Foi um massacre, dizem militares após invasão do Hamas em vila de Israel

Kfar Azza, a 3 km da Faixa de Gaza, foi um dos locais invadidos pelo grupo terrorista no último sábado (7)

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Isabel Kershner Sergey Ponomarev
Kfar Azza | The New York Times

"Bem-vindo", dizia a placa na entrada de Kfar Azza, uma exuberante vila israelense a apenas alguns quilômetros da fronteira com a Faixa de Gaza. No caminho, outra placa indicava o caminho para a academia e a piscina.

Então vi as pernas de um cadáver inchado vestido com uniforme militar saindo de um arbusto, e, ao lado dele, um colete cáqui com a insígnia de uma unidade de comando do Hamas, grupo extremista que controla o enclave costeiro palestino e que atacou Israel no último sábado (7).

Soldados mexem em corpo enrolado em saco plástico no chão
Soldados israelenses verificam os corpos de pessoas mortas em Kfar Azza, um vilarejo do outro lado da fronteira de Gaza que foi atacado por homens armados palestinos, em Israel, na terça-feira, 10 de outubro - Sergey Ponomarev-10.out.23/The New York Times

Passando pelo refeitório, jardim de infância e centro cultural da vila, as fileiras arrumadas de casas térreas e beges apareceram, assim como a escala do horror.

Nesta terça-feira (10), quatro dias após centenas de atiradores do Hamas violarem a cerca da fronteira com Israel no ataque mais audacioso ao país em décadas e invadirem duas dezenas de cidades e comunidades, incluindo esta, soldados e equipes de resgate começaram a tarefa macabra de extrair os corpos.

Eles se moviam devagar, de casa em casa, com medo de que atiradores do Hamas ainda pudessem estar escondidos dentro das construções ou tivessem deixado explosivos. Granadas ativas estavam prontas para serem neutralizadas pelos soldados. Eles retiraram um residente morto em um saco para cadáveres em uma maca e o colocaram na parte de trás de um caminhão. Então outro. E outro.

Um fotógrafo do The New York Times, Sergey Ponomarev, e eu estávamos entre os primeiros jornalistas autorizados a entrar na vila desde o ataque mortal. Fomos acompanhados pelo exército israelense até a área em que o acesso ainda está proibido, de forma geral.

Depois de dias de entorpecimento nacional e caos, as dimensões da atrocidade que ocorreu aqui estavam se tornando claras. No total, mais de mil soldados e civis foram mortos em Israel. Ninguém poderia dizer quantos deles estavam em Kfar Azza, mas a vila está emergindo como um dos locais com o pior banho de sangue do ataque. Soldados e equipes de resgate disseram que dezenas, possivelmente centenas, foram massacrados aqui, incluindo avós, bebês e crianças.

"Não é uma guerra ou um campo de batalha; é um massacre", disse o major General Itai Veruv, um comandante israelense no local. "É algo que nunca vi na minha vida, algo mais parecido com um pogrom [massacre étnico] da época de nossos avós."

Pelo menos uma dúzia de corpos estavam espalhados pelas vias e nos gramados, atraindo moscas. Alguns deles eram de combatentes do Hamas, outros de israelenses envoltos em cobertores. O cheiro da morte estava no ar.

Kfar Azza, um kibutz, ou vila comunitária, foi fundado em 1951, três anos após o estabelecimento do Estado de Israel. Os primeiros colonos eram considerados há muito tempo a elite socialista pioneira e sal da terra do país —assim como aqueles que vivem na maioria das outras comunidades kibutz, cujos moradores geralmente são progressistas de esquerda.

Mais recentemente, à medida que Israel se deslocou para a direita, os kibutzianos, como são conhecidos, foram descartados pelos apoiadores do governo ultranacionalista como esnobes privilegiados, ou pior, como traidores.

Antes do ataque, Kfar Azza era a imagem de uma comunidade unida de cerca de 750 pessoas, com um clube social e uma sinagoga. Agora é uma tela desolada de vida interrompida. Alguns moradores estão desaparecidos e podem estar entre os cerca de 150 reféns levados para Gaza. Aqueles que sobreviveram ao banho de sangue foram evacuados para hotéis em todo o país.

Enquanto passávamos pela vila, ouvíamos explosões de foguetes e morteiros de Gaza, explosões de artilharia israelense no enclave e o som de tiros, enquanto soldados israelenses agachados nos campos continuavam a guardar a área. Entre eles, havia um silêncio sinistro.

Em uma pequena casa, na parte do kibutz onde viviam os jovens adultos, dois corpos estavam no chão. O teto branco estava marcado por buracos de balas e estilhaços, como um negativo macabro de um céu estrelado. A casa havia sido saqueada, mas um suporte de especiarias ricamente colorido permanecia intacto. Outras casas haviam sido queimadas, e seus interiores estavam completamente carbonizados.

Algumas casas estavam intocadas, congeladas no tempo, com carrinhos de bebê e bicicletas infantis deixados na varanda. Nas proximidades estavam os restos de uma caminhonete destruída e um parapente improvisado —dois dos veículos usados pelos atiradores para atravessar a fronteira.

Uma sobrevivente do ataque, a cantora Shay Lee Atari, falou sobre o ataque para a mídia israelense de uma cama no hospital, enquanto segurava sua bebê de um mês. Ela descreveu como seu parceiro a ajudou a escapar quando os atiradores entraram na casa.

Atari disse que correu e se escondeu em um depósito, cobrindo ela mesma e sua bebê, Shaya, com sacos de terra que encontrou no local. Quando aquele abrigo deixou de ser seguro, ela correu para um gramado sob chamas e bateu em portas até que uma família as deixou entrar. Ela disse que esperou por 27 horas até ser resgatada. Seu parceiro, Yahav Wiener, está desaparecido.

"Eu realmente não sei onde estava nosso Estado", disse ela, ecoando a raiva e a perplexidade de muitos israelenses sobre como o país, com suas aclamadas capacidades militares e de inteligência, foi pego de surpresa e despreparado dessa forma.

"Eles nos abandonaram", disse ela. "Estavam no Twitter. Era lá que estavam."

Os rostos sorridentes de outras vítimas podem ser vistos em fotografias que estão circulando em publicações de familiares e amigos feridos nas redes sociais. Há a da família Kedem Siman Tov, por exemplo —o pai, a mãe e três crianças pequenas, todos mortos. E há a de Itai e Hadar Berdichevsky, que esconderam seus gêmeos de 10 meses antes de serem baleados. Os bebês foram resgatados 13 horas depois.

O choque e a raiva que agora reverberam na sociedade israelense se somam a meses de agitação em relação aos planos do governo de restringir o poder judiciário do país, aprofundando divisões sociais, políticas e étnicas de longa data.

Uma faixa antigovernamental estava pendurada no alto da torre de água do kibutz em Kfar Azza. "Vergonha!", lia-se. Abaixo do protesto, a poucos metros de distância, seis corpos de moradores, em sacos pretos, estavam estendidos no chão.

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