 mortes no Rio Grande do Sul e 1 em Santa Catarina –o petista foi alvo de críticas de bolsonaristas por não ter viajado ao estado antes de embarcar para a Índia— e fez do evento extremo um reforço de seu argumento a favor de políticas contra a crise climática.

"Primeiro, gostaria de dizer às autoridades aqui presentes que a natureza continua dando demonstração de que precisamos cuidar dela com muito mais carinho. Esta semana, três dias atrás, no meu Brasil, um ciclone, no estado do Rio Grande do Sul, que nunca havia tido ciclone, matou 46 pessoas, e tem quase 50 pessoas desaparecidas." O balanço atualizado de mortes foi divulgado horas depois do discurso de Lula.

O presidente Lula (PT) com martelo em mãos que simboliza presidência temporária em encerramento da cúpula em Nova Déli, na Índia
O presidente Lula (PT) com martelo em mãos que simboliza presidência temporária do G20 em encerramento da cúpula em Nova Déli, na Índia - Ricardo Stuckert/Presidência da República

No discurso, Lula tambem passou um recado aos países ricos. "Não podemos deixar que questões geopolíticas sequestrem a agenda de discussões das várias instâncias do G20, não nos interessa um G20 dividido", disse.

Ainda que indiretamente, o presidente se referia ao fato de que a cúpula de Nova Déli quase acabou sem um comunicado conjunto devido à insistência das nações do G7 de incluir uma condenação enérgica à agressão da Rússia contra a Ucrânia. No último momento, países ricos concordaram com um documento que rechaça a guerra, mas não critica diretamente a Rússia.

Foi uma tentativa dos países ricos de salvar o G20 da irrelevância, ainda mais diante do fortalecimento e expansão do Brics liderada pela China. Caso não se chegasse a uma declaração comum, a viabilidade do G20 estaria em xeque —e Brasília herdaria um bloco menos relevante.

O Brasil era um dos países que criticava a contaminação do G20 pelo tema da Guerra da Ucrânia. O governo brasileiro está alinhado à China na ideia de que o grupo deve focar questões econômicas, de crescimento e desenvolvimento, não geopolíticas.

A presidência brasileira do G20 terá três prioridades, segundo Lula: a inclusão social e o combate à fome, a transição energética e o desenvolvimento sustentável, e a reforma das instituições de governança global. O presidente também anunciou o lançamento de duas forças-tarefa: a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza e a Mobilização Global contra a Mudança do Clima, como antecipou a Folha.

"Precisamos redobrar os esforços para alcançar a meta de acabar com a fome no mundo até 2030, caso contrário estaremos diante do maior fracasso multilateral dos últimos anos."

Ao pedir reforma das instituições multilaterais, Lula pediu maior participação dos países emergentes nas decisões do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional e apontou para a dívida insustentável de países pobres junto ao fundo. Também pediu a revitalização da Organização Mundial de Comércio, que está paralisada desde 2019, após bloqueio dos EUA à indicação de árbitros para o órgão de solução de controvérsias.

"Para recuperar sua força política, o Conselho de Segurança da ONU precisa contar com a presença de novos países em desenvolvimento entre seus membros permanentes e não permanentes", disse. O governo brasileiro pleiteia uma vaga permanente em um novo Conselho de Segurança expandido.

Antes da sessão da manhã e da cerimônia de transmissão da presidência do G20, Lula foi, ao lado dos outros chefes de Estado e governo, depositar flores no Memorial de Mahatma Gandhi. Durante a visita ao memorial, chamado Raj Ghat, os líderes tiraram os sapatos em sinal de respeito. Além do premiê Modi, o francês Emmanuel Macron, a alemã Ursula Von der Leyen, o alemão Olaf Scholz, estavam descalços – o americano Joe Biden preferiu usar uma pantufa oferecida pela organização.

Ao final do discurso de transmissão da presidência do G20, Lula afirmou ter ficado muito emocionado ao visitar o memorial de Gandhi e disse que seguia a tática de não violência do herói indiano. O petista também deu de presente a Modi uma muda de jacarandá —cada um dos líderes reunidos em Nova Déli levou mudas de árvores típicas de seus países para serem plantadas na Índia.

Também de manhã, Lula se reuniu com Macron e falou sobre o acordo UE-Mercosul, bem como sobre o documento do bloco europeu que faz uma série de exigências ambientais para o avanço das negociações do acordo. O presidente brasileiro já havia se referido a elas como "protecionistas" e "exageradas"; dessa vez escolheu os adjetivos "ofensivas" e "inadmissíveis".

A agenda de encontros do petista incluiu reuniões com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, com o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e com o primeiro-ministro da Holanda, Mark Rutte. Houve ainda uma bilateral com o príncipe herdeiro e primeiro-ministro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman.

A reunião estava prevista inicialmente para o sábado (9), mas foi adiada, segundo o governo brasileiro, por problemas na agenda do saudita, que se estendeu de forma não prevista em um encontro com Joe Biden.

A conversa entre o brasileiro e o saudita, porém, tem pesos controversos: MBS, como o príncipe é conhecido, é acusado de mandar esquartejar o jornalista de seu país Jamal Khashoggi. As relações entre Arábia Saudita e Brasil também estão sob escrutínio depois que presentes dados pela monarquia ao governo brasileiro foram movidos ao acervo pessoal do agora ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Lula e MbS se reuniram-se durante cerca de 20 minutos no hotel Taj Palace, em que falaram sobre a entrada da Arábia Saudita no Brics, decidida na última cúpula do bloco, em Joanesburgo, e que será oficializada em 2024. O príncipe manifestou interesse em investir no Brasil no setor de óleo, gás, mineração e também em combustíveis verdes. E não levou presentes a Lula, informou o governo brasileiro.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva em reunião com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, em Nova Déli, na Índia - Ricardo Stuckert/Presidência da República
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