Descrição de chapéu guerra israel-hamas

'Me sinto um anjo da morte': o brasileiro encarregado de avisar famílias em Israel sobre morte de parentes

Major do Exército israelense foi convocado para mediar comunicação com familiares de assassinados em ataque do Hamas

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BBC News Brasil

Familiares de todos os israelenses que morrem em operações militares ou em ataques classificados como terroristas pelo governo recebem um acompanhamento especial que inclui a visita de um oficial do Exército para comunicar oficialmente o falecimento.

Mas desde que uma incursão do Hamas deixou mais de 1.400 mortos no país, a demanda por esses serviços chegou a um nível nunca antes registrado. Com isso, oficiais das Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) que não participam normalmente dos esforços de comunicação com famílias de vítimas foram convocados para essa missão.

O brasileiro Rafael (nome fictício) é major do Exército de Israel e foi um dos intimados. Desde a última sexta-feira (13), ele tem visitado em média três famílias por dia para levar notícias sobre a morte de um ente querido.

Major brasileiro do exército de Israel é encarregado de avisar familiares de mortos em ações militares e ataques terroristas
Major brasileiro do exército de Israel é encarregado de avisar familiares de mortos em ações militares e ataques terroristas - Arquivo pessoal

"Quando bato na porta dessas famílias, me sinto como um anjo da morte", afirmou ele à BBC News Brasil.

"Mas sei que esse trabalho é muito importante, pois dá a oportunidade de a família ter certeza sobre o que aconteceu com o seu ente querido e poder enterrá-lo."

Esta é a primeira vez que Rafael assume essa função. Há 14 anos no Exército de Israel, o brasileiro natural do Rio de Janeiro trabalha com aconselhamento jurídico nas IDF.

"Há pessoas no Exército que cumprem essa função regularmente, mas como a quantidade de mortos chegou a uma dimensão gigante, a quantidade de oficiais treinados para esse tipo de missão não foi suficiente", diz.

O militar conta que passou por um treinamento de quatro horas antes de começar a tarefa. "Na nossa preparação eles disseram que, principalmente nos primeiros dias, poderíamos ficar muito abalados, sem apetite e sem sono", diz. "E isso realmente está acontecendo —é difícil de dormir e de comer."

"Mas eu continuo logicamente fazendo minhas refeições e tentando dormir, porque eu sei que se não fizer isso existirão mais uma, duas, três, quatro, cinco famílias que não vão receber informações sobre seus parentes."

Rafael conta que algumas das visitas que mais o marcaram foram às casas de famílias com crianças e adolescentes.

Em uma delas, teve que dar a notícia sobre o falecimento de uma jovem de 17 anos ao seu pai. Ela passava a noite com o namorado em uma praia próxima à Faixa de Gaza quando o casal foi atacado pelo Hamas.

"Quando nós demos a notícia para esse pai, ele disse que no dia anterior havia visto uma foto de sua filha na televisão, entre as das pessoas que provavelmente foram sequestradas", diz.

"Ele falou que tinha ficado com uma certa esperança —se é que alguém pode ter esperança de um filho ser sequestrado— de que ela estivesse viva ainda"

Em outra ocasião, visitou os pais de uma mulher de 30 anos que foi assassinada dentro de sua própria casa. Seu marido está desaparecido.

Aos dez meses de idade, os filhos gêmeos do casal sobreviveram. "Os pais conseguiram colocá-los dentro do bunker e trancar o quarto antes de os terroristas chegarem", relata.

"Está sendo muito difícil, eu não paro de pensar nas famílias. São pais que nunca mais vão ver seus filhos, são crianças que vão crescer sem os pais."

Segundo Rafael, muitos dos familiares das vítimas do ataque do dia 7 de outubro terão que esperar muitos dias antes de receber notícias sobre seu ente querido.

"O reconhecimento dos corpos está difícil, pois alguns deles estão totalmente destruídos. Com isso, as confirmações das mortes demoram a chegar", diz.

"Há mais de 600 pessoas desaparecidas e uma grande quantidade delas, infelizmente, está morta, mas o reconhecimento dos corpos ainda não foi possível."

Rafael mora em Israel há 20 anos. "Eu sou um judeu sionista e sei que o Estado de Israel está voltado para receber os judeus de todo mundo", diz.

"Mas gosto muito do Brasil e o visito com frequência. É um país que recebeu muito bem o meu avô, que foi sobrevivente do Holocausto."

A incursão do dia 7 foi considerada o ataque transfronteiriço mais sério que Israel enfrentou em mais de uma geração.

Membros do Hamas violaram a cerca que separa Gaza de Israel em vários lugares, invadiram vilarejos e mataram mais de 1.400 pessoas. Militares estimam que cerca de 199 pessoas tenham sido sequestradas.

Os terroristas também dispararam milhares de foguetes a partir da Faixa de Gaza, alguns dos quais atingiram cidades tão distantes quanto Tel Aviv e Jerusalém.

Em resposta, Israel lançou uma onda de ataques aéreos contra a Faixa de Gaza nos dias seguintes. O saldo de mortes em Gaza por bombardeios de retaliação israelenses chegou a 2,8 mil pessoas nesta segunda (16).

Além disso, segundo as autoridades palestinas, cerca de mil pessoas estão desaparecidas entre os escombros de prédios bombardeados.

No último final de semana, as Forças Armadas israelenses também anunciaram que se preparam para novos ataques contra Gaza por terra, ar e mar. Mais de 1,1 milhão de palestinos que vivem no norte da Faixa estão deixando a região para fugir do iminente ataque.

A crise humanitária no enclave palestino está cada vez mais aguda. Há um crescente temor de uma escalada regional envolvendo outros países da região, como Líbano e Irã.

Este texto foi publicado originalmente aqui.

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