Descrição de chapéu guerra israel-hamas

Sem Estado para Palestina, toda a região estará em chamas, diz Nobel da Paz

Para Muhammad Yunus, a solução depende apenas do apoio dos EUA; economista diz que Lula pode ganhar Nobel

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São Paulo

Para Muhammad Yunus, ganhador do Nobel da Paz em 2006, cada novo dia na guerra entre Israel e Hamas deixa o Oriente Médio mais perto de um ponto sem retorno. A única solução para acabar com o conflito, diz, é a imediata criação do Estado independente da Palestina.

Conhecido como banqueiro dos pobres, o bengalês diz que a criação de dois Estados independentes na região está muito atrasada e depende apenas do apoio dos Estados Unidos. Yunus avalia como positiva a iniciativa brasileira em busca da paz e vê chances de Lula também ganhar um Nobel da Paz.

Muhammad Yunus
O economista Muhammad Yunus, vencedor do Nobel da Paz de 2006, durante entrevista à Folha em São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

O economista de 83 anos venceu o prêmio por oferecer microcrédito a mulheres vulneráveis de Bangladesh. Desde então, se dedica ao investimento em negócios sociais.

Yunus veio Brasil para divulgar a versão em português de seu livro "Um Mundo de Três Zeros: A Nova Economia de Zero Pobreza, Zero Desemprego e Zero Emissões Líquidas de Carbono", pela Editora Voo. Em São Paulo, ele conversou com a Folha.

Como o senhor avalia o conflito entre Israel e o Hamas? Qual seria a solução?
É um problema muito antigo que ficou cada vez mais complicado devido ao tratamento que o povo de Gaza tem recebido de Israel. Foi algo que se formou com o tempo e, de repente, tornou-se muito explosivo e inaceitável segundo qualquer padrão civilizado.

A solução é, obviamente, a criação de dois Estados. Algo com que todos concordam, mas ninguém implementa. Não há como escapar desta resolução se quisermos trazer paz à região. Agora, nos resta apenas essa opção, há muito ignorada. Caso contrário, não sabemos onde este conflito terminará. Cada dia de atraso nos aproxima de um ponto sem retorno, uma situação que a comunidade global não pode permitir.

O senhor acha que, hoje, Israel e a comunidade internacional concordariam com a criação de dois Estados independentes?
A chave é os Estados Unidos. Se eles se moverem rapidamente, outros os seguirão.

O governo Biden não parece ter esta opção na mesa…
É aí que entra a imprensa. Devemos criar dois Estados com extrema urgência. Caso contrário, toda a região estará em chamas e a maior parte do mundo será sugada para esse incêndio.

Durante a reunião da Assembleia-Geral da ONU, Binyamin Netanyahu mostrou um novo mapa de "Israel" [que incluía a Faixa de Gaza]. Isso provavelmente desencadeou o agravamento do conflito.

Benjamin Netanyahu mostra mapa do Oriente Médio, no qual a Faixa de Gaza está incluída no território israelense
Durante a Assembleia-Geral da ONU, em setembro, Binyamin Netanyahu mostrou um mapa de Israel que incluía a Faixa de Gaza - Spencer Platt - 22.set.23/Getty Images/AFP

O presidente Lula tem se colocado à disposição para liderar negociações de paz e mediação de conflitos recentemente, agora na guerra entre Israel e Hamas, na Guerra da Ucrânia e até na Nicarágua, intervindo a favor da Igreja Católica. Como o senhor vê esse movimento? O Brasil tem capacidade de liderar a pacificação nessas regiões? Seria possível que, um dia, Lula ganhe o Nobel da Paz por esses esforços?
Sim, claro. O ex-presidente Juan Manuel Santos, da Colômbia, conseguiu isso lutando contra o narcotráfico. O [ex-presidente Barack] Obama conseguiu, sem fazer nada. Então, não é algo distante.

O Brasil tem circunstâncias muito semelhantes às da Colômbia. Portanto, se Lula conseguir salvar este enorme país, ele merece um Nobel da Paz. É algo importante e ele pode fazer isso, está construindo essa paz.

O problema é que o sistema está mal desenhado. Todos os países têm ministérios de Defesa, que são, literalmente, o ministério da guerra. No orçamento dos países, eles recebem uma das maiores fatias. Por quê? Eles fabricam e compram armamentos para matar mais barato, melhor e mais rápido. Os países se preparam para guerras e toda a economia global se baseia nisso.

Não se discute isso porque é muito dinheiro. Os nossos governos sucumbem à voz militar porque não lhe dão nenhuma outra opção. Estamos sob ameaça o tempo todo.

E o ministério da paz? Por que não nos preparamos para a paz? Por que não incluímos a paz no orçamento? Se você fala sobre o ministério da paz, as pessoas riem. É uma coisa louca de se pensar. Mas, se cada governo tivesse um, teríamos conferências de paz, exercícios de paz. Por que não construímos esta missão de paz em todos os lugares?

Se você estiver continuamente se preparando para a guerra, é claro que terá guerra.

O senhor defende que a solução para a paz é erradicar a pobreza, mas, isso é possível na sociedade em que vivemos? Como governos e empresas podem avançar hoje nessa direção?
A civilização que temos agora, que criamos e celebramos ao longo de muitos anos, é autodestrutiva. Ela se baseia na maximização do lucro. Ou, em outras palavras, na ganância. Devemos aceitar isso e continuar assim? Deveríamos tentar criar uma nova civilização para a nossa sobrevivência, baseada no compartilhamento e no carinho.

Na atual civilização, toda a riqueza vai para o topo. Não importa onde você esteja, onde você faça isso, o dinheiro não fica no chão. A verdadeira riqueza vai para algumas pessoas no topo. É um processo contínuo que está ficando cada vez mais rápido e a riqueza principal está se tornando cada vez maior. Então, poucas pessoas controlam toda a economia, a política, a mídia, os negócios, as relações internacionais, tudo. E isso é algo que não nos deixará sobreviver.

As pessoas estão ocupadas buscando dinheiro, e ele destruiu todo o nosso processo de pensamento. Em vez de agirmos como robôs, podemos nos redescobrir como seres humanos.

Em seus livros, o senhor diz que os pobres são melhores pagadores do que os ricos. Recentemente, o governo brasileiro implementou um programa de perdão e renegociação de pequenas dívidas bancárias, o Desenrola. Como o senhor avalia essa iniciativa?
Uma forma simples de responder isso é que o endividamento é culpa do sistema que concedeu o empréstimo. Ele foi feito de uma maneira errada, e as pessoas caíram em uma armadilha, não é culpa delas. A máquina está desenhada de uma maneira equivocada. Os bancos é que deveriam estar pagando essas pessoas por causarem todos esses problemas.


RAIO-X | MUHAMMAD YUNUS, 83

Bengalês, é economista e filantropo. Em 1983, fundou o Grameen Bank em seu país, a partir de uma pesquisa que conduziu como professor da Universidade de Chittagong para estudar os efeitos práticos da bancarização e da concessão de microcrédito aos pobres. Hoje, se dedica a projetos sociais por meio da Yunus Social Business, presente em sete países, incluindo o Brasil.

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